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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Minha equipe me chama de meu malvado favorito', diz o cineasta Breno Silveira

Diretor de '2 Filhos de Francisco' diz que mais importante que a audiência é 'fazer algo em que pessoas possam se ver'

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Rio de Janeiro

Desde que dirigiu “2 Filhos de Francisco”, em 2005, Breno Silveira virou para-raios de boas histórias. São inúmeras as pessoas que vêm bater à sua porta oferecendo relatos com uma certeza: “a minha vida dá um filme”.

“Muita gente, mas muita gente. Porque ‘2 Filhos’ é muito comovente”, diz o cineasta. “Com ‘Gonzaga: De Pai para Filho’ [2012] foi assim, com Roberto Carlos vai ser assim. Já escutei essa frase não só de atores e de cantores, como de bandidos e policiais. Tenho pelo menos dez projetos em arquivo para fazer, e quase todos eles vão acontecer.”

O cineasta Breno Silveira em filmagem João Pessoa (PB), em novembro de 2019
O cineasta Breno Silveira em filmagem João Pessoa (PB), em novembro de 2019 - Daniel Chiacos

“Mas antes quero dizer que é muito estranho falar dessas coisas nesse momento, pois parecem perder o sentido diante da realidade que estamos vivendo. Eu sinto que nosso trabalho é pequeno no meio de questões tão profundas.”

A entrevista começa por videoconferência, mas a internet parece congestionada nesses dias de quarentena. A conversa passa para o telefone e, nessa hora, Breno vai para a varanda de sua casa, atrás do Jardim Botânico, de onde vê o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar e a lagoa Rodrigo de Freitas. “Espero que um pouco de entretenimento possa ajudar as pessoas nessa época de resguardo.”

Ele se refere à estreia, na semana passada, da quarta e última temporada de “1 Contra Todos”, no canal pago Fox. As três primeiras temporadas estão tanto no serviço de streaming da Fox quanto na Globoplay. A série segue a história de um advogado que, mandado injustamente para a cadeia como um super traficante, acaba assumindo esse papel de rei das drogas para se defender dos outros detentos. Como as outras, é uma história real.

“Esse cara, que mora numa cidade média do estado de São Paulo, entrou em contato com um amigo roteirista e nos ofereceu sua história. Diferente de muita gente, ele não quis assinar contrato nem receber nada. A única coisa que pediu foi que jamais revelássemos o nome dele. Faz cinco anos que guardo esse segredo. E vou guardar para sempre.

“É uma história que tem relevância de ser contada. Era um advogado honesto, bom caráter, bom pai, tentava ser um cara certo. Contratou uma obra para uma reforma e quando os caras vão embora, o teto está todo torto, o gesso não ficou direito. Um belo dia, a polícia bate dizendo que havia denúncia de drogas e descobre que havia uma tonelada de maconha no teto dele.”

“Quando ele foi preso, os detentos já tinham ouvido sobre ele e o trataram como chefe. Olha que loucura, ele viu que, para segurar a onda, tinha que fingir que era mesmo. Só que ele é um cara como nós. Quando ele terminou de contar a história, cheguei na Fox e disse: eu tenho um ‘Breaking Bad’ [série sobre professor de química que vira produtor de drogas por acaso] tupiniquim.”

“1 Contra Todos” teve sucesso de público e crítica desde a estreia, em 2016. “Na Fox, ficamos atrás em audiência apenas de ‘The Walking Dead’”, comemora Breno. Nos últimos três anos, o Emmy Internacional indicou a obra duas vezes como melhor série dramática e o protagonista Júlio Andrade como melhor ator em duas ocasiões.

Seu próximo trabalho é a minissérie “Dom”, baseada na história de Pedro Dom, bandido de classe média que fez assaltos espetaculares em apartamentos de luxo no Rio e que morreu aos 23 anos. A série, que irá ao ar pela Amazon, é narrada por meio da relação de Pedro com seu pai, o policial Luiz Victor Dom, e baseada em livro de Tony Bellotto, prestes a ser lançado.

“O pai do Dom apareceu um dia na produtora querendo falar comigo. Disse para a recepção que estava em reunião e que não poderia falar com ninguém. ‘Parece que o cara é cana’, me avisaram. Pois ele ficou lá horas, o dia todo, até que eu tive que sair. Conversamos e disso saiu mais essa história real. Isso faz uns dez anos.”

“O mais importante”, diz Breno, “não é ter audiência. É fazer algo em que as pessoas possam se ver. Contar histórias que tenham a ver conosco, com a nossa cultura. Quando eu entrei no cinema, o primeiro filme em que trabalhei foi ‘Carlota Joaquina’ [1995, de Carla Camurati]. Naquela época, eu tinha vergonha de dizer que trabalhava em cinema. As pessoas perguntavam ‘Cinema? Pornochanchada?’ Cinema era traço.”

“Hoje estamos em uma briga de igual para igual com os gigantes. Ou melhor, estávamos, pois o atual governo mudou isso. Graças a Deus temos essas companhias de fora, como Fox e Sony, e streamings, como Amazon e Netflix, que ainda apostam em nossas histórias.”

Antes do filme de ficção “Carlota Joaquina”, Breno Silveira foi câmera do documentarista Eduardo Coutinho (1933-2014). Trabalharam juntos em quatro ou cinco filmes, como “Santa Marta” (1987), que retratava moradores do morro de Botafogo, e “Boca de Lixo” (1993), sobre a rotina dos catadores que sobrevivem recolhendo dejetos no lixão de Itaoca, em São Gonçalo, cidade ao norte de Niterói. Foi neste último que Breno tomou uma das lições mais importantes de sua vida.

“Quando chegamos no lixão, tivemos muita dificuldade de nos comunicar com as pessoas. Não conhecíamos ninguém, e ninguém quis falar com aquela equipe de filmagem que chegou de uma hora para outra. Aí uma menina se aproximou e as coisas começaram a andar. Ela nos levou até a casa dela e, em duas paredes de seu quarto, ela colava pedaços de boneca que ia achando no lixo. Isso me impressionou muito.”

“Quando saímos, o Coutinho pediu para fazermos o ‘retrato da família’. É uma coisa que sempre tem nos filmes dele: a família na frente da casa, como se posasse para uma foto, mas era filmado. De repente, a menina começou a cantar, sem ninguém pedir. Foi muito emocionante aquilo. E na hora comecei a fechar o zoom, do retrato geral para apenas o rosto dela. Nessa hora o Coutinho vem por trás de mim e diz: ‘Se você fechar o zoom nela, eu te mato’.”

“Ele continuou: ‘Como você vai explorar uma emoção dessas e estragar minha cena? Emoção é uma coisa muito séria e você não pode se aproveitar dela. Você tem que ser honesto com o espectador.’ Cara, até hoje, essa cena do zoom não saiu da minha cabeça. Ele estava, é claro, certíssimo. Não se pode ser piegas, aumentar a música, fechar o zoom numa hora dessa. Não pode dar um chute no saco do espectador. É preciso respeitar a emoção.”

Depois de quase transformar uma cena de emoção genuína num choro de telejornal, Breno aprendeu. Tanto que, doze anos depois do lixão, aplicou esse mesmo conceito em seu primeiro filme como diretor, “2 Filhos de Francisco”. Foi um dos primeiros longas-metragens da Conspiração, produtora que abriu há 29 anos ao lado de amigos cineastas.

“Tem uma cena em que o cara traz o caixãozinho branco de um dos filhos de Francisco em um carro. O plano mostra o carro com o caixão, a rua e a casa no canto. Nessa hora, a mãe, feita pela Dira Paes, sai de casa e começa a desfalecer, numa interpretação incrível. Meu câmera começou a dar zoom nela. ‘Se você der zoom nela, eu te mato’, eu disse atrás dele [risos]”.

“Se você for assistir ao filme, dá para perceber que o zoom começa, para e volta. Está lá!”, conta. Neste ano, faz 15 que “2 Filhos de Francisco” estreou. Foi a maior bilheteria da retomada até então, com 5,3 milhões de ingressos vendidos, superando “Central do Brasil” (1998, Walter Salles), “Cidade de Deus” (2002, Fernando Meirelles) e “Carandiru” (2003, Hector Babenco).

“O curioso é que o filme começou ‘flopado’. No primeiro fim de semana, ninguém foi ver. Eu, o Ângelo Antônio [que interpreta Francisco] e a Patrícia Andrade [roteirista] fomos em uma sessão no Leblon e tinha 20 pessoas. A Sony já estava considerando fracasso de bilheteria. Mas, no meio da semana seguinte, os filmes começaram a lotar. No fim de semana, já tinha explodido. Depois que todo o Brasil viu, São Paulo despertou. Acho que o boca a boca numa cidade tão grande demora mais a funcionar.”

Prestes a completar 30 anos de Conspiração (“pensei que fossem 25 [risos]”), Breno Silveira não esconde a fama de mau nos sets de filmagem. “Tenho esse lado porque sou muito exigente. Acho que a equipe me considera um doido, porque exijo muito mesmo, no limite. Mas trabalho com essa equipe há quase 15 anos, portanto, alguma coisa boa deve vir daí, né? Eles me chamam de meu malvado favorito.”

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