Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'É preciso levar tudo a sério, mas rir de si próprio', diz Washington Olivetto

Aos 68 anos, o publicitário lança a segunda autobiografia com histórias dramáticas e 'cafajestes' e diz que saber 'ver o lado ridículo da minha pessoa' o ajuda a manter o tesão e a vitalidade

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O publicitário Washington Olivetto

O publicitário Washington Olivetto Karime Xavier/Folhapress

Washington Olivetto saiu do Brasil mas o Brasil não sai de dentro dele. O publicitário, que há um ano vive em Londres com a mulher, Patrícia, e os filhos gêmeos Antônia e Theo, de 15 anos, mantém um apartamento no Rio e está nesta semana em São Paulo.

Veio cumprir algumas missões: além de ir ao Itaquerão e jantar no restaurante Rodeio, como faz há décadas, ele acompanha os preparativos da festa de debutante da filha —e lança (mais) um livro sobre a sua vida. 

“Direto de Washington - Edição Extraordinária” vai contar as histórias que o publicitário, o mais premiado do Brasil, ocultou na primeira autobiografia, lançada há um ano. Apesar do curto intervalo, acabou convencido pelo editor Pascoal Soto a publicar a sequência de suas aventuras.

“O primeiro capítulo tem uma história dramática”, diz ele no restaurante, folheando o livro ao mesmo tempo em que pede um gim-tônica e, para jantar, um meio bife de tira com dois ovos pochés e mostarda. “Eu tinha 5 anos quando tive uma febre muito alta. Fiquei um ano sem poder andar.”

Não que a febre o impedisse. É que a tia dele, Lígia, trabalhava no Samdu, o Serviço de Assistência Médica Domiciliar (quando as ambulâncias apareciam, relatam os mais velhos, as crianças corriam atrás delas para descobrir onde estacionariam e voltavam correndo para contar aos pais). 

 

Depois de consultar diversos médicos e sem um diagnóstico preciso, a tia Lígia concluiu: o sobrinho poderia ter paralisia infantil.

Tratamento: um ano na cama, imobilizado, para afastar o risco de ter alguma distensão que o fragilizaria ainda mais quando a doença se manifestasse. 

Duas vezes por dia, a avó dele, Judith, ou a tia Lígia cobriam as pernas do garoto com cobertores molhados com água fervendo. “Ostinho”, como chamava a avó no diminutivo, fazia exercícios —mas sem tocar os pés no chão.

Como a irmã dele, Ivani, era recém-nascida, “Ostinho” teve que sair da casa dos pais, na City Lapa, e morar com a tia Lígia e o tio Armando no bairro da Aclimação. (Lígia era “alucinada pelo até então único sobrinho”. Armando era louco pelo Corinthians e “consagrou o meu fanatismo”, diz Olivetto. Casal mais bem-sucedido da família de classe média, o levavam para programas de “menino rico” como cortar o cabelo no Mappin e jantar no Gigetto).

A doença, graças a Deus, nunca se manifestou. “Depois de dez meses perceberam que eu estava muito bem”, afirma. Liberado, teve que reaprender a andar.

Lado bom de tudo isso: começou a ler e a escrever muito antes que todos os garotos da sua idade. 

Passou a devorar livros, de Monteiro Lobato (“todos”) a Scott Fitzgerald. E sua bíblia: “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J.D.Salinger. “Isso fez com que eu entendesse profundamente de qualquer assunto por 15 minutos”, diz, rindo.

O confinamento acentuou um traço: “Cresço nos momentos de dificuldade. A vida costuma ser generosa comigo, mas de vez em quando me prega peças e me sacaneia de verdade”. Cita o sequestro que sofreu, em 2002. Ficou 53 dias num cativeiro de 1m por 2,5m. “Não pipoquei.”

Olivetto diz que a opção pela publicidade também tem origem na saga de infância. Ao ler, começou a gostar de escrever. “Queria fazer textos para jornais, revistas, rádios, TV, cinema.” Em casa, via o pai criar a família como “brilhante” vendedor de pincéis da Fábrica de Papéis Tigre. “Eu queria escrever e vender, mas também queria vender e escrever. Onde essas coisas se juntavam? Na criação de publicidade.”

O pai dele se chamava Wilson. Mas foi registrado como Virso porque o avô, “caipira de Piracicaba”, falou o nome no cartório com o sotaque característico da região.

Quando tinha 40 anos, Virso, ou Wilson, decidiu estudar “porque tinha certo complexo por não ser doutor”. Se formou em direito e largou tudo “para virar um advogado que não ganhava nada”, recorda Olivetto. “Todo mundo nasce para fazer uma coisa bem feita. Poucos têm a felicidade de descobrir”, diz o publicitário.

Ele teve. “A verdade é a seguinte: da minha geração, indubitavelmente eu sou o publicitário que mais queria ser publicitário. Eu já tinha lido Maiakóvski. Sabia que a revolução política não aconteceria sem a revolução social.” Os outros, diz Olivetto, “tinham culpa de se envolver com o capitalismo”.

Ele conta que, em 1969, passou no vestibular e, convencido pela tia Lígia, fez duas faculdades: Psicologia na USP e Comunicação na FAAP. Ganhou um fusca 67 do pai. Logo trocado por um Karmann-Ghia vermelho que a tia Lígia deu para ele.

Mas aquele negócio de viver de mesada do papai e da titia “começou a me atormentar”.

Quebrava a cabeça para descobrir como entrar no mercado. Até que a sorte soprou. “Não vou repetir a história do pneu do meu carro que furou na frente de uma agência de publicidade porque é algo que não aguento mais contar e acho que ninguém aguenta mais ouvir”, diz ele no livro —para logo repetir.

O pneu estava no chão e ele bateu na porta da tal agência, a HGP. Anunciou que o dono, Juvenal Azevedo, estava em seu dia de sorte por conhecê-lo. Agradou —e foi contratado para um estágio. A partir daí, a história é conhecida. Foi trabalhar na DPZ, montou a própria agência, a W/Brasil, se associou à McCann, ganhou centenas de prêmios. Hoje é consultor da empresa em Londres.

“Um dos motivos do meu sucesso foi ter sido um cara que não mudou muito de emprego”, afirma. Ficou 14 anos na DPZ. Em 1986, fundou a W/Brasil, imortalizada na canção de Jorge Ben Jor.

“Ah, tem os momentos cafajestes também”, diz ele sobre os “causos” que relata no livro.

Ele já era um jovem e promissor publicitário da agência Casabranca, nos anos 1970, e frequentava um bar chamado Deck. “Me dá até vergonha de contar”, escreve. “Ou não.” É o seguinte: toda vez que Olivetto ou algum dos colegas saía com uma moça, ia no Deck. Os outros se sentavam em mesas vizinhas, fingiam não conhecer o amigo —e davam nota para a beleza da jovem. Quem ganhasse em determinado período, por sair com a moça considerada mais bonita, tinha um mês de bebidas pagas pelos demais.

“O Washington nunca ganhou”, interrompe Pascoal. “Não, não é bem isso!”, corrige Olivetto. “Eu nunca fui é recordista.”

Eles também gostavam de entrar na sala lotada das sessões de cinema de “Um Estranho no Ninho”, com Jack Nicholson, gritar que o personagem do índio mudo fala no final —e sair correndo.

No livro, Washington conta histórias dos anúncios que criou, e lembra do primeiro que foi censurado, nos anos 1970. Era a publicidade de um curso. Mostrava um homem numa mesa de sinuca, barba por fazer. “Em vez de ficar coçando, venha estudar.” “Era uma abreviatura de ‘coçando o saco’ e acabou proibido. Ninguém escrevia essas coisas nos jornais.”

Lembra que fez o primeiro anúncio do absorvente OB e que os censores queriam tirar as revistas da banca por causa da palavra “menstruação”. E lá se vão quase 50 anos.

Olivetto começou a carreira “com jornais e revistas muito prósperos e no início da exuberância da televisão”.

A internet surgiu, avassaladora. Mas o publicitário diz que foi, para ele, “absolutamente natural. Sou da internet bem antes de ela existir”. Garoto, comprava os principais jornais de São Paulo nas bancas, de madrugada, para ler antes de dormir.

Ele vai estrear um programa no YouTube até o fim do ano, o “Alô, Alô, W/Londres”. “Antes que façam a piada, eu mesmo digo: sou um dos primeiros youtubers seniores do mundo”, ri.

“É preciso levar tudo a sério, mas rir de si próprio”, diz. “Eu sempre soube ver o lado ridículo da minha pessoa. Exigi que me levassem a sério, mas não me levar a sério me manteve com a mesma vitalidade e o mesmo tesão da época em que eu comecei.”

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