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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'As pessoas não gostariam de estar na minha pele', diz Maitê Proença

Aos 62 anos, atriz fala sobre peça autobiográfica, conta que não conversa com Regina Duarte desde desavença e responde a críticas sobre vídeo em que dava dicas de como fazer faxina

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A atriz Maitê Proença no Teatro PetraGold, no Rio Cristina Granato/Divulgação

Maitê Proença teve medo de morrer sozinha quando foi diagnosticada com Covid-19, em abril deste ano. “Será que vão me descobrir daqui a cinco dias, deitada na cama, quando eu estiver exalando eflúvios pelo prédio?”, pensou.

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Passado um mês, um segundo exame não apontou a existência de anticorpos para o novo coronavírus em seu sangue. “Um dos dois exames estava errado, imagino”, pondera. A chance de um falso positivo, no entanto, não tornou mais tranquilos os dez dias em que manifestou sintomas até então não experimentados por ela.

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“Eu fiquei fantasiando coisas horrendas. Lia sobre trombose, aparecia tudo, não foi nada bom. Eu não sou uma pessoa de dormir de tarde, mas houve dias em que precisei ficar quatro horas deitada pra recobrar a energia. Tive um sintoma estranho, uma espécie de tensão imensa no maxilar, pescoço e ombro misturada com uma salivação meio amarga, não sei descrever.”

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A atriz Maitê Proença no Teatro PetraGold, no Rio - Cristina Granato/Divulgação

Foram cinco meses de isolamento quase solitário em seu apartamento na praia de Copacabana, no Rio. “Houve quedas de ânimo assustadoras. A rotina me salvou”, conta. “Não fiquei parada pensando em desgraças. Saí pra caminhar na praia, de máscara e prendendo a respiração se alguém se aproximasse mais do que a distância segura. Caí no mar vez ou outra. E estive na casa de minha filha. Só.”

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A primeira saída de casa por outras razões se deu em agosto, quando foi ao Teatro PetraGold, na zona sul carioca, para fazer ensaios. Aos 62 anos de idade, a atriz apresenta o monólogo autobiográfico “O Pior de Mim”, roteirizado e encenado por ela mesma.

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O assassinato de sua mãe pelo próprio pai, a paixão pela cantora norte-americana Carole King na juventude e as inseguranças advindas da edificação de sua carreira nas artes cênicas são desveladas aos olhos do público —que a assiste de suas casas, e não das fileiras do teatro.

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“É um modelo que nós nunca fizemos”, conta sobre sua primeira experiência, em quatro décadas de atuação, com o teatro virtual. “Todo o meu registro de teatro consiste em projetar a minha expressão e a minha voz para que elas cheguem lá na última fila [de espectadores]. Agora tem uma câmera, e, pra agarrar quem está em casa, tudo precisa ser íntimo.”

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Com ingressos a R$ 10, a última apresentação de “O Pior de Mim” ocorreria na próxima quarta (30), mas a peça foi estendida até outubro. Em sua estreia, a montagem contou com um público de 620 pessoas, celebrado pela atriz. “As pessoas que entraram, ficaram. Isso é muito maravilhoso. Eu já vi outras peças em que as pessoas vão evadindo, é um êxodo do Egito.”

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Ao final do espetáculo, um telão exibe, alternadamente, o rosto daqueles que consentem em abrir suas câmeras. “Sem dúvida, foi a minha estreia mais aplaudida. Fiquei horas e horas recebendo textos imensos. Eu chorei muito depois do final, quando ninguém mais estava vendo.”

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Maitê não entra em detalhes sobre os assuntos pessoais abordados em sua obra. “A peça não é sobre minhas tragédias pessoais, essas não importam. É sobre as suas”, diz à repórter da coluna, em conversa por videoconferência. Na primeira tentativa de entrevista, problemas de internet dificultaram a comunicação, e a atriz se recusou a continuar por telefone.

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“Tem 42 anos que eu dou entrevista, imagine quantas vezes as palavras foram torcidas. Eu já vi a pergunta ser alterada, o que fez com que a minha resposta se transformasse em outra coisa. Já aconteceu de tudo. Eu gosto mais de olhar no olho”, explica, na segunda videoconferência.

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Nesta quarentena, a atriz já fez lives no Instagram, publicou vídeos no YouTube nos quais contava histórias de mulheres inspiradoras —a revolucionária Rosa Luxemburgo, a cantora Nara Leão e a atriz Anna May Wong foram algumas delas— e ensinou seus seguidores a produzirem materiais caseiros para higiene da casa e do corpo.

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Em um tutorial intitulado “faxina”, deu dicas sobre como passar aspirador de pó para aqueles que, assim como ela, precisaram dispensar seus funcionários em razão da pandemia. “Se você, como eu, está fazendo isso pela primeira vez, recomendações: 1. Troque apoio da perna; 2. Troque de braço; 3. Alongue a lombar de 10 em 10 minutos. Ainda assim ela vai doer depois; 4. Persevere, não é mole!”, escreveu.

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A iniciativa foi alvo de chacota nas redes sociais. “Força, guerreira”, “esfrega na cara do povo brasileiro que é sua primeira faxina” e “me poupe com seus vídeos burgueses” foram alguns dos comentários recebidos na postagem.

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“Eu gostaria de poder não provocar nenhum tipo de animosidade em ninguém, que todo mundo pudesse me julgar bem, mas a essa altura da vida já entendi que isso nunca vai acontecer. Mas há outros motivos pelos quais as pessoas não gostariam de estar na minha pele. Nem tudo é um aspirador de pó de melhor qualidade.”

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“Eu vi até uma crônica dizendo ‘ah, essas pessoas com esses televisores gigantes e quadros na parede’. Mas ela quer que eu faça o quê? Eu também estou confinada em casa, esta é a minha casa. Ou então agora eu vou ter que criar um cenário de indigência dentro da minha própria casa e fingir que não tem quadro na parede? Fingir que a minha televisão é pequenininha? As pessoas vão criticar de qualquer maneira.”

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“O público tem uma tendência a colocar quem eles veem na televisão, nas séries e nas novelas num púlpito quase sagrado. Quando você desce dali, não perde nada, só ganha com uma comunicação mais verdadeira. É uma ilusão achar que você é adorado.”

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Por outro lado, as redes sociais foram para ela uma companhia importante durante o isolamento. “Me salvou muito de uma solidão”, diz Maitê.

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“Se eu vou fazer ginástica, por que eu não faço na frente das pessoas? Eu tenho que ficar perfeita, fazer aquela esticada como se eu fosse a [ex-ginasta romena] Nadia Comăneci?! Não precisa. Eu vou mostrar para as pessoas que elas podem fazer mais ou menos. O melhor que você puder fazer, já é uma maravilha.”

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Em maio deste ano, a então secretária especial da Cultura, Regina Duarte, encerrou uma entrevista à emissora CNN Brasil após ser confrontada com críticas feitas por Maitê, que pediu soluções para a classe artística. “Eu não quero ouvir, ela tem o meu telefone. Eu tinha tanta coisa para falar”, disse Regina Duarte naquela ocasião.

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Durante a entrevista, Regina ainda falou que não queria “arrastar um cemitério de mortos” depois de ser questionada sobre os crimes da ditadura militar. “Sou leve, tô viva, estamos vivos. Vamos ficar vivos. Por que olhar para trás? Não vive quem fica arrastando cordéis de caixões”, justificou.

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Desde então, as duas atrizes não se falaram. “Fui a primeira a defender o direito da Regina a seu pensamento individual, à sua postura política, ainda que diferisse da minha”, diz Maitê. “Me senti no direito de pedir que, depois de três meses no cargo, ela desse satisfações à classe e explicasse quais as medidas em andamento para mitigar a crise em que cinco milhões de trabalhadores das artes estavam afundados.”

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Tendo dividido palco ao lado de nomes como Beth Carvalho e Fafá de Belém nas Diretas Já, Maitê diz já não ter mais o entusiasmo de outrora para fazer oposição ao governo Jair Bolsonaro. “[Naquela época] A gente tinha certeza de que o Brasil era um país perfeito. Nenhum país tem tantas benesses como o nosso.”

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“Eu sou uma otimista patológica, sempre acredito que vai funcionar. Sempre acordo com um bom humor maravilhoso, tudo uma maravilha, cantando e dançando, mas, ao longo do dia, à medida que a realidade vai se pondo, eu vou percebendo que não é bem daquele jeito. Todo dia é isso”, diz, aos risos. “Não dá pra estar feliz nesse momento.”

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“Nós estamos no limite da floresta virar deserto”, afirma sobre as queimadas. “Isso me preocupa muito e é mais importante do que o governo Bolsonaro. A essa altura, se com tudo o que a gente lê nos jornais ele ainda não caiu, resta esperar pacientemente até que o tempo passe, as coisas se ajeitem e as pessoas votem com mais consciência.”

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