Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'Estamos no mesmo mar, mas os barcos são diferentes', diz Erika Januza

Isolada em casa no Rio, a atriz se prepara para retomar as gravações da novela 'Amor de Mãe', reconhece privilégios e diz que é 'doido você ter que ficar todo dia defendendo a cor da sua pele'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Foi a necessidade de conseguir um cenário interessante para gravar um vídeo que motivou uma revolução no apartamento da atriz Erika Januza no Rio de Janeiro. “Não encontrei. Comecei a inventar”, diz.

*

Ela se empolga ao contar as tarefas que concluiu nos cinco meses de quarentena: pintou parede e a geladeira, trocou todo o piso da casa, comprou plantas e fez uma horta vertical —o próximo passo é trocar a cabeceira de sua cama. “A gente tá em casa o tempo todo agora. Aí olha a parede que sempre foi branca. Não aguentava mais”, segue.

*

Com isso, a atriz passou a compartilhar dicas de decoração em suas redes sociais. “Depois que passei a morar sozinha, virei uma verdadeira dona de casa. Você vê que virou adulta quando fica emocionada com uma panela nova”, diz, entre risos.

*

Nascida em Contagem, Minas Gerais, a atriz de 35 anos mora no Rio desde 2014, quando gravou a novela “Em Família”, da TV Globo. Ela estava no ar no folhetim “Amor de Mãe”, exibido pela mesma emissora, antes de a pandemia do novo coronavírus interromper as gravações, em meados de março.

Erika Januza
A atriz Erika Januza em seu apartamento no Rio de Janeiro - Gabriel de Jesus

*

Hoje, diz estar aguardando ansiosamente a volta ao trabalho. A Globo retomou as gravações da novela na segunda (10) —mas a atriz ainda não tem previsão de quando voltará aos sets. “Realmente quero saber. Quando você souber, você me conta?”, brinca. “Eu vou lendo os textos aqui, vou deixando a Marina [sua personagem] viva dentro de mim.”

*

Além da preparação para a novela e para a segunda temporada do seriado “Arcanjo Renegado”, da Globoplay, a atriz divide seus dias em uma série de compromissos virtuais.

*

“A minha sensação é que estou correndo mais agora do que antes”, diz. Além de fazer exercício físicos dentro de casa, Erika faz duas vezes por semana aulas de inglês, espanhol e fonoaudióloga. Também tem aulas de oratória e de samba.

*

Mas afirma que essa rotina não foi consolidada desde o começo da quarentena. “Por uns 15 dias eu vi filme atrás de filme, li livro atrás de livro. Assisti várias lives, fiz várias também. Dancei, passei noites tendo elas como companhia.” Ela conta que está seguindo rigorosamente a quarentena e que só sai de casa quando precisa fazer compras —e já aproveita para fazer tudo de uma vez só.

*

“Menina, eu tô bem certinha. Fiquei com bastante medo, bastante receio. Vejo que as pessoas afrouxaram um pouco né, mas eu continuo aqui firme. Não tenho feito nada assim, essas coisas de drive-in que as pessoas estão indo ou caminhar na rua e na praia. Estou ficando em casa mesmo”.

*

“Sou muito grata de ter conseguido criar uma rotina e manter a minha saúde, a minha sanidade. Mas eu sei que não é assim para todo mundo. Estamos no mesmo mar, mas os barcos são diferentes”, segue.

*

“É um privilégio [poder ficar em casa]. É muito complexo você pedir para as pessoas ficarem em casa, quando você tem essa condição, mas elas tem que sair para trabalhar, para conseguir dinheiro.”

*

A atriz critica a atuação do governo federal no combate ao coronavírus. “Está tudo confuso, mal organizado. E olha que não sou uma pessoa que gosta muito de falar de política”, diz. E emenda: “Não por não ter opinião, mas porque eu começo a falar e a despejar muita coisa aqui que eu não tenho que despejar nesse momento”.

*

“A gente tá vivendo uma pandemia, mas os problemas de governo não param. Não estão focados em resolver isso. Aproveitam que o povo não tá prestando atenção para focar em outras coisas”, segue.

*

Ela também aponta para a falta de conscientização coletiva das pessoas. “Se eu sei que ainda está rolando a pandemia, eu vou pro bar sem máscara? Vou ficar fazendo vídeo, achando bonito? Fazendo festa com muita gente? É uma falta de respeito com quem está morrendo e sofrendo”, continua.

*

A atriz conversou com a coluna por ligação de vídeo direto do apartamento dela, na zona oeste do Rio, onde vive há três anos. Vestia um top e uma calça legging de ginástica rosas, que combinavam com a parede do ambiente. As unhas azuis eram do mesmo tom dos fones de ouvido.

*

Erika diz que é muito vaidosa —e que manteve todos os cuidados na quarentena. “Me levanto, passo a minha maquiagem, tiro o pijamão. Gosto de me cuidar sim, não é sacrifício.”

*

Conta que sempre teve problemas com a autoestima. “Isso foi mudando aos poucos, mas volta e meia eu tenho esse vaivém”, afirma. E reconhece a responsabilidade de servir de exemplo para outras mulheres. Em seu perfil no Instagram, por exemplo, tem mais de 4 milhões de seguidores.

*

“Representatividade não é só eu que estou na TV. É aquela mulher que tem seu cabelo black e anda pela rua se sentindo poderosa. É a professora que assume a sua trança, é o médico negro, a juíza negra. Não precisa ser atriz ou blogueira.”

*

E diz como foi a sua experiência de decidir cortar os cabelos curtos pela primeira vez, em agosto de 2019. “Achei que as pessoas iam me achar feia, mas todo mundo começou a cortar e a me mandar foto. Você vê o impacto que isso tem nas pessoas”, segue. “Mas nem sempre a sociedade aceita. Muito pelo contrário, a sociedade massacra. Você ter o cabelo curto e liso, você é moderna. Mas quando seu cabelo é crespo, você é julgada.”

*

O retorno que recebeu das pessoas foi tão grande, diz, que resolveu promover um encontro para trocar experiências com essas mulheres. Ele ocorreu em 8 de março, quando ainda era possível se reunir de forma presencial. “Que as pessoas parem de julgar as outras pela cor e aparência”, escreveu a atriz em um post no Instagram na ocasião.

*

“O racismo permeia a minha vida há 35 anos. Nunca teve uma entrevista em que eu não tenha falado sobre esse assunto. Primeiro, porque sou negra e é um tema inerente à minha pessoa, à minha família e à grande maioria da população brasileira. E o racismo está aí. Se ele não estivesse, a gente não ia precisar falar sobre.”

*

“Mas precisou acontecer algo muito sério lá fora, para as pessoas voltarem a falar disso”, segue, referindo-se à morte do americano George Floyd por policiais, que impulsionou uma série de manifestações antirracistas nos Estados Unidos e em diversos países. “Porque as coisas muito sérias que acontecem aqui, as pessoas não dão tanta atenção. Parece que é algo tão cotidiano que a gente deixa passar. E só vê quem é negro”.

*

“É uma luta contínua, diária. E as pessoas não podem abrir os olhos só quando vem algo lá de fora para alertar, não. Nem sei mais o que falar sobre isso. É muito doido você ter que ficar todo dia defendendo a cor da sua pele. É algo que cansa.”

*

Ela critica o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que já chamou o movimento negro de “escória maldita”. “Vai me dando uma revolta. Como pode? Já começa errado o fato de a pessoa não acreditar na própria figura que dá nome à fundação. Não acreditar na cor da sua própria pele...”

*

“As pessoas têm que estar preparadas. Não vou colocar na minha farmácia um cara que não é farmacêutico, por exemplo. E não estou falando nem de estudo, não. Eu não sou formada em artes cênicas e estou aqui atuando, trabalhando.”

*

“A cultura no Brasil, é pra se preocupar mesmo fora da pandemia”, diz. “É uma falta de valorização do profissional, de investimento, de tudo. E quem mais acompanhou a gente nesse momento de quarentena se não a cultura?”

*

“Torço muito para que nesse novo normal as pessoas aprendam com o que passou para não querer viver isso de novo”, segue ela. “Vou levar adiante isso do autocuidado e também o respeito à ausência do outro. Espero que as pessoas valorizem mais a vida, mais a saúde e o coletivo.”

*

“Eu quero viajar, quero férias, quero um monte de coisas, como todo mundo quer. Quero ver as pessoas trabalhando, a economia girando e todo mundo crescendo. O que é bom pro mundo é bom para todos, né? Não é só pensar no meu bem não, mas no de todo o mundo.”

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.