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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Sempre fui de arregaçar as mangas e ir pra cima', diz Henrique Fogaça

Chef que está escrevendo uma música sobre a Covid-19 com sua banda de punk teve que demitir funcionários de seus restaurantes e diz que não dá para confiar em atitudes políticas

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O chef e empresário Henrique Fogaça está escrevendo uma música que se chamará “Covid-19”, que deve ser lançada em breve pela banda de punk Oitão, da qual é um dos integrantes. Na letra, que ainda “está no papel, no rascunho”, diz que abordará questões políticas e econômicas dos efeitos da pandemia do coronavírus, assim como as reflexões que ele tem tido sobre esse momento.

“Ela vai transitar por essas interrogações, essa questão de resgatar algo que às vezes estava esquecido. Essa ideia de a gente se voltar mais para dentro [de nós mesmos] e ver o que é realmente importante.”

 Henrique Fogaça
O chef e empresário Henrique Fogaça - Alt Tasty

Fogaça, 46, conta que lembra do momento em que percebeu que tudo iria mudar por conta da pandemia, em março. Ele tinha acabado de voltar de uma viagem a Dubai, onde ouvia notícias sobre o vírus na Espanha e na Itália.

“Aí, eu cheguei no Brasil e escutava ‘ah, o coronavírus, olha o coronavírus’. Nesse dia, acordei cedo, era 5h30, comecei a ler na internet e a me aprofundar no assunto. E falei: ‘Caralho, o bagulho é louco mesmo.’ Olhei no espelho, eu comigo mesmo, e decidi que ia seguir a risca essa quarentena. Não dá pra brincar, eu tenho filhos pra cuidar, tenho o meu trabalho, a minha vida”, disse.

Começou a sair todos os dias para administrar o delivery de seu restaurante, o Sal Gastronomia, e para participar da campanha “Marmita do Bem”, que distribui quentinhas no centro de São Paulo. Quando chega em casa, fica “atento aos mínimos detalhes”: deixa os sapatos na porta, a roupa na área de serviço e toma um banho.

As gravações para a nova temporada do reality gastronômico MasterChef Brasil (Band), no qual Fogaça é um dos jurados, foram interrompidas antes mesmo de começar. A emissora irá transmitir a reprise da primeira edição do MasterChef Profissionais.

Para matar as saudades dos filhos, Olívia, de 13 anos, João, 11, e Maria, 4, que estão nas casas de suas mães, faz chamadas de vídeo e eventuais visitas —“mandando beijinho de longe”. Ele diz que Olívia, que tem uma doença rara, está desde o começo da quarentena em casa, onde conta com o auxílio de duas enfermeiras que se revezam nos cuidados. “Ela é muito sensível. Se ela pegar [o vírus]... É muito perigoso. Mas graças a Deus os filhos estão bem.”

Fogaça está fazendo quarentena no apartamento onde mora, no conjunto residencial Baronesa de Arary, um dos maiores, mais antigos e simbólicos da avenida Paulista, o “treme-treme” —onde moram cerca de 3 mil pessoas. E onde também exerce o cargo de síndico.

“A relação [dos moradores] lá no prédio está muito melhor depois que eu entrei de síndico. A moça que estava antes roubou durante muito tempo, o prédio estava largado. E agora já fizemos muitas coisas. O pessoal está mais feliz”, diz.

No fim de abril, organizou uma serenata em uma área externa do edifício, “para confortar” os moradores. “Foi muito bonito, a música gostosa ecoando. É um gesto simples e gostoso de sentir, de ouvir. Pô, você tá lá de boa, em casa, chega uma música gostosa no ouvido. É um momento, né?”

Por outro lado, diz que tem recebido reclamações dos moradores, principalmente, sobre barulho. “Gravei uns vídeos e divulguei no grupo do condomínio [numa rede social], falando para as pessoas ouvirem música no fone, porque muita gente escuta música muito alto. E tem que respeitar os vizinhos.”

E os panelaços? “Ficam umas panelas batendo, mas nada muito barulhento, caótico. Eu fico de boa, não gosto de bater panela não, prefiro fazer comida nela”, diz, rindo.

Além do Sal, Fogaça é dono também das casas Cão Véio e Jamile —e todas fecharam provisoriamente com a pandemia.

Ele estima que teve que demitir cerca de cem funcionários, dos 400 que trabalham em suas casas. “É muito complicado. A folha de pagamento é enorme: tem os boletos, os fornecedores, contrato de shopping. E sem entrar faturamento. Vou pedir dinheiro em banco para poder segurar as coisas, e estou negociando com todo mundo. Começamos o delivery para pagar umas continhas e nos mantermos o máximo possível”, diz.

Ele estima que o projeto “Marmita do Bem”, que ajuda a coordenar, distribuiu no último mês mais de 10 mil marmitas, com média diária de cerca de 400 refeições em São Paulo. Além de doações de ingredientes, vindas de empresas e restaurantes, é possível colaborar com dinheiro.

“Sempre fui assim, de arregaçar as mangas e ir pra cima. E nada mais convidativo nessa pandemia do que ajudar essas pessoas. Tem muitas crianças na rua. E eu tenho filhos, isso já me parte o coração. Então não espero de ninguém. Porque a política sempre fala, fala e não faz nada. É o ‘do it yourself’ [faça você mesmo].”

“É fazer o mínimo, um pouco pelas pessoas muito mais necessitadas que nós, né, que temos casa, temos comida. E os moradores de rua já ficam esperando a gente, falam que adoram a comida.” No dia anterior, conta que foram servidas 400 marmitas de spaghetti com burrata, almôndegas e molho vermelho.

No dia 20 de abril, Fogaça publicou um vídeo em seu perfil numa rede social fazendo uma denúncia de que a Guarda Civil Metropolitana teria impedido a entrega de comida, “porque estava fazendo sujeira”. O post teve mais de 350 mil visualizações e 75 mil curtidas.

No mesmo dia, diz que recebeu uma ligação de um responsável pela guarda pedindo desculpas. No seguinte, afirma que foi a vez de o governador entrar em contato com ele. “O Doria veio falar que não era culpa dele, porque ele é da Polícia Militar. E eu falei:‘Ô, Doria, desculpa, mas você é governador do estado, então você que esteja alinhado com o prefeito. Agora, não poder dar comida para quem tá morrendo de fome, é um pouco demais, né?’”.

“Eu sou roqueiro antes de ser cozinheiro. E o rock me trouxe algo muito visceral e comportamental em relação às questões da vida, da sociedade em que a gente vive. Sempre me identifiquei com as letras de contestação, de não se acomodar”, segue. Ele conta que a banda Oitão é um “espelho da sociedade”. “Não é uma rebeldia sem causa. É mais contestação mesmo. Não falamos muito de coisas bonitinhas, mas sim do que aperta o calo”.

Fogaça conversou com a coluna por chamada de vídeo na área externa de uma das unidades do Sal. Ele vestia um moletom preto da Oitão, com duas correntes de prata aparentes. Em dois momentos da conversa, entrou no salão do restaurante. No primeiro, Fogaça fez um tour pelo ambiente. Logo na entrada, chamou a atenção para um pôster de um cozinheiro, com uma caveira, segurando uma faca e um rolo de massa com os braços cruzados em x —“esse aqui sou eu depois da outra vida [risos]”.

No segundo, quis mostrar o desenho de um moletom com o logo da Oitão que um funcionário vestia. A cada dois meses, a banda lançará um single, acompanhado de um clipe, e produtos relacionados à faixa.

A próxima será “Proteste”, que chegará nas plataformas digitais no dia 5 de junho. Na semana seguinte, será lançado o clipe. A letra da canção, ele diz, foi feita há oito anos, mas ficou guardada na gaveta. Fogaça explica que as músicas da banda não são direcionadas a um governo específico, mas “à política em si”. Por outro lado, ele critica a “guerra política” no governo federal, que está interferindo e “atrapalhando” no combate à pandemia.

“Quando tudo isso acabar, quem é uma pessoa do mal vai continuar sendo um filha da puta do mal. Quem é uma pessoa do bem, que tem valores e princípios, como eu por exemplo, quem tiver uma coisa boa no coração, vai pensar, vai redescobrir coisas nessa pandemia e vai seguir com elas depois”, reflete Fogaça.

“Uma coisa boa disso, se é que a gente consegue aproveitar alguma coisa nesse caos, é que eu pude dar dez passos para trás. Tenho uma vida muito corrida. Trabalho, vou pra lá, vou pra cá, gravo, viajo, e acabo não tendo tempo para mim muitas vezes. Agora é saber equilibrar o seu tempo e ver o que é realmente importante. O menos, é mais. Sempre falo isso.”

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