Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'Se você avaliar muito o Brasil, dá uma pirada', diz Bebel Gilberto

Cantora diz que o pai, João Gilberto, 'está bem', e que saudade da mãe, Miúcha, 'vai ser pra sempre'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A cantora Bebel Gilberto antes de show na Bienal, em SP
A cantora Bebel Gilberto antes de show na Bienal, em SP - Marcus Leoni/Folhapress

O aviso foi enviado por e-mail, reforçado por duas assessoras e lembrado pela produtora: Bebel Gilberto não comentaria sobre o seu pai, o ícone da bossa nova João Gilberto. 

“Ela foi instruída por advogados a não falar do assunto”, informou uma integrante da equipe da cantora. 

Mas o tema foi abordado mesmo assim, no fim de uma conversa que a artista teve com a coluna na terça-feira (19), antes de um show no Pavilhão da Bienal de São Paulo que ela fez em um evento da Renner. 

“Ele está bem”, conta Bebel. Ela diz se incomodar com a exposição dos casos de sua família. “Claro [que sim]! Porque eu não quero falar sobre isso. Eu não posso”, emenda, sorridente e com a voz serena, sem se irritar. 

“Qualquer coisa que eu disser agora [sobre o imbróglio familiar e judicial envolvendo o pai] pode vir contra mim. Se você está do meu lado, me ajude”, emenda ela. “E é sempre bom dar aquela meditada de: ‘Vamos ficar bem que vai dar tudo certo.’” 

João Gilberto, que tem 87 anos e vive recluso, acumula ações de despejo, dívidas e processos na Justiça que inflamaram desavenças familiares envolvendo Bebel, o irmão dela, João Marcelo, e Claudia Faissol, ex-mulher e mãe de Luisa, 14, filha caçula do artista.

A rusga se agravou após João Gilberto assinar, em 2013 e sob o que os filhos alegam ser influência de Faissol, um contrato de empréstimo de R$ 10 milhões com o banco Opportunity. Como garantia, a instituição ficou com 60% dos direitos autorais de discos do compositor e passou a administrá-los.

Em 2017, Bebel conseguiu na Justiça a interdição provisória de seu pai para a gestão pessoal, patrimonial e financeira dele por 120 dias. Ela briga pela curatela definitiva. 

Foi nesse contexto que, após mais de 20 anos vivendo em Nova York, nos EUA, Bebel se mudou para o Rio de Janeiro, no fim de 2018. “Para ficar perto dos meus pais”, diz a cantora, nascida em NY.

A convivência mais intensa com a mãe, Miúcha, durou pouco: em dezembro, a cantora morreu vítima de um câncer.

 

“Lidar com a velhice não é fácil. Eu vi isso com a mamãe [que teve Bebel com João Gilberto e morreu em dezembro de 2018, aos 81 anos]. Eu mesma me sinto diferente agora [prestes a completar 53 anos]. Então a gente tem que se cuidar. Só posso dizer isso.” 

“A minha vida está assim... eu virei três pessoas agora. Estou lidando com toda a história [da morte] da minha mãe, né? Que não é fácil quando você é filha única. Tem coisas práticas que você não imagina o que é e dão um trabalhão. Fora a minha vida. Fora tudo o que está acontecendo [no país]”, diz. 

Bebel vê o atual momento  do Brasil como “complicado”.

“Se você começar a avaliar muito, dá uma pirada. Então eu estou seguindo com a minha vidinha, literalmente na minha, tentando não pirar muito”, afirma. “[Tentando] não começar a discutir com todo mundo, sabe? Não comprar briga com as pessoas, porque não adianta nada. E rezar ‘for better days’ [dias melhores]. É só o que a gente pode fazer. Vibrar para que momentos melhores venham, e que a gente saia dessa para uma melhor.” 

Para ela, já “está havendo” retrocessos na área da cultura. 

“Eu me considero bem sortuda de estar aqui agora, nessa situação [fazendo aquele show]. Porque está difícil. Não tenho trabalho aqui como eu tenho lá fora. Em quatro meses [no Brasil], eu fiz cinco shows, contando com este. Lá fora eu vou fazer 60. Não tem comparação”, diz.

“Acho que as pessoas não estão pouco preocupadas [com o futuro do país]. Elas estão muito preocupadas. Falando de mim, eu vivo numa família que está bem preocupada. As pessoas à minha volta são muito ricas culturalmente”, diz Bebel, que é sobrinha de Chico Buarque, irmão de Miúcha.

“Sou privilegiada por estar nesse meio”, avalia. “Estamos tendo, sim, um retrocesso. E sinto muito que estejamos vivendo um momento como esse.”

Bebel ainda mantém empresário, agência e agenda nos EUA —onde conta que iniciará uma turnê em junho e, em setembro, “fará alguma coisa” com o músico brasileiro Sérgio Mendes. Na semana que vem, ela inicia uma série de shows pela Europa. 

Além disso, está no processo de gravação de um novo álbum, ainda sem nome definido e que pretende lançar até o final deste ano. 

“Eu não terminei [o disco] porque quando a mamãe começou a realmente ficar mal —a gente nunca imaginou que ela fosse embora tão rápido—, eu parei as mixagens no meio”, diz. Miúcha teve uma parada respiratória no meio de um tratamento do câncer. “Mas agora a gente está fazendo entre lá [EUA] e aqui [Brasil]. Hoje é tudo conectado. A vida é mais fácil assim.”

 

“É [um disco] mais maduro, né? Vou completar 53 anos. Inclusive, estou entrando no meu inferno astral”, brinca Bebel, que faz aniversário em maio. 

“[O novo álbum] é bem eletrônico, meio ‘moody’ [temperamental]. Falo muito de amor. Com aquela coisa melancólica do teclado”, conta. 

“Esse disco tem uma ‘vibe’ de filme antigo. Uma coisa meio ‘noir’, ‘black and white’. É incrível”, revela. “Inclusive, no estúdio a gente tinha uma tela que só passava filme antigo. Todos do [Federico] Fellini. Do Michel Legrand [compositor francês que venceu três Oscar]. ‘Pele de Asno’ [1970]. Filme mudo. A gente ficava vendo e vivendo aquilo.”

Ela enxerga a música como o “meio para se manifestar, dizer o que a gente pensa”. “Pregar coisas boas, o amor. É o que eu faço. Fico falando de coisas bonitas, lembrando que é bom ser feliz. Que é bom namorar, se amar. Que pregando o amor, de alguma forma, você vai isolar o mal”, diz. 

“É o meu insumo, né? [risos]. Sou a ‘provider’ dos ‘lovers’ [provedora dos amantes]. A ‘baby provider’ [risos]”, diz, referindo-se à ambiência romântica criada por algumas de suas músicas. Bebel é referência no estilo conhecido como bossa eletrônica, que se destacou no início dos anos 2000.

Diz que o Rio lhe faz bem. “Os amigos e a família estão me fazendo bem. Estar perto de quem eu gosto me faz bem”, diz ela. “Estou fazendo vários projetos fora [do Brasil], no mundo. Mas, agora, no momento, a minha casa é aqui [na capital fluminense].”

Bebel tem vontade de fazer um filme sobre a vida de Miúcha. 

 

“A mamãe era muito conectada com pessoas importantes da cultura mundial. É muita história pra contar”, diz ela, que encontrou “muita coisa catalogada e linda” enquanto desocupava o apartamento da cantora após a morte dela. 

“Existe essa vontade [de fazer o filme]. Adoraria. Mas não agora. No futuro. Agora estou aqui, gravando o meu disco novo, fazendo esse evento”, afirma.

“Estou curtindo muito estar aqui , apesar de não ter mamãe por perto”, conta Bebel, para quem a saudade que sente de Miúcha não tem fim. “Acho que é pra sempre, né? Estou lidando com a perda dela. Não tem como passar isso. Cada dia é de um jeito.”

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.