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'Ninguém nasce racista, mas aprende a ser racista', diz atriz Zezé Motta

Isolada em casa há três meses, a atriz e cantora perdeu a mãe de 95 anos, se reencontrou com a poesia e cobra ação de movimentos contra o racismo

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A atriz e cantora Zezé Motta em seu apartamento, no Rio de Janeiro

A atriz e cantora Zezé Motta em seu apartamento, no Rio de Janeiro Vinicius Belo

A atriz e cantora Zezé Motta diz que já passou por várias fases durante o período da quarentena: teve a do tédio, a de uma “quase depressão”, a da angústia e a da reação. O momento mais preocupante, ela conta, foi após a morte da sua mãe de 95 anos, Maria Elazir.

Maria Elazir foi internada com pneumonia, em maio. “Uma médica disse que [a causa da morte] foi parada cardíaca, mas isso não implica que ela não tivesse o vírus, né? A sensação que a gente tem é que todo mundo que chega com febre [no hospital] já vem o diagnóstico de coronavírus. E aí, quando meu irmão pegou [Covid-19], a gente achou que era isso mesmo”, diz.

Ela conta que o irmão, de 78 anos, chegou a encontrar a mãe por três vezes. “Ela não abria mão da presença dele, porque se viam todos os dias. E ela insistiu muito. Você sabe, pedido de mãe... E ele não resistiu e foi encontrá-la.”

A maior dificuldade, segue, foi contar para o irmão, então internado, sobre a perda da mãe. “Estava com muito medo de perdê-lo também. Foi um dos períodos mais difíceis da minha vida, se não for o mais difícil. É uma dor do tamanho do mundo. Mas agora estou bem resignada, o meu coraçãozinho acalmou”, continua. Depois de 30 dias internado, o irmão dela já tem alta.

Por integrar o grupo de risco da Covid-19, Zezé, com 75 anos, não participou do enterro da mãe—estiveram presentes dois sobrinhos. “E isso é a vida... Eu sempre digo: aqui não é o paraíso. Mas, mesmo assim, a gente gosta”, diz.

A fase da reação foi acompanhada da retomada de exercícios físicos e da terapia, além de momentos de oração. “Teve um período que me preocupou muito, que era a vontade de fazer nada. Sabe quando você desanima? Já que eu não posso fazer nada, eu não quero fazer nada. Aí, eu falei: ‘Vamos com calma, Zezé’. Tem que fazer alguma coisa, sim, porque daí para o fundo do poço, né?”

Ela recebe diariamente, por mensagem, uma série de pilates, enviada por seu professor. “Exercício é fundamental. Como não estou fazendo as minhas caminhadas na praia que eu tanto adoro [ela mora no Rio de Janeiro], tomei providências. Mas não vou dizer que faço diariamente [risos]. E tem que ser quando eu acordo, porque se não, dá preguiça.”

Às quartas-feiras, faz terapia, com sessões virtuais. “Toda vez que fica difícil eu peço socorro para alguém, porque tem horas em que a gente não dá conta mesmo. Viver é bom, mas não é fácil, né?”, diz. “A única coisa que eu sinto falta é daquele abra

A atriz está há três meses sem sair de seu apartamento, no Leme, na zona sul do Rio de Janeiro, localizado a uma quadra da praia. Ela conta com a companhia de Solange, que trabalha em sua casa, seu “anjo da guarda”, de segunda a sexta-feira. “Ela cuida da casa e cuida de mim”. Aos fins de semana, recebe a visita de filhos ou sobrinhas. “Tenho uma certa dificuldade de ficar sozinha. Estou até discutindo isso na minha análise. Ainda mais nesse momento, que não dá pra sair.”

E qual é a primeira coisa que pretende fazer no pós-pandemia? “Caminhar e dar um mergulho na praia. Infelizmente não consigo ver o mar daqui [de casa], tem só um prédio na minha frente”, diz, em tom irônico.

Depois de 40 anos em Ipanema, ela está há oito anos no apartamento do Leme —o mesmo em que morou a escritora Clarice Lispector. “Todos os meus amigos quando me visitam querem conhecer tudo. Foi na suíte que eu durmo que teve o incêndio [nos anos 1960, que fez com que a escritora fosse hospitalizada]. E tem até as pessoas que eu não conheço, que pedem para ver a casa.”

“Uma vez, um chileno me parou na rua e me abraçou. Eu tomei um susto! Ele tremendo, chorando, falou que precisava conhecer a minha casa, porque me adorava e adorava Clarice. E como dizer não, né? Mas, como levar um estranho pra casa? Aí, lembrei que tinha alguém lá em casa [risos], e deixei ele subir.”

Zezé conversou com a coluna por chamada de vídeo direto da sala. Em uma das paredes estavam dispostos retratos e pôsteres de suas apresentações. Sentada numa cadeira de madeira, com um piano à vista ao fundo, ela usava um vestido de flores de tons avermelhados, tinha o cabelo preso num rabo de cavalo e unhas pintadas da cor roxa. “Sou muito vaidosa. Só não estou te dando essa entrevista de dourado porque estou em casa”, disse, entre risos.

Ela completa 76 anos no próximo dia 27 e diz que não vê problemas em envelhecer. “Já tive todas as crises: a dos 40 [anos], dos 50 e dos 60. Aí, eu cansei. E agora, encaro como uma coisa natural. Agradeço a Deus por completar essa idade com a saúde física, mental e espiritual equilibrada. Agradeço também de estar fazendo 76 anos com prestígio, por ter amigos e pelos meus familiares.”

Por causa da pandemia do coronavírus, dois projetos em que Zezé estava envolvida tiveram que ser adiados. O primeiro, uma série da Globo baseada no livro “Fim”, de Fernanda Torres, que teve ensaios por quinze dias, mas foi jogada para 2021. O segundo, um convite para participar de um musical —que também foi adiado para o próximo ano.

Por outro lado, o isolamento social fez renascer seu interesse em compor e escrever poesia —que “estava meio adormecido”. “Por estar com mais tempo, tem me vindo umas ideias, fico anotando aqui para depois desenvolver.”

E esclarece que não está com tempo à toa. Logo após a entrevista, por exemplo, ela iria gravar um vídeo para agradecer à Prevent Senior ​pela doação de planos de saúde para todos os cerca de 50 residentes do Retiro dos Artistas, onde atua como vice-presidente.

Ela também é uma das diretoras da Socinpro (Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais). “Os músicos que não estão na mídia, que tocavam num barzinho, num clube, estão muito ferrados, sem ganhar um tostão. Estamos tentando ajudar alguns deles.”

Zezé afirma que ficou decepcionada com a gestão de Regina Duarte à frente da Cultura. “No começo, torci por ela, vi que aceitou [o cargo] bem intencionada. Mas depois fiquei muito decepcionada, percebi que ela estava completamente perdida e que não tinha sido uma boa escolha.”

Ela também critica o governo Jair Bolsonaro. “Estamos num momento muito difícil e ruim. A começar pelo presidente, né? Eu nunca imaginei, desde que acabou a ditadura, que a gente ia passar por um momento tão triste como esse que estamos passando. Com um presidente que não está nem aí, chamando esse vírus terrível de ‘gripezinha’”, diz.

A artista ocupou funções em órgãos de direitos humanos na gestão de Fernando Henrique Cardoso e, em 2009, no governo do Rio de Janeiro. “Participei da constituição da Fundação Palmares. Sempre estive muito envolvida com causas para melhorar o país e não para ficar esse caos. Para ter um presidente da Palmares [Sérgio Camargo] que diz que não existe racismo no Brasil. Não sei o que ele tem na cabeça, é muito triste”, diz.

“E temos que lutar até ele sair de novo desse cargo, eu não abro mão disso. E não só ele. Como o presidente [Bolsonaro] também”, continua.

Zezé tem acompanhado nas últimas semanas os movimentos sociais antirracistas tomando as ruas e as redes sociais para protestar após a morte de George Floyd durante uma abordagem policial em Minneapolis, nos EUA.

“Infelizmente teve que acontecer isso para a gente voltar a refletir sobre o racismo no Brasil. Está mais do que na hora de nós, aqui, com os movimentos que estavam meio adormecidos, voltarmos a brigar e a lutar contra o racismo. É um processo lento. Ninguém nasce racista, mas aprende a ser racista. Durante muito tempo, pelo menos no Brasil, o racismo era velado. Agora, com a tecnologia, ele é escancarado.”

“O racismo é uma doença que a gente precisa combater porque causa muito sofrimento para quem é discriminado.”

A atriz diz que as pessoas normalmente a associam ao movimento negro, mas esquecem de outras causas pelas quais ela milita. “Sempre estive muito preocupada com a questão da mulher, por exemplo, essa falta de reconhecimento. Me incomoda esse título de ‘sexo frágil’. E eu não sei de onde inventaram isso, né? Nós é quem parimos [risos], amamentamos, educamos, criamos... E ainda assim somos o ‘sexo frágil’.”

“Nossa, com essa idade a gente tem coisa pra contar, né?”, diz ela depois de quase uma hora de conversa. Antes de se despedir, conta com a ajuda de um assessor, que comanda um tour virtual para mostrar o apartamento que já foi de Clarice à repórter. “Não repare a bagunça”, diz Zezé, soltando mais uma risada.

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