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Eu, negra, era a mulher 'exótica' no rolê, diz Pathy Dejesus sobre indústria da moda

Aos 43 anos, a atriz fala sobre a maternidade recente, o racismo estrutural na moda e sua participação na série 'Coisa Mais Linda'

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Retrato da atriz Pathy Dejesus Pedrita/Divulgação

Era a década de 1990 quando a então modelo Pathy Dejesus fez sua primeira viagem internacional rumo a Milão, na Itália. A despeito de tudo o que a chegada à cidade europeia simbolizou para a jovem vinda do bairro paulistano da Casa Verde Alta, na zona norte da capital, foi a passagem por uma loja de cosméticos a sua realização mais marcante.

Pathy saiu de lá com base, pó compacto e corretivo correspondentes à nuance de sua pele, mas também com a certeza de que seu rosto nunca mais seria estampado em tom acinzentado nas campanhas de moda que viesse a fazer.

Hoje, aos 43 anos, a lembrança ainda é motivo de choro. “Não era todo profissional que sabia ou tinha material para maquiar uma mulher negra. Quando tinha, era aquele tom que precisava servir pra mim, para uma negra de tom mais claro e para uma de tom mais escuro. Eu ficava cinza nos trabalhos, não conseguia pôr no meu portfólio”, conta.

Retrato da atriz Pathy Dejesus - Pedrita/Divulgação

Ao todo, foram 14 anos como modelo. Pathy fez propagandas para xampus e cremes quando o termo “cabelos crespos” era vetado e substituído por “cacheados”. Ela foi a primeira mulher negra a desfilar na São Paulo Fashion Week, criada a partir das extintas Morumbi Fashion (1996) e Phytoervas Fashion (1994), das quais também participou. A princípio, Pathy chegou a ter a companhia de outras modelos negras, mas todas deixaram as passarelas antes da SPFW ser criada.

Ocupar este lugar de superexposição, no entanto, trazia um pacote de dissabores. “Usavam uma palavra que eu odeio para me ‘exaltar’: exótica. Eu, negra, era a mulher ‘exótica’ no rolê. Eles tinham toda uma gama de penteados que podiam fazer numa colega branca. Em mim, eram umas coisas sempre estranhas porque era ‘exótico’. De tanto falarem, eu achava que a minha beleza estava nesse lugar. Eu não me achava bonita.”

“Passaram 20 e tantos anos e as meninas [da moda] enfrentam essa coisa da ditadura da magreza, de ser tratada como cota. Que mulher negra tem o quadril 89, 90 [centímetros]? Num país como o nosso, você ver duas modelos negras num desfile é de cair... Ia falar um palavrão”, diz, rindo, ao se censurar.

Em 2004, Pathy Dejesus deixou a carreira de modelo para estudar artes cênicas. Nos anos seguintes, integrou o elenco de novelas da TV Globo e do SBT, além de ter passagens como VJ na finada MTV e como apresentadora do programa Vídeo Show. Mas foi em 2019, com a série “Coisa Mais Linda”, da plataforma de streaming Netflix, que tudo mudou em sua carreira.

“É até engraçado porque muita gente falava ‘nossa, não sabia que ela atuava tão bem’ [risos]. Na verdade, eu não tive tantas oportunidades, e quando aparece uma oportunidade dessas pra mim, que são raras, eu vou pra cima. Eu não economizo, não”, conta.

Em “Coisa Mais Linda”, série que se passa no Rio de Janeiro do final da década de 1950, Pathy dá vida a Adélia, uma empregada doméstica que se une a Malu, vivida por Maria Casadevall, na empreitada de abrir um clube de música. Apesar de ser embalada pelo ritmo bossa nova, a trama gira em torno de temas caros à sociedade, como o racismo e a violência contra a mulher.

Com a estreia de sua segunda temporada programada para a próxima sexta-feira (19), a preparação e as gravações da sequência de “Coisa Mais Linda” ocorreram no segundo semestre do ano passado, dois meses após Pathy dar à luz Rakim, seu primeiro filho, hoje com um ano de idade.

“A experiência da maternidade é uma das mais incríveis por que eu já passei na minha vida. É o ápice da perfeição da natureza você ter dois corações batendo dentro de você, o seu corpo alimentando aquele ser”, afirma. A atriz, por outro lado, faz questão de assegurar que não romantiza a experiência. “O puerpério foi traumatizante para mim”, diz sobre o período pós-parto marcado por transformações físicas e desgastes emocionais.

“Tive que voltar a trabalhar no ápice da minha recuperação. Eu não estava preparada. É um leite que sai sem você precisar de estímulo, um corpo que não voltou para o lugar e que você nem sabe se vai voltar. É uma mulher que morreu e nasceu outra, e eu estava me reconhecendo nesse lugar e tendo que dar voz, de corpo e alma, a uma personagem.”

“O Rakim teve crises homéricas de cólica, foram noites e noites com ele chorando, e eu desesperada porque já tinha feito de tudo e tinha que estar no set de filmagem no outro dia. E não é só estar lá, eu tinha que fazer jus àquela Adélia que as pessoas viram na primeira temporada. Eu não sei como eu fiz, não sei de verdade, mas rolou lindamente.”

Para dificultar a equação, seu companheiro, Alexandre Cioletti, dividia a jornada com Pathy —ele interpreta o personagem Nelson em “Coisa Mais Linda”. “Muitas vezes ele tinha cenas [no mesmo dia], mas na hora em que eu estava chegando, ele estava terminando. Ele tem uma carga horária bem menor que a minha para cumprir, então pôde estar com o Rakim um pouco mais. Mas foi loucurinha.”

Ao falar da nova fase de sua personagem —“mais frágil, mais próxima do que as pessoas são”, diz—, Pathy encontra correspondências com a vida real.

“Acho muito perigoso esse lugar da força infinita. Isso me traz muito aquela lembrança da suposta força da mulher negra que estruturalmente foi criada na escravidão. É uma mulher que não precisa de afeto, que não precisa de cuidado, que vai procriar, que carrega nas costas.”

“Eu, por exemplo, sou de uma geração que achava bonito falar que não chora, que é forte. E a força não está em quanto você aguenta apanhar, falando no sentido figurado, está justamente em como você reverte isso. O chorar é força também.”

Neste momento de erupção de movimentos sociais antirracistas, desencadeado pelo assassinato de George Floyd durante uma abordagem policial em Minneapolis, nos EUA, Pathy ouve atenta o que dizem nomes como a arquiteta e escritora Joice Berth, a filósofa Djamila Ribeiro e o professor e advogado Silvio Almeida.

“Essas coisas não são de hoje. O movimento negro já acontece desde o primeiro negro que foi tirado lá da África, forçado a trabalhar de uma forma sub-humana”, alerta.

“Psicologicamente, ando muito abalada com tudo o que está acontecendo. É uma punhalada atrás da outra e, como mulher negra, está sendo muito difícil, muito mesmo. As pautas estão mais pesadas. Eu passo dias sem abrir a internet, sem ligar a televisão porque preciso da minha sanidade mental. A Patrícia de 30 anos estaria batendo de frente, mas neste momento eu tenho que escolher.”

Pathy se vê permeada pela dualidade que é viver numa sociedade mais disposta a discutir o racismo ao passo em que lida com os altos índices de morte da população negra.

“Tenho muito orgulho da minha carreira, fui a primeira em várias coisas, mas era um lugar extremamente solitário. Eu não tinha com quem conversar porque ninguém entendia as urgências e as angústias que eu sentia, não tinha com quem dividir e nem como reivindicar muita coisa. Eu, hoje, tenho meus meios para me fazer ouvir, mas nem todo mundo tem.”

Ao ser questionada sobre o que pensa de lideranças políticas no país, a atriz prefere não citar nomes. “Falando de mana pra mana, eu não gosto de dar palco para esse pessoal. É uma galera extremamente raivosa e agressiva”, justifica.

“A gente está vivendo um momento de um governo que muitas vezes não estimula o artista e a arte. E se não fosse a arte neste momento?”, diz, em referência ao isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus.

Ao chegar no terceiro mês desde que a quarentena foi decretada em São Paulo, onde mora até hoje, Pathy Dejesus diz ter abstraído a necessidade de tocar a vida como faria em condições normais. “Acho que muita mãe caiu nessa, até que eu comecei a entender que é um momento completamente atípico que a gente está vivendo e que não tem certo ou errado.”

Ela se preparava para iniciar as gravações da próxima novela das nove da TV Globo. Seus planos permanecem suspensos, apesar de governos como os do Rio de Janeiro e São Paulo já terem liberado a retomada das atividades.

“É muito estranho esse lugar do pós-isolamento, do pós-Covid. Há várias especulações, mas a verdade é que ninguém sabe o mundo que a gente vai encontrar.”

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