Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Vou aproveitar meus últimos 50 anos', diz Caçulinha, que completa 80

O músico, que tocou com Elis Regina, João Gilberto e se tornou popular no programa do Faustão chega aos 80 querendo viver muito mais

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O músico Caçulinha em seu apartamento em São Paulo

O músico Caçulinha em seu apartamento em São Paulo Karime Xavier/Folhapress

São Paulo

Caçulinha pega o berrante apoiado sobre o sofá da sala de seu apartamento. “Ganhei do Sérgio Reis”, conta o músico, referindo-se ao cantor sertanejo de quem é amigo. “Vocês não sabem o que eu fazia”, diz, andando em direção à janela. Ela é aberta. Entra o ar.

“Tem um ponto de táxi [na rua perto da casa dele]. E eu fazia [toca o berrante]. Soprava. O pessoal ficava tudo: ‘O que é isso?!’ [risos]. E eu: ‘Ô rapaziada!”, conta, divertindo-se.

A brincadeira, afirma ele, nunca gerou problema com os vizinhos do prédio, localizado no Jardim Paulista, bairro nobre de São Paulo. “Eu compenso eles. De vez em quando, pego e toco uma coisa bonita”, diz, já sentado ao piano eletrônico que ocupa um canto do recinto. “Às vezes vem vizinho aqui e eu falo: ‘Entra aí’”, emenda.

O berrante é apenas um dos regalos recebidos de amigos ilustres e que hoje ficam espalhados pelas cadeiras, paredes e prateleiras do imóvel, também enfeitadas por fotos em que Caçulinha aparece tocando com nomes como Ataulfo Alves, Elis Regina e Elza Soares.

Outros itens são um boneco do personagem Senninha, entregue a ele pelo ex-piloto Ayrton Senna, e o chapéu de Dominguinhos —“o maior músico do Brasil”, segundo Caçulinha. “Aquela Nossa Senhora da Aparecida foi o Daniel que me deu”, conta, apontando para a imagem que ganhou do cantor na gravação do DVD celebrando os 60 anos de carreira, em novembro de 2019.

Mais conhecido pelos 26 anos que tocou teclado no “Domingão do Faustão”, o acordeonista nascido em São Paulo que largou o Colégio São Luís na quarta série para se dedicar à música completa 80 anos de idade neste domingo (15).

“Agora não é mais aniversário, né? É adversário”, brinca ele. “É gostoso chegar até aqui tocando. Foi uma carreira bonita”.

“Tem gente que pergunta: ‘Você é aquele mesmo caçulinha que tocava na TV Record? Eu falo: ‘Sou!’ Fazer 80 anos é... a maior parte morre antes.” Diz que “gostaria de ser mais jovem, lógico, para ter tempo de fazer mais coisas ainda. A gente vai chegando numa idade em que não se arrisca mais, não quer mais fazer determinadas coisas. Nunca pensei que eu fosse ficar preguiçoso. E fiquei! De vez em quando eu fico [risos]. ‘Vamos a tal lugar? Acho que não’. Mas tá bom. A idade é aquilo que a gente vive de bom jeito.”

Ele vai comemorar suas oito décadas de vida saindo para almoçar com a família. “Nessa idade já não precisa de festa”, diz o músico, que não está tão preocupado com o novo coronavírus. “É tanta onda que a gente não sabe mais nada, como é que pega, que aparece. Estou fazendo o que mandam. Tem que tomar cuidado”, afirma.

Chamado Rubens Antônio da Silva, ele herdou o apelido Caçulinha da época em que se apresentou com o pai, substituindo o tio. “Eles formaram a primeira dupla caipira do Brasil: Mariano & Caçula. Caçula era o meu tio, que virou fazendeiro. Comecei a cantar com o meu pai aos dez anos”, lembra. “Fui fazendo coisas até ir estudar música, acordeom, num conservatório”, lembra o paulistano.

No piano, ele é autodidata. “Não sou concertista. Não sou solista. Me aperfeiçoei tocando piano eletrônico, teclado”, diz. “Aprendi tocando à noite, em boate. Pra não ficar em pé com o acordeom o tempo todo, falavam: ‘Senta no piano e descansa aqui tocando alguma coisa’. Foi assim”, lembra. “Se cair [com o acordeom], morre”, brinca. “[O instrumento] pesa uns 20 kg. Se tocar meia hora de pé, uns 30 kg. Por que você acha que eu sou baixinho [risos]?”

Caçulinha foi desligado do programa de Fausto Silva em 2009. “Ele quis mudar tudo, acabou com a música porque não dava audiência. Aí eu saí e fui fazer outra coisa”, diz. Depois, teve um quadro no programa até que, em 2014, foi demitido da emissora. Em 2015, foi para a TV Gazeta, onde integrou o “Todo Seu”, apresentado por Ronnie Von —e encerrado em 2019.

Ele diz ainda manter a amizade com Fausto Silva. “Não existe [briga]. Frequento a casa dele. Ele seguiu a vida dele e eu segui a minha”, afirma. “Até hoje tem gente que fala que eu tô no Faustão [risos]. ‘Te vi domingo!’ Fico quieto. Falo: ‘Talvez’.”

O músico ainda não tem previsão de voltar para a TV. “Vamos ver agora depois do Carnaval. Daqui a pouco pinta alguma coisa. Os ternos estão todos esperando [risos]!”.

Enquanto isso, segue uma rotina tranquila. Diariamente, almoça na casa da irmã, Vanda Cavalheiro, que mora perto. “Vou à padaria todos os dias tomar um café à tarde. Bato um papo. Às vezes à noite vou encontrar uns amigos pra lá na [doceria] Ofner da [avenida] Nove de Julho. Pra falar besteira, olhar a mulher dos outros [risos]. A vidinha tá boa.”

Ele é abordado na rua frequentemente. “Você não queira saber o que eu falo com gente que nunca vi na vida!”, conta. “Tem uma coisa que eu aprendi. A pessoa fala: ‘Lembra de mim?’ Eu falo: ‘Mais ou menos’. Ela: ‘Como você não se lembra de mim?’ Aí eu: ‘Se você que é você não sabe quem é você, como quer que eu saiba quem é você?’, diz, rindo.

“Me confundem de vez em quando com o [ex-árbitro] Arnaldo Cezar Coelho!”, diz.“[Uma vez] veio alguém e falou: ‘Arnaldo, fala pro Galvão [Bueno] deixar você falar!’. Respondi: ‘Vou falar!’ [risos]”, diz. “E os caras que pediam para eu mandar o Fausto calar a boca.‘Tá bom, aí eu perco o emprego! [risos].”

Caçulinha lembra da vez em que cantora Elis Regina o convenceu a pedir um aumento quando eles trabalhavam juntos no programa “O Fino da Bossa”, na Record. “Ela disse: ‘Você deveria ganhar muito mais, cara. Vamos pedir aumento pro Paulinho Machado de Carvalho [dono da emissora na época]. [Fomos lá] e ela falou: ‘Paulinho, precisa dar aumento pro Caçulinha. Ele tá ganhando muito mal’ O homem falou: ‘Tá certo. Vamos dar aumento’. Tava bom até aí.”

“Mas aí ela disse: ‘Se não der aumento, ele vai parar!’. Aí ele: ‘Pode parar!’ Falei: ‘Não, não vou parar nada!’. Desmenti ela [risos]. Quase perdi o emprego!. Saí de lá e fiquei quieto”, lembra. O aumento veio depois de um mês.

Caçulinha também trabalhou com João Gilberto. “Era amigo dele do tempo da [gravadora] Odeon, quando eu gravava com o Luiz Arruda Paes, maestro. Fui cumprimentar o João no estúdio e ele falou pra mim: ‘Rapaz, eu tava prestando a atenção na gravação. O seu som é muito bonito’. E eu: ‘Eu é que te admiro!’ Eu comprava LP do João Gilberto. Tinha que comprar, onde você ia aprender? Tinha que ser com ele!”

“Ele me chamou para tocar à noite, numa boate. Teclado e acordeom. Falou: ‘Você toca onde achar que cabe’. E eu fazia só as notinhas. Ele: ‘É isso o que eu quero!’ Deu certinho. Fizemos uma semana e ele queria me levar para o Japão [onde João se apresentou diversas vezes].”

Caçulinha prefere não falar de política. “O meu negócio é música”, diz. “Se você lidar com música, fica quieto na sua, não dá palpite onde você não sabe o que vai opinar. Pra que se meter onde não é chamado? Vai tocar piano, vai dar alegria pros outros. É o que faço. Me preocupo com coisa bonita”, diz. “Sabe o que eu quero? Ter sossego com aquilo que eu faço.”

“Nunca fui de defender alguma coisa do tipo ‘Quero assim porque tem que ser assim’. Não. Gosto de paz. Não quero encrenca”, diz ele, que não votou nas últimas eleições. “Não preciso mais [por conta da idade]. Agora [em 2020], vamos ver. Se acordar cedo, eu vou.”

Caçulinha mantém um relacionamento de “mais de 20 anos” com a produtora de figurino Maria da Paz, que vive no Rio. “É uma ‘namorida’, né? Ela vem pra cá, eu vou pra lá. Todo dia a gente fala por telefone, é gostoso”, diz. “No Rio eu tenho uma mulher e um carro. Aqui, eu tenho dois carros”, brinca ele, que é fã de automóveis e hoje dirige um Mini Cooper, mas já teve um New Bettle, uma Mercedes e um Chevy 2 que comprou de Chico Anísio.

Caçulinha brinca com a velhice. “Um amigo meu falou: ‘Não levanta a mão que eles estão puxando a ‘veiarada’ lá pra cima, hein?’ Falei: ‘Mas já tem piano, acordeom, violão. Tem todo mundo lá em cima! ‘Mas você não vai pra tocar. Vai pra fazer companhia [risos]”.

“Vai ter que encarar [a morte] um dia. Quando ele convocar, não tem escapatória. Por isso tem que fazer coisas boas aqui, pra dizer: ‘Foi legal’. Não adianta criar problema, criar caso”, diz. “Brinco: ‘Vou aproveitar esses últimos 50 anos’. Aí falam: ‘Você não vai durar tudo isso’. Eu: ‘Então quanto? ‘47’. Vai que duro mais três [risos].”

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