Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Estou adorando essa história de estar vivo até hoje', diz Lô Borges

Aos 68 anos, músico se diz um sobrevivente dos anos 1970, quando tomava LSD quase todo dia, e fala de briga judicial envolvendo foto do álbum 'Clube da Esquina'

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Retrato do músico Lô Borges no hotel Novotel Jaraguá São Paulo, localizado no centro da capital paulista

No saguão de um hotel no centro de São Paulo, Lô Borges caminha de um lado para o outro numa linha reta imaginária. Cantarola uma canção que planeja gravar em 2021, apesar de ter acabado de lançar seu novo álbum, “Dínamo”, na sexta-feira (6).

“Essa minha fase agora é parecida com a gênesis. Resolvi voltar a compor como quando tinha 20 anos de idade”, conta ele, hoje com 68 anos. “Posso pegar um texto de uma bula de remédio e musicar.”

A efervescência criativa relatada por Lô se contrapõe à ressaca que o abraçou nas décadas seguintes ao lançamento do clássico “Clube da Esquina”, que estrelou ao lado de Milton Nascimento, e de seu álbum sem título que ficou conhecido como o “disco do tênis”, ambos de 1972.

“Saí do ‘disco do tênis’ totalmente magro, anoréxico, drogado. Eu tinha que fazer uma música de manhã, a letra à tarde e a gravação, valendo para a eternidade, à noite. Foi no mesmo ano do ‘Clube da Esquina’. Para um cara que era pouco mais que um adolescente, foi muita carga.”

A experiência abrasiva resultou em um divórcio de seis anos com a música. Nesse meio tempo, o músico mineiro viajou Brasil afora e teve uma breve passagem pela aldeia hippie de Arembepe, na Bahia.

“Eu usava pulseirinha de miçanga e brinco, todo aquele estereótipo. Ouvia Jimi Hendrix e Janis Joplin”, relembra.

“Eu sou um sobrevivente dos anos 1970. Quando fiz o ‘Clube da Esquina’ e o 'disco do tênis', eu tomava LSD quase todos os dias. Eu me sentia tão oprimido pela ditadura que minhas viagens eram todas interiores, era fazer música.”

É com um misto de graça por suas façanhas e indignação que o músico comenta como era a vida sob a ditadura militar que comandou o país entre os anos de 1964 e 1985. “Eu era o menino da rua que gostava de ficar tocando violão e fumando maconha. E correndo da polícia”, diz, entre risos.

“A ditadura militar conferia a qualquer autoritário [o direito de] ser mais autoritário ainda. Uma vez saí de casa para ver um eclipse vestindo um casaco vermelho da minha irmã, que gostava de usar o [perfume] Patchouli. Quando cheguei no bar para encontrar meus amigos, o Dops entrou e prendeu todo mundo.”

Lô, que havia acabado de chegar ao bar, entrou no balaio. “No camburão, um dos policiais falou: ‘Tô sentindo um cheiro de Patchouli aí, Patchouli é despiste de maconheiro. Chegando lá dentro, vai tomar um cacete’. Foi foda.”

Até agora, ele já participou de oito shows da turnê Clube da Esquina. Ela vem sendo realizada por Milton Nascimento há quase um ano em homenagem aos dois discos feitos pela dupla em parceria com Flávio Venturini, Beto Guedes, Márcio Borges, irmão de Lô, Fernando Brant, entre outros nomes.

Durante a passagem da turnê por São Paulo, em janeiro deste ano, Milton compartilhou com a plateia uma anedota sobre o início da amizade entre os dois. “O Lô era desse tamanhinho assim”, disse, indicando a altura com a mão direita. Milton lembrou que o convidou para ir a um bar. Pediu uma batida de limão e propôs a Lô, dez anos mais novo que ele, que tomasse uma Coca-Cola. “Quando pedi a batida, ele falou: ‘Também quero’.”

“Ele chegou e falou pra mim assim: ‘Bituca, eu gosto muito de você, do Marcim [Márcio Borges], de todo mundo, mas vocês não gostam de mim’, seguiu Milton. “Eu falei: ‘Lô, até a hora em que você pediu essa batida, eu achava que você era uma criança. Agora eu sei que você não é mais uma criança’. Nesse dia, a gente já fez uma música”, finalizou, arrebatando os espectadores com os versos de “Trem Azul”.

“Nem eu nem o Milton imaginaríamos, no melhor dos nossos sonhos, que estaríamos falando do 'Clube da Esquina' 50 anos depois que a gente fez”, diz Lô.

Em fevereiro deste ano, uma reportagem da Folha revelou que os meninos da capa do álbum —Antônio Carlos Rosa de Oliveira, o “Cacau”, e José Antônio Rimes, o “Tonho”— processam Milton, Lô e a gravadora EMI por danos morais e uso indevido da imagem. A dupla, que passou quatro décadas sem saber que figurava na capa do disco, pede R$ 500 mil na Justiça.

“As pessoas sempre acharam que aquela foto era o Milton e o Lô, e não era, eram dois meninos que hoje têm uns advogados querendo ganhar uma grana em cima [do ‘Clube da Esquina’]”, diz o cantor.

Ele replica o argumento de seus advogados de que, quando assinou o contrato com a gravadora, comprometeu-se a compor e fazer música —não a se responsabilizar pela produção, comercialização e autorizações.

Distante das redes sociais, ele admite não ter acompanhado a repercussão do caso. “As pessoas brigam o tempo todo, é uma coisa muito animosa”, diz. Mas o uso estritamente profissional das plataformas, nas quais não se posiciona politicamente, tem seus contras.

“De vez em quando aparece uns comentários ‘esses caras do Clube da Esquina são tudo bolsominions’”, diz, em referência ao apelido pejorativo atribuído aos apoiadores de Jair Bolsonaro.

“Eu não concordo com nada do que está acontecendo no Brasil hoje. Desde a primeira semana, é uma merda atrás da outra”, afirma. “É um povo muito ressentido com a campanha de 2018, na qual todo mundo se manifestou contra um governo que acabou se elegendo.”

Eleitor dos ex-presidentes Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), ele refuta a alcunha de petista. “Votei no Aécio [Neves, deputado federal] para governador de Minas, o que não significava estar votando na direita”, afirma.

Corta para 2010. Aécio Neves (PSDB-MG) deixava o cargo de governador para lançar-se como senador. No dia 31 de março daquele ano, ofereceu um almoço no Palácio das Mangabeiras, em Belo Horizonte, para a classe artística. Cantores, músicos, cineastas e escritores estavam entre os convidados.

“As leis de incentivo [para a cultura do governo Aécio] eram legais, democráticas. Não só para artista famoso, também para pobre”, fala sobre o apoio ao político à época.

Ao final da celebração, membros da equipe de Aécio, posicionados com câmera e microfone, pediam aos convidados que deixassem um registro. Nomes como Samuel Rosa, Fernanda Takai, Rogério Flausino, Maitê Proença, Ziraldo e o próprio Lô foram alguns dos que toparam.

“Essa festa foi uma arapuca”, diz Lô. De outubro de 2013 a janeiro de 2015, entre a candidatura de Aécio à Presidência e após sua derrota nas urnas, esses vídeos foram publicados a conta-gotas no canal do Youtube do ex-governador.

“Virou todo mundo coxinha, inclusive as pessoas de esquerda que estavam nessa festa”, diz, às gargalhadas. “Eu não satanizo o Aécio, mas a essa festa eu preferiria não ter ido.”

Ele é fã do rapper Djonga e da banda inglesa Arctic Monkeys —cujo vocalista, Alex Turner, afirmou ter usado “Aos Barões”, de sua autoria, como referência para o álbum “Tranquility Base Hotel & Casino”, de 2018.

Para o disco “Dínamo”, o mineiro conta que pretendeu trazer a leveza de quem agora quer “transformar todos os dias” de sua vida em música.

“Eu estou com 68 [anos]. Acho que os 70 podem ser uma coisa boa. Se tiver vida até lá, se ainda estiver fazendo música, certamente estarei feliz”, diz. “Eu tô adorando essa história de estar vivo até hoje.”

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