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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Ninguém vai ficar na mão, todos os patrocínios seguem', diz Laís Bodanzky, presidente da Spcine

Cineasta se preocupa com setor na pandemia e diz que empresa honrará contratos assinados em 2020

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“Na indústria, sempre tem o chão de fábrica, onde os operários trabalham. O chão de fábrica do audiovisual em São Paulo é a própria cidade, ela é a estrutura. Nós precisamos dela para poder executar, realizar... E, com a cidade fechada e parada como está agora, a indústria também para”, lamenta a diretora, produtora e roteirista Laís Bodanzky.

Há um ano à frente da Spcine, empresa municipal de fomento ao audiovisual paulistano, ela conta que, na semana em que foi decretada a quarentena pelo governador João Doria, foram interrompidas ao menos 39 produções que iriam rodar na cidade —anualmente, a capital paulista empresta seus cenários a cerca de mil projetos.

A cineasta e presidente da Spcine, Laís Bodanzky
A cineasta e presidente da Spcine, Laís Bodanzky - Mathilde Missioneio-1ª.ago.2019/Folhapress

Laís enxerga que o audiovisual no Brasil, que já passava por uma crise, será bastante prejudicado pela pandemia do coronavírus. De sua parte, afirma que a Spcine irá honrar contratos que já foram assinados em 2020 com festivais, mercados, mostras e fóruns. “Ninguém vai ficar na mão. Todos os patrocínios seguem”, assegura.

Ela também diz que a Spcine está redesenhando os editais para garantir que os recursos cheguem aos profissionais que mais foram afetados. Afirma que vê com bons olhos a parceria entre a iniciativa privada e o poder público e que o projeto da Spcine será semelhante ao de um fundo. “Queremos juntar esforços e criar algo duradouro, que não seja só um tapa buraco da crise.”

A cineasta conversou com a coluna por chamada de vídeo pelo celular, sentada próxima da tomada que carregava o seu aparelho —“tá com pouca bateria, então estou grudada aqui no cabo na tomada [risos]”. A certa altura da conversa, sua imagem sumiu da tela. Ela, acidentalmente, atendeu uma ligação. Sons de avião, carros e ruídos da rua também entraram no bate-papo.

Ela conta que, desde que começou a quarentena, saiu uma vez ou outra de casa para ir à farmácia, ao supermercado e à padaria. “Sou muito obediente. Não vou nem na garagem [de casa]”, diz, entre risos.

A cineasta de 50 anos está em quarentena em seu apartamento, em Santa Cecília, em SP, com suas duas filhas, e diz que está descobrindo uma nova rotina. “Eu sempre tinha falado que ia me dedicar à culinária quando eu me aposentasse. Mas, aí, a pandemia acelerou esse meu plano [risos]”. Mais do que assistir a filmes e seriados, Laís está acompanhando os telejornais. Também viu algumas lives e diz que faz parte do “1% do Brasil que não assiste” ao reality Big Brother Brasil (Globo).

Laís desbanca a ideia de que a pandemia irá aflorar a criatividade nas artes. “O artista cria na crise? Claro. Assim como ele cria na não crise também. Eu, enquanto artista, não criei nada, ao contrário, tive uma grande ausência de criação, porque a minha cabeça não consegue pensar em absolutamente mais nada sem ser nesse tema.”

Em seu tempo vago —“que é raro”— a cineasta se dedica à produção de seu próximo filme, “A Viagem de Pedro”, cinebiografia sobre o primeiro imperador do Brasil, filmada em 2018 e que está em fase de montagem. Entre seus longas mais conhecidos estão “Bicho de Sete Cabeças” (2000), “As Melhores Coisas do Mundo” (2010) e “Como Nossos Pais” (2017).

Ao invés de um “boom criativo”, ela enxerga um “boom temático”, com uma overdose do assunto, nas obras audiovisuais que serão produzidas daqui em diante. “Talvez a gente precise ficar um bom tempo fazendo uma reflexão sobre o que estamos vivendo. E eu não acho isso ruim, porque não dá pra passar por uma crise desse tamanho e fingir que nada aconteceu.”

Para ela, a pandemia escancara as feridas abertas da sociedade, como a desigualdade social. “Observo da janela aqui de casa os moradores de rua circulando lá nas ruas, que estão mais silenciosas. E é engraçado porque eles sempre estiveram lá. Só que agora a gente enxerga mais. A cidade é muito mais a casa deles do que nossa e isso agora fica mais claro.”

Laís diz que há um “descompasso explícito entre os discursos” referentes ao combate à Covid-19. E afirma que se guia pela ciência, pelos fatos concretos e pelos exemplos de outros países.

“Não entendo a visão do presidente. Acho que tem aí uma estratégia de marketing que vem sendo usada desde que ele chegou ao cargo. Ele está eternamente em campanha para a próxima eleição, vive de polêmica. Nem queria perder tempo falando disso porque eu vou acabar compartilhando desse marketing, então vamos até mudar de assunto.”

Também critica o tratamento do governo para encarar a crise desencadeada na cultura. Ela cita a demora na liberação de recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, principal fonte de financiamento do setor.

“Isso é inacreditável. Nós estamos vivendo numa crise e há recursos parados e travados. Eu enxergo uma falta de olhar humano, sabe? Como é que você pode ter famílias que estão necessitadas, precisando desses recursos e eles estão parados? Como é que você não faz nada? Você finge que nada está acontecendo? É muita falta de humanidade, na minha visão.”

Ela diz que vê na nova secretária especial de Cultura, Regina Duarte, “uma boa intenção e desejo para achar soluções”. “O setor é complexo mesmo e assusta qualquer um que chega de repente. Por mais que ela tenha conhecimento da área, é um conhecimento de quem está à frente das câmeras e isso é muito diferente dos bastidores”. Mas isso, a seu ver, não justifica a demora para a implementação de medidas.

E há alguma coisa que pode ser feita para agilizar esse processo? “O audiovisual sempre está disposto a conversar com quem estiver no poder. Toda vez que ocorrem trocas no governo, o setor vai lá e faz tudo o que tem que fazer, dialoga, explica tudo outra vez, sem preguiça. Só que aí, já se vai um ano e meio. Mais do que fazer isso, só com um voto para a gente escolher de novo os nossos representantes.”

Laís foi convidada pelo ex-secretário municipal de Cultura Alê Youssef para assumir a presidência da Spcine em fevereiro de 2019. “Por conta do momento político, em que eu já enxergava que o governo federal não reconhecia o setor e que a cultura vivia sob ataque, percebi que não era um convite, era um chamado.”

No balanço de um ano de gestão, ela orgulha-se ao falar de medidas que foram implementadas. Entre elas, o lançamento do plano de políticas afirmativas, que estabelece metas para ampliar a participação de mulheres e pessoas negras no audiovisual, assim como a consolidação da Spcine Play, plataforma sob demanda.

Com a pandemia, a plataforma disponibilizou seus conteúdos gratuitamente —e registrou um aumento de 155% de visualizações, desde o dia 17 de março, em comparação com todo o período acumulado, desde sua criação, em 2018.

Ela lembra ainda do decreto da prefeitura que cria um programa de apoio a filmagens nacionais e internacionais na cidade —e que prevê subsídio de até 30% do valor total gasto por produções que escolham a capital como cenário. Ela acredita, inclusive, que essa medida será uma das que ajudará a atrair recursos para o setor no pós-pandemia.

“A gente tem que olhar para essa indústria criativa com mais respeito, entender o seu valor e respeitar os seus trabalhadores da mesma forma que respeitamos os outros. O trabalho de um palhaço que vai no hospital é tão importante [na melhora do paciente] quanto o do médico que está ali dosando os medicamentos”, diz.

“Ficou muito claro agora com a pandemia que a qualidade emocional das pessoas numa situação extrema é responsável por 50% da nossa saúde. E quando falamos em qualidade emocional, nós estamos falando do mundo das artes, daquilo que nos tira dessa coisa ensimesmada que nós somos e que nos leva para viajar por outros mundos, respirar novos ares. Isso a arte nos traz. E ela tem muito valor.”

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