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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Meu desejo é desejar nada além do que preciso', diz atriz Maria Fernanda Cândido

Aos 45 anos, atriz reflete sobre o que já viveu e planeja novos passos após roubar a cena em Cannes

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A atriz Maria Fernanda Cândido

A atriz Maria Fernanda Cândido Lucas Seixas/Folhapress

A atriz Maria Fernanda Cândido havia alertado logo no início da sessão de fotos que estampam esta página: “Eu adoro isso, então se vocês não disserem ‘chega’, eu não vou parar”. Mas, após uma série de sorrisos para a câmera, se entediou por um instante.

“Vamos fazer uma coisa diferente”, ela avisou. Levou as mãos até os pés. Os cabelos cacheados despencaram pela gravidade. E, nessa posição, ficou por cerca de 30 segundos.

Quando retornou à vertical, descartou ajeitar qualquer fio para posar com naturalidade. “Eu gosto da lente. Não tem a ver com a moda. Tem mais a ver com a objetiva. Gosto de fotografia, de fotografar. Gosto de fotógrafos, de diretores de cinema”, afirma.

A segurança é marca da atriz, que gesticula muito e pouco altera o tom de voz. Neste ano, chegou aos 45 olhando para trás para, então, decidir os próximos passos.

“Muitas vezes, num determinado momento, eu não parava para refletir ou me questionar. De repente, esta fase da vida te permite já, de certa maneira, fazer uma parada e se perguntar: ‘O que eu já fiz até agora?’”

Bem, Maria Fernanda alcançou o sucesso no cinema, nas telenovelas e nos palcos de teatro. No Brasil e na Europa. 

É empresária, mãe de dois meninos, de 11 e 13 anos, e reveza-se entre São Paulo e Paris, cidade onde nasceu o seu marido, o empresário Petrit Spahira, 45. Os dois estão casados desde 2005.

“Você, às vezes, vai simplesmente cumprindo tarefas e respondendo a todas essas exigências. E segue nessa trajetória de maneira até automática, sem parar para pensar”, continua ela.

Com cenas gravadas na França, o recém-lançado filme “O Incerto Lugar do Desejo”, estrelado por ela no papel de Ana Thereza —e que ainda conta com participações de nomes como os dos filósofos Luiz Felipe Pondé e Clóvis de Barros Filho, da artista Marilu Beer e da consultora Costanza Pascolato—, fala da inquietação feminina.

A personagem é uma mulher casada que, durante uma temporada de pós-doutorado em Paris, apaixona-se.

“A mulher responde a várias instituições: casamento, maternidade, trabalho, etc. É um assunto muito discutido atualmente. Então, a gente quer entender. Como as mulheres hoje conseguem transitar e lidar com todas essas questões, com essa complexidade de papeis, exigências e cobranças?”

“E, nessa complexidade, onde fica o desejo? Se é que ele tem lugar. O quanto é possível você dialogar com os seus próprios desejos dentro dessa complexidade?”

A atriz, com frequência, precisa abrir mão da convivência com os filhos, por mais que deseje estar com os dois. “Eles entendem que faz parte do processo da família, do nosso cotidiano. A mãe deles tem sempre que viajar, mas para mim isso é um pouco difícil.”

“É um pouco sofrido. Eu sinto. Eu sou muito...não sei explicar. Eu gosto de ficar com eles, gosto de ficar perto [nesse momento, fecha os punhos e envolve os braços em si mesma, como quem quisesse abraçar os meninos]. E eu viajo muito, então é um esforço”, explica.

Viajou pela Itália nos últimos tempos para gravar o drama “O Traidor”, dirigido por Marco Bellocchio —da geração clássica de cineastas italianos. Neste ano, roubou a cena no tapete vermelho do Festival de Cannes por causa desse filme.

“A gente teve 13 minutos de aplausos. Me lembro que li isso. E foi mesmo, porque eu estava lá na hora (risos).”

Na plateia estavam nomes como Leonardo DiCaprio e Gael García Bernal.

Nas andanças da divulgação do longa, encontrou artistas italianos e teve o trabalho reconhecido por eles. “Eu estive recentemente com [a atriz] Gina Lollobrigida. Conheci, pude conversar. Estávamos na Sicília, no Teatro Antigo de Taormina, num prêmio que recebi por causa desse filme. E ela era a grande homenageada da noite”, recorda.

“A Gina é uma mulher que se tornou escultora da história de vida dela. Uma mulher de muita sensibilidade, de muita força, que me encantou. Acabou sendo um encontro muito inspirador para mim.”

Apesar do sucesso no exterior, volta os olhos para o cinema nacional. 

“Sinto um orgulho muito profundo atualmente. Comecei numa época em que o nosso cinema estava parado. Nos últimos 15, 20 anos, ele floresceu. Houve uma retomada, e hoje temos filmes incríveis.”

“Agora, estamos passando por um momento delicado em que a gente vai precisar ser realmente muito resiliente. A gente sempre fala muito de resistência, mas vamos usar a palavra resiliência para a gente poder atravessar. É só isso que eu penso (risos): em atravessar”, diz ela sobre os cortes no setor da Cultura e censuras impostas pelo governo de Jair Bolsonaro ao financiamento de filmes nacionais.

“Por outro lado, eu tenho uma boa dose de otimismo. Porque se você olhar as coisas com um pouco mais de distanciamento, nós estamos passando por um período muito necessário na nossa formação como povo brasileiro”, diz ela.

“Estão vindo à tona discussões muito importantes. Nós discutimos agora o racismo, algo que sempre existiu no nosso país, e que até há um tempo atrás, parecia que tinha, assim, um véu cor-de-rosa que cobria essas questões. Esse véu cor-de-rosa caiu.”

Refere-se ao momento vivido pela Educação com as mesmas expressões utilizadas anteriormente: “Resiliência para atravessar”. 

Há 15 anos, faz parte do grupo de oito sócios em São Paulo da Casa do Saber, um centro de estudos, aulas e palestras.

“Sabe como isso começou? Com vinho e filosofia”, adianta. “Éramos um grupo que se reunia para estudar em casa —muitas vezes, na minha— e tínhamos um professor que nos acompanhava. E, junto com essas reuniões, nós fazíamos também os saraus, que eram os chamados ‘saraus etílicos’.”

“Todo mundo queria participar dessas reuniões. Começamos com umas 20 pessoas, mas aí cada um dos 20 levava mais três ou quatro amigos. “Será que eu posso levar quatro amigos, cinco amigos?” Então, de 20, virava um negócio enorme, sempre lotado. Aí meu apartamento começou a ficar pequeno.” 

Hoje em dia, vive no mesmo imóvel. Mas a sala não recebe mais aqueles 60 entusiastas de vinho e saraus culturais. “Agora ela é ocupada por meus filhos e meu marido. E tem teclado, bateria e violão também. Então a gente pode fazer o nosso sarau.”

Diz perceber o crescimento dos filhos, que “já não são mais tão dependentes” dela, “começam a ter vida própria, vontade própria e vida social”. Ao mesmo tempo em que deseja ter a maior convivência possível com eles, sabe que, logo ali na frente, abrirá mão disso outra vez para um novo filme, uma nova peça ou um novo papel na televisão. É uma questão de equilíbrio.

“Às vezes [sente-se sozinha] um pouco, mas não sempre. Porque quando você está no meio de uma peça, por exemplo, você tem os colegas com quem está contracenando. Então o trabalho te preenche muito.”

Ela encerra a conversa revelando que espaço destina em sua vida ao desejo. “Meu desejo, hoje, é que eu possa estar conectada comigo mesma. Eu sinto o mundo hoje muito acelerado. É um período em que há um consumismo exagerado, uma época em que as coisas são muito descartáveis.”

“Tudo isso te coloca numa forma de vida que às vezes não é a que você idealiza. Então, meu desejo é que eu consiga, de fato, desejar nada, mas nada além do que eu realmente preciso. Meu desejo é desejar só aquilo que eu preciso.”

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