Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Meus leitores votam em todas as pessoas', diz Mauricio de Sousa

Na esteira da comemoração dos 60 anos de carreira, o cartunista diz que precisa se manter neutro na política e que se surpreendeu com a repercussão positiva da revelação de que um de seus filhos é gay

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Mauricio de Sousa em uma sala do escritório da empresa, em São Paulo

Mauricio de Sousa em uma sala do escritório da empresa, em São Paulo Adriano Vizoni/Folhapress

“Aqui na empresa só existem mulheres em cargos de comando”, cochicha o cartunista Mauricio de Sousa para a repórter enquanto caminha pelos estúdios onde são criadas as histórias da Turma da Mônica, em São Paulo. “Como homem eu me preocupo, mas como dono de empresa eu adoro. Mulher é mais focada e dedicada.”

Mas o cartunista não foi sempre assim. No início da década de 1960, quando fazia tirinhas do Franjinha e do Cebolinha para a Folha, nos tempos em que o jornal ainda era Folha da Manhã, ele ouviu de um colega da Redação: “Você é misógino?”. 

“A primeira coisa que fiz foi correr para o dicionário e entender que aquela palavra queria dizer ódio ou preconceito contra mulheres ou meninas. Foi um baque! Sou homem. Como eu ia saber o pensamento de uma mulher?”

Ele conta que levantou a cabeça e viu as filhas brincando na sala de casa. “Uma comendo melancia, a outra correndo com um coelho de pelúcia amarelo. Aí me dei conta de que eu as conhecia só pelo olhar. E assim nasceu a Mônica dos quadrinhos.”

De lá para cá, as mulheres ganharam ainda mais protagonismo na vida dele. “Aquela ali é a mesa da minha filha Marina, que é a diretora de conteúdo e roteiros”, diz, apontando para uma espécie de baia. No espaço, além da mesa com o computador, há um cavalete com o desenho da personagem que leva o seu nome nos quadrinhos da Turma da Mônica.

Marina se aproxima. Assim como a personagem dos gibis, tem os cabelos castanhos longos e ondulados. Ela é seguida por Maria da Penha, sua cachorra, que faz festa ao ver o cartunista. Bidu, um schnauzer preto, também circula livremente pelo espaço.

“Demorei para conseguir deixar as coisas na mão da Marina. Hoje ela aprova tudo sozinha, mas às vezes eu vou ver se ela está aprovando direito”, diz ele, e ri. A única coisa que ainda é feita exclusivamente por Mauricio são os quadrinhos do Horácio.

O pequeno dinossauro verde de braços curtos é o alter ego do cartunista. “Eles vivem tentando fazer as histórias, mas nunca consigo aprovar. Sempre acho que não captaram as questões do Horácio”. 

“Revistas japonesas querem tirinhas do Horácio. Nunca fiz tirinhas dele, mas acho que vai funcionar. Vou desenferrujar”, diz. Nos tempos áureos, ele chegou a desenhar 18 páginas por dia —a lápis.

A visita segue pelo espaço de 3.200 m² que foi fundado em 2017 em um complexo de escritórios na marginal Tietê. “Ali é a sala da minha mulher, Alice, que é diretora de arte.” 

O espaço está vazio. Alice estava em reunião com outras três mulheres e dois homens em uma sala ao lado. “Aqui sempre tem mais mulher do que homem. Em qualquer reunião.”

“Os homens estão perdendo a dianteira. As mulheres estão assumindo cargos e responsabilidades com a mesma categoria. Adoro a possibilidade de todos poderem dividir o mesmo espaço, se ajudarem, se auxiliarem.”

Mauricio segue para o segundo andar. “A Mônica trabalha naquela sala. Ela é a responsável pelo comercial e lida com os produtos licenciados, mas está viajando”, diz. 

Em 2016, o cartunista perdeu um dos dez filhos, também chamado Mauricio, que morreu aos 44 anos de um infarto fulminante. Mauricio, o pai,  não gosta de falar sobre o assunto. Diz apenas que guarda as boas lembranças. 

Além de Marina e de Mônica, outros dois filhos dele trabalham na empresa: Mauro, que é diretor do setor dos espetáculos e parques, e Vanda, que trabalha na área de projetos especiais.

Mauricio garante que não se cansa dessa convivência obrigatória e de compartilhar os negócios com a família. “Ao contrário! A gente precisa se policiar para não continuar falando de trabalho em casa.”

“Toda quinta a família almoça junto na minha casa. Chamamos de dia do pastel. As regras são: pastel é o prato principal e é proibido falar sobre a empresa ou problemas. A ideia é jogar conversa fora, falar coisas gozadas e se conhecer melhor.” 

“Recebo por volta de 20 pessoas toda semana, uma mesa só não dá. Precisa colocar uma extra. Também faço isso na minha chácara [em Caçapava, no interior de SP]. Lá dá pra receber até 100 pessoas.”

E foi num desses momentos com a família que surgiu a ideia de postar em seu Instagram uma foto com o filho Mauro e seu companheiro, Rafael. 

“Eles estão casados há mais de dez anos. É muito natural para nós, mas, quando eu postei, esperava que 20% dos comentários fossem negativos”, diz.

E então, surpresa: “Foi muito menos, acho que nem 1%. Isso mostrou para mim também que esse tipo de situação já está muito bem-aceita e se normalizando.”

“Não sei ainda quando vai vir o personagem gay. Virá quando eu sentir que as pessoas estão aceitando essas situações.” 

Mauricio afirma, no entanto, que está fora de cogitação que o personagem gay seja da Turma da Mônica. “Temos que criar outra situação. Crianças da idade da turminha [sete anos] são assexuadas”.

Assunto tabu, seja em família ou não, é política. “Não posso me posicionar. Meus leitores votam em todas as pessoas. Preciso me manter neutro.” 

“Sempre tive parcerias com o governo federal, com todos praticamente”, diz ele, citando Fernando Henrique Cardoso, Lula e Temer. “Criamos material totalmente apartidário, longe de qualquer coisa que possa lançar alguma dúvida sobre a neutralidade ideológica dos personagens.” Nesses projetos, o cartunista afirma abrir mão do cachê. “Cobro só os custos de produção”. 

“Temos que colocar para a criançada ideias, lições e comportamentos necessários para o país. Trabalhamos para a família, no sentido mais amplo.” 

Ele diz que ainda não foi procurado pelo governo de Jair Bolsonaro. “Também não procuramos. Até poderia ter surgido algo se tivesse tido tempo. Mas são tantos lançamentos.” 

Os novos produtos vêm na esteira das comemorações dos 60 anos da primeira tirinha publicada, que serão celebrados no dia 18 de julho. 

O filme “Laços”, que estreou na semana passada e conta a história da turminha, foi “a realização de um sonho”. E os livros ilustrados com histórias de Monteiro Lobato, lançados neste ano, uma superação. 

“A primeira vez que me procuraram para ilustrar algo dele foi na década de 1980. Mas eu tinha medo de macular a obra. Lobato é um dos meus maiores ídolos.”

“O estopim para eu resolver aceitar mais um convite foi a obra dele cair em domínio público. Algumas editoras já estavam se preparando para fazer adaptações e eu pensei: ‘Agora Lobato é de todos e eu tenho um bom estúdio com ilustradores maravilhosos’.” 

Foram dois livros lançados até agora: “Narizinho Arrebitado”, que vendeu 40 mil exemplares em quatro meses, e “O Sítio do Picapau Amarelo”, com 10 mil em dois meses. 

Outros produtos são o gibi “Geração 12”, um mangá com os personagens da Turma da Mônica com 12 anos, e o musical Brasilis, com a presença do Olodum e da cantora Paula Lima no palco com a turminha. 

As novidades vêm para impulsionar ainda mais o império da Mauricio de Sousa Produções. Nos últimos 60 anos, foram cerca de 1,2 bilhão de revistas impressas no mundo. Elas são consumidas por 10 milhões de leitores todos os meses. 

O perfil do YouTube conta com 13 milhões de inscritos e 10 bilhões de visualizações. Brasil, EUA, Rússia, México e Argentina são os países com maior audiência. 

Mônica Toy, uma animação sem diálogos, é um dos principais xodós dele. “Você faz, posta e vai para o mundo. É mágico! Sempre foi meu sonho”.

E ainda tem mais. Ele promete a volta do índio Papa-Capim. “Fui para a Amazônia, visitei várias aldeias. Acho que está chegando a hora”. Também está nos planos uma história da turminha adulta. “A ideia é que eles comecem com 25 anos e envelheçam ano a ano”. 

O passeio pelos estúdios segue até que o assessor adverte: “É dia de visitação”. O local recebe grupos de 20 pessoas de terça a quinta. Ele cruza com um grupo. Eles se surpreendem ao perceber a presença do criador da Turma da Mônica. 

“Mauricio! Ai, meu Deus! Vou desmaiar!”, diz uma das crianças. Todos se viram e começam a falar ao mesmo tempo com o cartunista. Ele promete uma foto com o grupo e pede a um dos monitores: “Me avise assim que estiverem todos juntos”. 

Aos 83 anos, nem ele sabe responder de onde vem tanta vitalidade. “Vim com ela. Agradeço aos meus pais e a todas as pessoas que me falam: ‘Aprendi a ler nas suas histórias’. Esse é o mantra mais agradável e mais lindo que eu conheço”. 

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