Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Eu ainda sonho com um hit mundial', diz Supla

Aos 54 anos, músico paulistano fala sobre clipe gravado em Cubatão, rechaça a alcunha de punk e diz que não gosta de ser classificado à esquerda ou à direita

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Retrato do cantor Supla Mateus Mondini/Divulgação

Embora protagonize uma série de registros excêntricos na internet, como uma foto dentro de um elevador na qual veste cueca de couro, botas de cowboy e um casaco peludo com estampa de onça-pintada, foi uma entrevista improvisada, concedida no meio de uma rua da cidade de Cubatão, no litoral de São Paulo, a experiência inusitada que alçou Supla aos assuntos mais comentados das redes sociais no último mês.

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Na ocasião, o músico falou sobre o uso da cidade, cuja paisagem é marcada por um grande polo industrial, como cenário do clipe de sua nova música, “Kung Fu On You”. “Dá um aspecto meio futurístico, meio Blade Runner [filme pós-apocalíptico]”, explicou a um repórter da prefeitura local, contra quem insinuou alguns golpes da luta oriental.

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É de seu apartamento no centro de São Paulo, onde passa a quarentena, que Supla atende a coluna, por telefone. As primeiras tentativas de entrevista são interrompidas por ligações de pessoas do ramo musical. “Esse que me ligou agora é o dono da Rádio Cidade, do Rio. Ele queria me parabenizar porque tem muita gente pedindo a minha música nova”, diz, em tom animado, após retomar a conversa pela terceira vez.

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Lançada na última semana, a faixa “Kung Fu On You” integra o 17º álbum de sua carreira, sem lançamento previsto por causa da pandemia. Do alto de seus 54 anos e três décadas após seu primeiro disco, Eduardo Smith de Vasconcelos Suplicy diz ainda encontrar na música uma pulsão de vida.

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“Quando a gente perder nossos sonhos ou algo em que acreditar, é o dia de se aposentar. Eu ainda sonho com um hit mundial. Talvez ‘Kung Fu On You’? Não sei. [Sonho com] Aquele tipo de música que, quando toca no rádio, você fala: ‘Já não aguento mais escutar essa porcaria’.”

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Era a década de 1980 quando Supla trocou as aulas do curso de economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo pela vida sobre os palcos. “Eu só estava decorando. Passei de ano, mas não estava interessado no que fazia”, relembra. Suas primeiras apresentações foram no programa do Chacrinha e em danceterias paulistanas, como as finadas Pool e Radar Tantã.

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A estreia como vocalista de uma banda de punk, a Tokyo, foi precedida por um lapso de rebeldia, quando deixou a casa de seus pais, os políticos Eduardo Suplicy (PT) e Marta Suplicy (Solidariedade), para morar com os avós maternos.

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“Quando em casa o meu pai começou a se dizer político, eu fui embora. Eu acordei pela manhã e tinha um monte de político lá em casa, era um comitê. Tudo bem, eu não podia falar nada porque eu tinha casa, comida e roupa lavada, mas eu não gostei. Você acorda de manhã pra tomar café, de pijama, com aquela cara, e tem um monte de gente... Talvez, se eu tivesse ficado lá, poderia ter sido interessante.”

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Ser provocado a falar sobre a trajetória dos pais, com os quais cultiva uma relação próxima e de carinho, é, para Supla, como ouvir um disco arranhado. “Ah, cara”, diz, bufando, ao ser questionado se apoiaria uma eventual candidatura de sua mãe à Prefeitura de São Paulo neste ano. “Eu só sei que eu prefiro não falar disso. Eu respondo à coisa política dos meus pais há 34 anos de vida pública que eu tenho”, segue.

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“Não vou ficar reclamando, mas puta merda. ‘Ah, seu pai é maravilhoso’. Great [ótimo]. ‘Sua mãe é maravilhosa’. Ótimo. ‘Seu pai eu detesto, sua mãe eu detesto’. Ótimo, whatever [tanto faz]. Não é fácil. Não vou ficar chorando, eu tenho consciência de que por um lado abriu portas, mas por outro lado é complicado.”

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Apesar da intenção de distanciar-se dos pais publicamente, Supla não hesita em cantarolar o jingle que compôs para Eduardo Suplicy no pleito de 2018, em que ele concorreu a senador e acabou derrotado em terceiro lugar.

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“Eu amo a música que fiz para a campanha do meu pai, a que ele perdeu por causa de fake news”, diz, interrompendo a frase com um pigarro breve para aquecer a voz. “‘Trabalhadores brasileiros / Acreditem nos seus sonhos / Com Suplicy por seus direitos / Suplicy, 131, o amor é mais forte’. É uma música do caralho!”

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“Minha mãe é muito querida na periferia ainda. Muito, muito. E faz quantos anos [desde que foi prefeita]? Nem sei como os caras lembram. É roupa escolar, merenda, bilhete único, é todas essas porras aí. Mas você tem que perguntar pra ela, me tira desse jogo. Até hoje eu venho apoiando eles. Se não apoiar pai e mãe, vai apoiar quem? Aí você é um merda.”

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“Quantas mil oportunidades eu já tive para ter ido para a política? Mas não funciona assim, você tem que querer de verdade. O trabalho do político é para ajudar as pessoas, é quase um voluntariado. Tem muita gente entrando com segundas intenções, por um salário, para fazer negociata.”

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Supla diz preferir não se posicionar à direita ou à esquerda. “Não gosto de ser conceituado. Never liked that [nunca gostei disso]”, explica. “Eu sou pelo bom senso das coisas. Se você acha que olhar para os mais necessitados é de esquerda, eu não acho que é de esquerda, acho que tem que ter o bom senso das coisas.”

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“É que nem ‘ah, você é punk’. Eu não sou punk, vai tomar no seu cu, meu [risos]. O punk é uma coisa de que eu gosto, mas eu sou músico, gosto de tudo. O que eu mais faço é rock and roll.”

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Embora dispense vínculos com a política institucional, suas letras frequentemente abordam temáticas que ocupam o debate público no país —como a descriminalização das drogas, por exemplo. “Sou a favor da legalização de tudo”, diz ele, que em março parou de fazer o uso recreativo de maconha sem uma motivação específica. “Se eu quiser voltar a fumar, eu fumo."

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“A gente não pode precisar de babá, a gente tem que ter responsabilidade com as coisas. Acho que quem quer beber, bebe, quem quiser fazer isso [fumar], faz, mas tem hora pra tudo. Eu sou a favor da legalização de tudo, sim, mas é isso, as pessoas têm que ter consciência. Porra, todo mundo tem que se ajudar.”

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“Às vezes as pessoas usam essas coisas para aguentar a pancada da vida. Algumas tomam remédios também. Esse papo falso de ‘isso faz mal’ enche o saco. Nunca vi ninguém ficar agressivo porque tá fumando maconha. Você já viu?”

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O músico, que se define como sua própria gravadora, tem promovido lives nas quais já entrevistou nomes da música brasileira como Erasmo Carlos e Karol Conka. Desde seu estúdio caseiro, ele e os integrantes de sua banda apresentam músicas próprias e de terceiros, como um cover em heavy metal da melancólica “Jealous Guy”, de John Lennon.

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Enquanto espera a crise sanitária arrefecer para lançar seu novo álbum, Supla trabalha no lançamento de um cerveja artesanal que levará sua imagem estampada na lata e a frase “C’mmon kids” [vamos, crianças], uma das marcas de seu hábito de misturar as línguas portuguesa e inglesa enquanto fala.

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A versatilidade é mais um dos traços peculiares de Supla, que já transitou do mundo underground das bandas ao popularesco com realities como “Casa dos Artistas”, do SBT, e “Papito In Love”, da MTV.

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Num futuro próximo, ele pensa em fazer um filme sobre sua vida. “Já fiz cinema, mas gostaria de fazer mais. Tenho pensado até num documentário, bolar uma história de ficção junto com a minha carreira.”

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Embora tenha vivido parte de sua vida nos Estados Unidos, entre Michigan (“terra do Iggy Popp e da Madonna”, diz), Califórnia e Nova York, ele não pensa mais em viver fora do país. “Acho importante a gente ter uma casa, um lugar seu. Eu fiquei muito tempo viajando na estrada, e não é fácil”, conta.

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“Eu estou contribuindo bastante aqui no Brasil também. Acho que eu estou inspirando muita gente. Hoje um influencer meio bolsonarista me ligou, disse que há muitos anos foi morar em Nova York por minha causa. E eu sou uma pessoa muito bem-sucedida porque eu segui o meu caminho.”

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Se mudaria algo em sua trajetória? A resposta vem com os versos traduzidos da canção “My Way”.

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“Arrependimentos eu tive alguns, mas foram poucos para serem mencionados”, canta —não na versão da banda punk britânica Sex Pistols, mas de Frank Sinatra.

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