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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Vai ser um Theatro Municipal mais pop', diz novo diretor da instituição

O palhaço Hugo Possolo refletiu antes de assumir o cargo e assume o posto 'olhando para a frente'

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O novo diretor artístico do Theatro Municipal, Hugo Possolo
O novo diretor artístico do Theatro Municipal, Hugo Possolo - Bruno Santos/Folhapress

Hugo Possolo se perde nos corredores dos cinco andares do Theatro Municipal em busca de uma sala para conversar com a repórter Teté Ribeiro. Pede ajuda por celular para sua assistente depois de subir e descer as escadas algumas vezes.

Aos 57 anos, o dramaturgo, ator, diretor e produtor, que até há pouco gostava mesmo era de se identificar como palhaço, assumiu a direção do Theatro Municipal de São Paulo a convite do Secretário de Cultura, Alexandre Youssef. O cargo estava vago desde 2017, quando o ex-diretor Cleber Papa foi desligado do posto em meio a denúncias.

Três diretores do Municipal durante a gestão de Fernando Haddad como prefeito de São Paulo, William Nacked, José Luiz Herência e John Neschling, são acusados de liderar um esquema de corrupção que desviou cerca de R$ 15 milhões da Fundação Theatro Municipal entre os anos de 2013 e 2015. Eles podem se tornar réus se a Justiça acatar a denúncia entregue pelo Ministério Público no mês passado.

“O Secretário de Cultura e o Odeon [organização social que gerencia o teatro] me deixaram confortável para eu não ficar arrastando tudo o que aconteceu aqui, para eu entrar com uma perspectiva futura de trabalho. Essas polêmicas têm de se resolver com transparência para a sociedade e o poder público. Precisamos que cada um responda pelo que fez, mas essa investigação não será minha função. Chego aqui olhando para a frente”, diz.

Desde o afastamento de Papa, a programação era feita pela direção do Instituto Odeon junto da presidente da Fundação Theatro Municipal, Patricia de Oliveira, que se demitiu no começo de fevereiro, e pelo ex-Secretário de Cultura André Sturm, dispensado em janeiro. Sturm foi substituído por Youssef, que fez o convite a Hugo Possolo junto do diretor do Instituto Odeon, Carlos Gradim.

“Estou entusiasmado, feliz e muito desafiado”, diz Hugo. “Mas não aceitei o cargo na hora. Pedi uns dias para pensar.” Possolo faz parte do grupo Parlapatões, criado por ele e dois colegas em 1992. Tem um teatro na Praça da República e é criador e ex-coordenador da SP Escola de Teatro, na mesma praça, que oferece cursos gratuitos de atuação, direção, dramaturgia, iluminação, sonoplastia, cenário, figurino e técnicas de palco.

“O projeto da SP Escola de Teatro é muito apaixonante e muito caro para mim, então balancei um pouco. Mas pensei em tudo o que o Municipal significou para a cidade nos últimos tempos, de como virou uma vidraça da questão cultural por causa das polêmicas aqui, e decidi aceitar”, afirma.

Possolo diz que não tem medo de se ver envolvido em um esquema de corrupção em sua gestão. “Fico tranquilo porque eu sempre trabalhei com produção, não sou um artista descolado de uma planilha. Sei exatamente o que significa um custo e venho com a preocupação de acompanhar isso ponto a ponto. Eu sempre cobrei clareza e transparência, vou continuar assim.”

O comunicado que anunciou o seu nome como o novo diretor dizia que “a primeira ação será ocupar os dias e espaços vagos do Theatro Municipal, sem prejuízo da programação estabelecida, para o desenvolvimento do projeto Novos Modernistas”.

“Estamos vivendo uma década de mudança de velocidade de informação por causa desse smartphone que a gente carrega na mão. E isso está provocando um impacto nas expressões artísticas e no pensamento. Há formas de expressão e de acesso das pessoas a essas expressões que mudaram completamente, existem sucessos de público que não fizeram o circuito tradicional de ‘mass media’, além de uma pulverização da informação. É nesse sentido que penso os Novos Modernistas”, afirma.

Possolo não tem nada programado ainda e afirma que vai respeitar a agenda existente. “Mas vai ser um Municipal mais pop. Vamos abrir espaço para que volte a ter apresentações teatrais, além de outras linguagens, como é o caso do circo. Sempre teve a noite do circo aqui, sempre teve a noite do samba, podemos fazer uma noite do slam. Por que não?”

O diretor acredita que a impressão de que o Municipal é um espaço elitista é equivocada. “O Municipal é muito popular. Em qualquer ópera, concerto ou balé, 30 a 40% do público está aqui pela primeira vez”, diz. “Seria muito bom que a elite viesse mais e fizesse como em outros lugares do mundo como Nova York, Berlim, Madri, Buenos Aires, onde os teatros de óperas têm patrocinadores individuais.

“São desde pessoas que dão 100 euros por ano a outras que podem dar um milhão de euros para um teatro de ópera. Esse seria um bom futuro”, afirma. “Temos que mostrar para a elite que a arte tem um significado que vai além das discussões vazias sobre a Lei Rouanet.”

Hugo também não tem receio de entrar numa organização com muitos caciques. Além dele, estarão envolvidos na gestão do Municipal o Instituto Odeon, cuja sede fica no Rio de Janeiro, a Fundação Theatro Municipal e o secretário de Cultura. “Fui recebido com muita autonomia. Acho que estão aliviados porque havia muito tempo não tinham essa pessoa nessa função, que pode ter um bom diálogo com os corpos artísticos.”

E isso ele tem. “Eu já tinha trabalhado com o maestro Roberto Minczuk [titular da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo], tinha grande admiração pelo Ismael Ivo, conhecia a maestrina Naomi [Munakata], já tinha trabalhado com o maestro Jamil Maluf. Não venho com um perfil da autoridade burocrática, e sim de um artista que estabelece diálogos e aponta perspectivas em conjunto.”

O fato de ser um artista popular à frente do Municipal também não o assusta. “Erudição nada mais é do que o conhecimento específico de uma área. Sou um erudito em palhaçaria, conheço profundamente esse assunto, que é popular”, afirma. “Essa separação é muito classista e o público não está preocupado com isso. O público quer uma expressão artística que lhe faça sentido, e acho que a gente pode dar sentido às expressões que estão dentro da casa e a outras que estão fora e elas falarem conjuntamente com a cidade. Parece muito abstrato, mas é um foco muito definido.”

Hugo sonhava em ser escritor de teatro na adolescência. “Nem sabia que o nome disso era dramaturgo”. Acabou entrando em grupos de teatro amador e sempre o chamavam de palhaço, então resolveu procurar uma escola de circo, a Circo Escola Picadeiro. “Lá aprendi a ser palhaço, tive um mestre, o Manuel Moura, que me ensinou as sutilezas da palhaçaria.” Cursou também jornalismo na Cásper Líbero e história na USP.

“Depois produzi uns espetáculos para crianças mas me incomodei muito com a maneira como tudo era feito, então fui passar o chapéu na rua fazendo números de palhaço. Passei muito o chapéu na porta do Municipal no final do anos 80, começo dos 90. A escadaria na frente do teatro é uma ótima arquibancada.”

Agora, depois de se estabelecer como palhaço, dramaturgo, produtor e diretor dos Parlapatões, está à frente de dois novos desafios. Um deles é o novo cargo, o outro deve chegar em agosto. 

“Estou esperando um bebê, minha mulher está grávida de um menino”. Ela é a atriz Camila Turim, com quem está há pouco mais de dois anos. É o quarto casamento dele. E será o segundo filho. “Tenho uma filha de 26 anos que também se chama Camila, mesmo nome da minha mulher, coisa de palhaço”, diz.

Mas um palhaço dirigindo o Municipal? “As pessoas têm uma visão preconceituosa de palhaço, acham que é aquela pessoa que só faz animação de festa. Já fiz muita animação de festa, e não tem problema nenhum. Os palhaços são a imagem do circo, em geral são eles que estão nos cartazes. E são empreendedores, porque criam seus números, seus figurinos e acabam fazendo direção, dramaturgia, trilha. Vai virando um artista como os da Idade Média, mais generalista, que faz de tudo um pouco. Eu sou um palhaço dramaturgo e diretor e sou dramaturgo e diretor porque eu sou palhaço.”

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