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Ex-ministros da Justiça criticam presos em contêineres para conter Covid-19

Proposta foi articulada pelo Ministério da Justiça durante gestão de Sergio Moro

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Uma carta assinada por ex-ministros da Justiça das gestões Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) e por oito ex-presidentes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) criticam a flexibilização de normas de arquitetura de prisões para abrigar detentos doentes e idosos em contêineres durante a crise da Covid-19.

A proposta foi articulada no mês de abril pelo Ministério da Justiça, quando ainda era encabeçado pelo ex-ministro Sergio Moro, e aguarda votação do CNPCP. Atualmente, apenas três dos 13 membros do conselho não foram indicados pela gestão de Moro.

"É fundamental que as autoridades constituídas reafirmem sua postura de respeito aos ditames do Estado democrático de Direito e ao princípio universal de dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil", diz a nota assinada pelos ex-ministros Eugênio Aragão, José Carlos Dias, José Eduardo Cardozo, Miguel Reale Júnior, Tarso Genro e Torquarto Jardim.

"Nada pode justificar o tratamento de indivíduos em condições subumanas e de precariedade em níveis medievais", segue o texto.

Críticos da proposta afirmam que ela contraria resoluções anteriores aprovadas pelo órgão. Em 2009, o uso de contêineres como celas no Espírito Santo motivou o CNPCP a solicitar à PGR (Procuradoria-Geral da República) um pedido de intervenção federal.

Entidades e defensorias públicas que já se manifestaram publicamente afirmam que eles não proporcionam ventilação adequada, água corrente acessível em tempo integral e a delimitação de distância mínima de um ou dois metros entre os custodiados.

Leia a íntegra da carta:

Os ex-ministros de Estado da Justiça e os ex-presidentes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), abaixo subscritores, receberam com surpresa e perplexidade a informação divulgada pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 20 de abril de 2020, da sugestão encaminhada ao colegiado do CNPCP com a finalidade de permitir a utilização de “estruturas modulares temporárias”, leia-se “containers”, para o alojamento de pessoas presas que apresentem sintomas da COVID-19 e necessitem de atendimento médico.

De acordo com a notícia veiculada pela Agência Brasil, “as estruturas provisórias poderiam ser similares às dos hospitais de campanha, com prémoldados, barracas de campanha e até mesmo na forma de containers habitacionais climatizados, muito utilizados há vários anos na construção civil”. Tal recomendação ainda carece de deliberação do CNPCP, em face do pedido coletivo de vista solicitada em sua última reunião.

É lamentável que o Estado brasileiro cogite soluções dessa índole. Vale lembrar que no ano de 2009, o mesmo CNPCP, dessa vez fazendo valer seu compromisso institucional e legal, insurgiu-se contra calamitoso “estado de coisas” existente, à época, no Espirito Santo. Naquela oportunidade, descobriu-se a submissão e aprisionamento prolongado de pessoas detidas, adultos e adolescentes, em containers, alcunhados de autênticos “microondas”. A repercussão da gravíssima e intolerável situação redundou na imediata mobilização da sociedade e no oferecimento de denúncias contra o Brasil em organismos internacionais, tais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Organização das Nações Unidas (ONU).

No difícil momento de pandemia, responsável por afetar a vida de todos os brasileiros, é fundamental que as autoridades constituídas reafirmem sua postura de respeito aos ditames do Estado Democrático de Direito e ao princípio universal de dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil. Nada pode justificar o tratamento de indivíduos em condições subumanas e de precariedade em níveis medievais.

As existentes e conhecidas carências e deficiências históricas do sistema penitenciário nacional não podem ser aprofundadas sob qualquer pretexto. Se a vulnerabilidade dos presos brasileiros se apresenta ainda mais sensível
em decorrência da pandemia, o próprio Conselho Nacional de Justiça, mediante Recomendação nº 62/2020, já ali estabeleceu as medidas adequadas a serem implementadas no ambiente carcerário, como a identificação dos grupos de risco e a priorização do cumprimento de pena fora das unidades.

Publicamente, portanto, os subscritores manifestam e declaram que outra solução não há ao CNPCP que não a recusa e o veto imediato e peremptório na adoção de quaisquer medidas dessa natureza.

30 de abril de 2020.

Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça
José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça
José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça
Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça
Tarso Genro, ex-ministro da Justiça
Torquarto Jardim, ex-ministro da Justiça
Alamiro Velludo Salvador Netto, ex-presidente do CNPCP/MJ
Antonio Claudio Mariz de Oliveira, ex-presidente do CNPCP/MJ
Eduardo Muylaert, ex-presidente do CNPCP/MJ
Eduardo Pizzaro Carnelós, ex-presidente do CNPCP/MJ
Geder Gomes, ex-presidente do CNPCP/MJ
Luiz Bressani, ex-presidente do CNPCP/MJ
René Ariel Dotti, ex-presidente do CNPCP/MJ
Sergio Salomão Shecaira, ex-presidente do CNPCP/MJ

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