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'Parece que o Brasil azedou', diz cineasta bolsonarista Josias Teófilo

Pernambucano usa astrologia para conhecer mulheres, se prepara para lançar filme e diz que amigo Roberto Alvim 'errou' em atacar Fernanda Montenegro

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O diretor Josias Teófilo e o busto de Olavo de Carvalho, em sua casa em São Paulo

O diretor Josias Teófilo e o busto de Olavo de Carvalho, em sua casa em São Paulo Karime Xavier/Folhapress

São Paulo

“Depois que aprendi a ler o mapa astral, nunca mais beijei uma mulher sem ler o mapa dela”, diz o cineasta Josias Teófilo. “Eu já tenho aqui [um aplicativo no celular]. Usar só o signo [para definir alguém] é muito pouco. É como dizer que o sujeito é brasileiro, alemão. Tem tanta coisa dentro disso”, segue ele, enquanto sai do elevador e abre a porta de seu apartamento em São Paulo. 

“Sou solteiro, né? E saber de signo ajuda que é uma beleza”, afirma o cineasta de 32 anos. “Sou aluno de um astrólogo, por isso eu sei dessas coisas”, segue. Virginiano com ascendente em Escorpião e Lua em Libra, o pernambucano é aluno e amigo do escritor e ideólogo conservador Olavo de Carvalho, guru de Jair Bolsonaro. 

Em um móvel em sua sala, guarda a coleção de 13 isqueiros que ganhou de Olavo. Além dela, tem um busto do escritor apoiado sobre uma estante. Diz que, certa vez, mentiu sobre quem estava retratado na obra para uma mulher que tinha levado para sua casa. “Logo de cara, ela perguntou de quem era. E falei ‘é [o compositor] Jean Sibelius’, para não assustar a menina tão rápido. Você tem que soltar aos poucos as informações”, diz, rindo.

Além de olavista, Teófilo é de direita, conservador, católico e monarquista —ele expõe em um dos cômodos uma bandeira que exalta a monarquia. “Aliás, isso é uma saída também com as jovens, quando chega a fatídica pergunta sobre em quem eu votei nas eleições. Respondo: ‘Primeiro, por mim não existiria nem república no Brasil’. Dá para se salvar”, diz ele —que, claro, votou em Bolsonaro.

Em 2017, lançou um documentário que dirigiu centrado na figura de Olavo, “O Jardim das Aflições”. O filme chegou a ser exibido no hotel de Donald Trump em Washington. Steve Bannon, ex-estrategista do presidente republicano, esteve entre os convidados.

 

A obra causou celeuma no setor quando foi lançada. Em Pernambuco, cineastas chegaram a retirar seus filmes da programação do festival Cine PE, em protesto contra o que consideraram “um discurso partidário alinhado à direita na escolha dos filmes”. Além de “O Jardim”, também estava na seleção o longa “Real - O Plano por trás da História”, sobre o programa econômico de Fernando Henrique Cardoso. 

“Isso promoveu [“O Jardim”] de uma forma espetacular. Eles foram meus assessores de imprensa!”, exclama. Conta que chegou a inscrever o filme em diversos festivais do país, mas só foi aceito nesse. “Não sei se é censura, mas é uma patrulha ideológica.” 

Em outra ocasião, a exibição do filme na Universidade Federal de Pernambuco, em outubro de 2017, terminou em pancadaria —militantes de esquerda e de direita entraram em confronto. “É o filme mais controverso da história do cinema brasileiro, né?”, diz.

Afirma ter receio de que a mesma controvérsia se repita com o seu segundo longa-metragem, “Nem Tudo se Desfaz”, que deve ser finalizado até o fim deste ano. 

Teófilo descreve a obra como “um documentário ensaístico sobre os desdobramentos culturais e políticos das Jornadas de Junho de 2013, que culminaram na eleição de Jair Bolsonaro a presidente da República”. Ele também vai lançar um livro com a mesma temática.

Em julho, Bolsonaro tuitou que havia sugerido à Ancine (Agência Nacional do Cinema) que revertesse a autorização dada a Teófilo para captar R$ 530 mil. “Por coerência sugeri que voltassem atrás nessa questão. Não concordamos com o uso de dinheiro público também para estes fins”, escreveu o presidente.

“Estava sentado nesta mesa quando o assessor [de Bolsonaro] me ligou. Ele me disse que estava pegando muito mal essa história e que era para eu desistir da captação e fazer um crowdfunding. Eu disse que não ia voltar atrás, porque não tinha feito nada de errado.”

“Pensei que o meu filme ia para o brejo depois das declarações do presidente. Achei que todos os patrocinadores iam cair fora”, diz. Chegou a ligar para a mulher de Olavo, Roxane, para pedir um “quartinho por lá”. 

“Mas, de lá para cá, acho que mudou a compreensão do governo sobre o setor. Tanto que recuaram da ideia de acabar com a Ancine. E acho que terminou dando tudo certo: ganhei publicidade e acabamos nos descolando do presidente. Muita gente achava que era um filme governista, e não é.”

Segundo ele, a obra reúne depoimentos de nomes como Olavo, Bannon, Eduardo Bolsonaro, Idelber Avelar, Pedro Sette-Câmara e João Cezar de Castro Rocha. “Tem gente de direita e de esquerda, mas não quis fazer um panorama ideológico porque isso é ridículo.”

 

No geral, acredita que Bolsonaro está fazendo um grande trabalho à frente do país, principalmente com a escolha de seus ministros. Mas critica as rixas internas do PSL que tomaram conta do noticiário nesta semana.

“Se fosse para fazer um filme sobre a situação atual do Brasil, eu iria falar que é um governo da crise constante e ininterrupta”, diz. “Tá uma loucura. É uma coisa assustadora de vazamentos, de traições constantes. Acho que estamos em uma crise mimética mesmo. Uma crise profunda no país que não sabemos onde vai parar.”

Ele critica a polarização política. E afirma que sofre ameaças de morte e de agressões —tanto nas redes sociais quanto nas ruas. “Esses dias um cara falou no meu Facebook ‘Josias, presta atenção que tem muita bala perdida, viu? Você vai sofrer um acidente em breve’. As pessoas estão muito loucas, né?”

Ele conta que os ataques virtuais já chegaram a fazer sua mãe adoecer. “Mas ela também fica muito orgulhosa. Diz que sou o filho que mais dá orgulho a ela”. Teófilo tem seis irmãos.

“Parece que o Brasil azedou”, diz, emendando que considera deixar o país por conta do “clima desagradável” de tensões. Ele afirma que tem muitos amigos de esquerda e que gosta de conviver com pessoas que pensam completamente diferente. “Uma hora vamos ter que sentar, debater e nos entendermos. Porque, senão, vai ter uma guerra civil. A situação do país pode chegar a uma ruptura institucional.”

Ao longo da conversa, faz duras críticas ao conterrâneo e ex-amigo Kleber Mendonça Filho. Ele conta que chegou a trabalhar com o cineasta em “O Som ao Redor”. Mas, com o passar do tempo, e por conta de seu posicionamento político, acabaram rompendo.

“Cheguei a filmar uma cena [em “O Som ao Redor”], mas meu personagem foi cortado porque o filme ficou muito grande [risos]. Tá vendo como as coisas mudam? Ainda bem para ele que eu não apareço”, segue. E diz que esse personagem acabou sendo “reativado” em outro filme de Kleber, “Aquarius”. “Sabe aquele menininho que ouve música e que tem uma namoradinha? Era eu. Só não entendi de onde ele tirou essa ideia de falar da Maria Bethânia [risos].”

“Eu falava que era de direita, mas acho que entrava por um ouvido e saía pelo outro.” Ele diz que ficou no “armário” com suas posições políticas por um bom tempo. “Pensava que, enquanto eu não tivesse uma obra autoral, não ia dar pitaco no que acontecia no mundo no geral. Porque as pessoas iam falar ‘quem é esse cara para falar isso?’. Então, quando lancei o meu livro [‘O Cinema Sonhado’, em 2013], comecei a criticar o PT publicamente.”

Teófilo critica o tratamento dado à cultura pelo governo federal. E diz que sua “esperança” é o trabalho de seu amigo Roberto Alvim, que dirige o Centro de Artes Cênicas da Funarte. “Espero que ele seja um marco na cultura deste governo. Acho que o presidente deveria dar mais espaço a ele.”

Por outro lado, repreende Alvim pelos ataques contra Fernanda Montenegro. “Ele usou muito mal as palavras, de fato errou. Acho que temos que ter muito cuidado em como nos posicionamos neste contexto de tanta polarização.” Quando questionado sobre a possibilidade de aceitar um cargo no governo, diz que não. Mas desconversa quando lhe é perguntado se já lhe foi oferecida alguma posição. “É melhor não falar disso [risos].” 

Diz que tem como ambição fazer “grandes filmes a partir de critérios estéticos, não políticos”. “O artista pode se manifestar politicamente, mas não deve ser isso o que o caracteriza. A produção recente [audiovisual] no país é um vexame. Por isso você vê as pessoas ficando putas porque estão dando dinheiro para esses filmes. Se eles fossem bons, as pessoas não ficariam [bravas].”

“Existe um exagero da influência da política [nas artes]. As pessoas só querem analisar o discurso e o que ele produz. E isso acontece tanto na direita quanto na esquerda. As pessoas exageram o papel da arte, como se ela pudesse mudar o mundo. Mas a arte não muda o mundo. Ela muda no máximo a si própria.”

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