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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Ter estilo é ridículo', diz designer francês Philippe Starck

Um dos maiores nomes do design no mundo, ele diz que, sombrio, só sentiu felicidade uma vez e prevê que será livre apenas no dia em que morrer

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Philippe Starck nas obras da Cidade Matarazzo, em São Paulo

Philippe Starck nas obras da Cidade Matarazzo, em São Paulo Karime Xavier/Folhapress

“Sou um pouco especial. Acho que algum médico poderia dizer que sou autista. Não muito, mas um pouco”, diz o designer francês Philippe Starck.

“Era muito perdido quando jovem. E ainda sou. Aos 18 anos, me vi na beirada de uma janela prestes a pular, porque ninguém falava comigo, ninguém me via. Era invisível”, segue. “Durante uns dois anos eu não conseguia sair do meu quarto. E aí pensei: ‘Tenho duas alternativas. Ou faço alguma coisa, ou eu morro’. E não sou do tipo que não faz. Eu vou lá e faço.”

Starck conta que ficou empenhado em encontrar uma maneira de se tornar visível aos outros. “Percebi que a única coisa que eu tinha visto na minha vida era o meu pai criando aviões e novas invenções”, diz ele, que é filho de um engenheiro aeronáutico. “Por isso, vi que tinha que criar. Tinha que me tornar uma máquina de criação”, completa.

“Imagina nos desenhos animados quando uma pessoa está se afogando e começa a tentar alcançar a superfície. Quando ela consegue, fica respirando ‘ah, ah, ah’ [imita sons ofegantes]. Eu fiz a mesma coisa. Trabalhei muito para tentar sobreviver e existir. E continuo a ‘ah, ah, ah’. Sou claustrofóbico. Busco ar para sobreviver.”

Aos 70 anos, ele é reconhecido mundialmente como um dos maiores nomes do design. Lista em seu site oficial cerca de 10 mil criações —realizadas ou que estão por vir— que variam de um espremedor de limões e perfumes até um iate de luxo que foi encomendado pelo fundador da Apple Steve Jobs

Starck nega que tenha algum estilo —“ter estilo é ridículo”— e diz que o que ele detém é uma lógica que é aplicada em todas as situações. “Um músico trabalha com notas. Você trabalha com a palavra. E eu, com tudo o que posso encontrar.”

“Meu vício [pelo trabalho] está no nível mais alto. Não tenho paciência para outras coisas. Por que eu perderia uma hora do dia jogando cartas, quando posso desenhar um prédio, um foguete, uma bicicleta?”. 

Para Starck, não existe vida fora do trabalho. “O lado ruim disso é que sou completamente ausente de todo o resto. Não sei nada sobre a vida real, eu só sonho”, diz ele. “Eu não tenho vida. O que significa que não tenho prazer na vida, isso não é pra mim”, segue.

Ele diz que vive recluso em sua casa, em Cascais, em Portugal, com sua mulher, Jasmine Starck, com quem é casado desde 2007, e sua filha Justice, de oito anos. 

“Vivemos completamente longe de tudo. Não saímos para jantar nunca. Não vamos almoçar, não vemos nossos amigos e nunca vamos ao cinema. E, estranhamente, eu sei que vou ser assim até o fim, porque tenho esse compromisso [com o trabalho]”, diz. 

Starck interrompe e pede que a fotógrafa, que acompanhava o bate-papo, mude de lugar. Ela estava em seu campo de visão e isso o distraía. “Desculpe, me desconcentro muito facilmente”, explicou. Ao seu lado estava sentada Jasmine, a quem recorria sempre que lhe faltavam as palavras em inglês.

“Onde eu estava? Ah!”. Ele conta que acorda todos os dias às 7h e “cria, cria, cria”. “Faço coisas complicadas, sou incrivelmente um bom engenheiro. Mas é estranho porque não sou inteligente. Eu sei de tudo, mas não sei como eu sei.”

Apesar de não saber explicar como consegue elaborar seus projetos, Starck tem em mente o propósito de “servir a comunidade”. “Acho que todas as pessoas são obrigadas a fazer isso. Mas ninguém é obrigado a ser um gênio. Definitivamente eu não sou um gênio, sou um trabalhador.” 

Ele atribui o sucesso ao “extremo rigor” que diz ter “com tudo” em seu processo de produção. No entanto, admite que nunca foi uma pessoa ambiciosa e afirma que não tinha um objetivo na vida. Fez o que fez “para sobreviver”. “Se tivesse ambição, acho que teria feito algo melhor”, segue.

Starck estava em SP acompanhando as obras do complexo Cidade Matarazzo, que está sendo construído no antigo hospital Matarazzo, próximo à avenida Paulista.

Previsto para inaugurar em 2020, o empreendimento tem 135 mil m² de área construída em cerca de 27 mil m² de terreno. Ele terá centro de convenções, capela, centro cultural, estúdio de música, centro de exibições de arte, espaço para restaurantes e lojas, campus dedicado à tecnologia criativa e uma torre com apartamentos à venda e suítes administrados pela cadeia hoteleira de luxo Rosewood. 

Starck será responsável pelo design de interiores da torre, que tem projeto do arquiteto Jean Nouvel. A Cidade Matarazzo foi idealizada pelo empreendedor Alexandre Allard.

“Um prédio não é só feito de pedras, alumínio e vidro. É feito de energia, com amor e humanidade que são injetados nele. E esse lugar vai ser um sucesso.” 

Antes de alçar fama, Starck chamou a atenção, aos 19 anos, com um projeto de uma casa inflável. Pouco tempo depois, foi convidado pelo então presidente da França François Mitterrand para decorar seus aposentos no Palácio do Eliseu. 

“É fácil satisfazer um grupo de cem pessoas ricas e bonitas que querem um sofá de 1 milhão de dólares. Mas isso é nojento. Eu tenho um nome para pessoas assim”, afirma, em tom sarcástico. “É muito mais complicado satisfazer 1 milhão de pessoas com um produto que custe um 1 dólar.”

“Quero falar com todos”, segue. “Se tiver que escolher [entre um ou outro], escolho os pobres”. Mas afirma que não precisa chegar a esse ponto, porque uma coisa não anula a outra. “Posso perder tempo quando trabalho para os ricos, porque uso esse tempo como um experimento teórico avançado que depois aplico para os produtos do dia a dia.”

E isso, segundo ele, significa que é comunista. Não um “comunista soviético”, mas um “comunista cristão”. “Pelo que me lembro, cristianismo significa não matar as pessoas, não transar com a mulher do amigo. E servir e compartilhar o que você tem”. Lamenta que o “protótipo do comunismo” tenha falhado e que as pessoas não tentaram novas soluções. “Nós continuamos a ajudar a estupidez do capitalismo que venceu o mundo.”

Para Starck, tudo é político, inclusive o design. “[O ato de] comprar alguma coisa já é político. E tudo que você faz, quando é um produtor, acaba ficando ainda mais. Porque você é o responsável e milhões de pessoas vão receber uma mensagem.” 

Uma pessoa que é populista ou fascista, ele diz, poderia transmitir essas ideias por meio de suas criações. “Não sou fascista. E não quero criar objetos que tornem as pessoas fascistas”, completa.

“Há uns 20 anos, todos os designers tinham que ser jovens sexy que tomam coquetéis. E eles produziam coisas que não tinham nenhuma mensagem, nenhuma visão. Era muito ruim”, diz. “Agora, até as pessoas mais superficiais entenderam o que eu venho dizendo há um tempo: é preciso ser político. Lutem, lutem, lutem. Seja por motivos ecológicos, sociais ou de gênero.” 

Jasmine avisa que a conversa teria que ser encerrada em cinco minutos. Eles não usam aliança, diz Starck, porque “você sempre pode colocar um anel na cabeceira quando estiver com o seu amante”. E aponta para o seu braço: “Assim é mais difícil”. Levanta a camiseta de manga comprida preta e mostra uma tatuagem que ele e Jasmine fizeram juntos: cada pontinho preto preenchido simboliza um ano em que passaram juntos; o traço indica o nascimento de Justice.

Ele também é pai de Ara, Lago, Oa e K. Os nomes vieram de uma ideia com sua ex-mulher de criar a partir de combinações de letras no computador. Segundo ele, chegaram a cerca de 20 mil opções até reduzir aos quatro escolhidos. 

E é com uma de suas filhas que Starck disse ter sentido pela primeira —e única vez— o que é felicidade. Ele conta que há uns 40 anos estava dirigindo em uma estrada, com a criança de dois anos no banco de trás, ouvindo música jamaicana. “Tinha uma energia muito boa. E, de repente, flash! Eu senti uma coisa diferente por um mini segundo. E, rapidamente, passou. Acho que era felicidade”, diz.

“Nunca tive depressão porque não sei o que é a felicidade. As pessoas sempre se dizem felizes. Ou elas nunca tiveram esse flash ou elas vivem em um estado permanente de ‘uau’. Não sou depressivo, sou apenas sombrio [risos]. Horrivelmente sombrio”, afirma.

“Sou escravo da mulher que eu amo. Da minha família, dos meus amigos. Das pessoas que apreciam o meu trabalho. Então não me sinto livre. O único momento em que serei livre, será quando eu morrer”, diz.

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