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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Coronavírus

'Tento me ocupar para não entrar em mim mesmo', diz Baco Exu do Blues, em quarentena

Aos 24 anos, o rapper baiano encara a depressão e a ansiedade durante a quarentena e diz ter vontade de encerrar a carreira

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O compositor e rapper Baco Exu do Blues Zanone Fraissat - 24.nov.2018/Folhapress

Lidar com a própria cabeça tem sido a tarefa mais espinhosa desta quarentena para o rapper Baco Exu do Blues, 24. Na corda bamba em que já vivia por ter que conviver entre a depressão e a ansiedade, o músico baiano, que hoje mora em São Paulo, busca ter em seu confinamento todas as distrações que lhe são possíveis.

“Eu tô tentando me ocupar o máximo possível para não conseguir entrar em mim mesmo”, diz. E tanto tenta que, em apenas três dias, compôs e gravou “Não Tem Bacanal Durante a Quarentena”, álbum com nove faixas lançado no último dia 30. A obra traz figuras do isolamento social como os panelaços contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a questão racial no programa Big Brother Brasil, da TV Globo.

“Estou produzindo música porque é assim que eu fujo da minha cabeça. Tento botar para fora tudo o que vem, o mais rápido possível, para não ficar remoendo e remoendo. O importante é tentar não dar espaço para se sentir sozinho”, afirma ele que, apesar de reconhecer a importância do acompanhamento psicológico por um profissional para amenizar os efeitos da depressão, confessa não ter encontrado alguém que corresponda a suas expectativas.

Como muitos artistas que tiveram shows e projetos adiados por causa da pandemia do novo coronavírus, Baco postergou para o segundo semestre deste ano o lançamento do disco “Bacanal”, que havia gravado no final 2019 —daí o trocadilho com o nome de seu projeto de quarentena.

Oito horas após sua disponibilização no Youtube, o álbum que nasceu de improviso já contabilizava um milhão e meio de reproduções e estava entre os assuntos mais comentados do Twitter. O engajamento ecoa a popularidade adquirida por Baco após o lançamento do segundo álbum de sua carreira, “Bluesman”, do final de 2018, que rendeu a ele shows e casas lotadas por todo o país ao longo de 2019.

Foi também nesse período que Baco figurou na lista dos artistas brasileiros mais ouvidos do Spotify e conquistou o Grand Prix de Cannes com um curta-metragem de “Bluesman”, na categoria de entretenimento para música, superando a megaprodução “Apeshit”, dos americanos Beyoncé e Jay-Z, gravada no Museu do Louvre, em Paris, na França.

Apesar dos louros, o rapper hoje pensa em interromper a carreira. “Não sei se vou soltar álbum depois do ‘Bacanal’, estou me decidindo ainda”, diz. “Eu gosto muito de arte, produzo muita arte, mas não sei até quando é saudável ficar nessa de receber muito amor e depois receber muito ódio. Receber muito amor, depois muito ódio. Não sei se é bom ficar exposto por tanto tempo, saca?”

Os elogios a sua carreira eram mais frequentes num passado recente em que seu nome era novidade, acredita, mas a expectativa pelos seus próximos lançamentos tem gerado um movimento contrário que o sobrecarrega.

“Tem gente que faz comentário não sobre sua arte, mas sobre você, sobre sua estética. Isso pesa um pouco, ainda mais quando se é um cara negro e gordo. Você tem todo um trabalho para tentar se aceitar e acreditar que pode ser aceito, que é bonito ou bom o suficiente. Você pensa: ‘Caralho, será mesmo? Será que eu estou certo ou será que eu estava me enganando?’.”

“Eu sinto, às vezes, que não importa se o que eu faço é artisticamente rico e complexo, porque mesmo assim as pessoas vão falar e foda-se.”

Isolado em casa por causa de um machucado no ombro desde antes do decreto de quarentena no estado de São Paulo, o rapper conta com a companhia diária do engenheiro de som Dactes, responsável por montar o estúdio caseiro que possibilitou a gravação do EP. Vindo de Salvador para executar a tarefa, Dactes não pôde retornar à Bahia após as restrições de trânsito aéreo.

Na contramão da crítica especializada, Baco refuta a pecha de ser alguém que repete uma mesma fórmula ao rimar sobre sexo e amor. “Eu não tenho problema de falar sobre sexualidade, mas existem várias outras paradas na minha música. Em 16 linhas, você pode encontrar só uma falando de sexo, mas parece que as outras perdem a validade.”

“Falta um olhar sensível [dos críticos] para analisar um disco. É muito fácil dizer ‘achei essa parada rasa’, ainda mais quando é um homem branco falando sobre um homem negro. Tudo vai ser raso quando a gente não entende.”

Uma das faixas de “Não Tem Bacanal Durante a Quarentena” é dedicada a Jair Bolsonaro. O título, “Amo Cardi B e Odeio Bozo”, faz referência à rapper americana que viralizou na internet ao comentar a crise da Covid-19 e à alcunha usada por detratores do presidente. A letra, que traz sons de panelaços e gritos de “fora, Bolsonaro”, diz: “o papa é pop, quarentena é pop / Cardi B fez mais que o presidente”.

Questionado, Baco afirma que não pretende mostrar a música para a americana. Sua resposta vem em tom de ironia. “Tenho medo de ela se aprofundar sobre nosso presidente e ficar depressiva como todos nós. Ficar triste e desgostar do Brasil, que ela já admira tanto.”

O rapper classifica a atuação de Bolsonaro neste momento de crise como displicente. “Não consigo descrever se ele faz o que faz de brincadeira ou se ele é só muito ruim no que faz. Mas, se está fazendo de brincadeira, com certeza brinca com coisa séria”, diz.

Apesar da crítica incisiva, Baco afirma não se deixar levar por conflitos na esfera virtual, frequentes num cenário de polarizações política e ideológica. E aconselha que façam o mesmo aqueles que, assim como ele, lidam em seu dia a dia com questões de saúde mental.

“É uma parada que volta. Numa hora, você está dando certo ali, lacrando, falando mal de alguém, mas em algum momento alguém vai falar mal de você. E se você estiver destruído por dentro, você não vai aguentar.”

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