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Pesquisador da Fiocruz diz que instituição 'reforça narrativa de Bolsonaro' ao negar segunda onda de Covid-19 em Manaus

Divergência sobre lockdown para a capital do Amazonas acirra debate interno na instituição

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O crescimento de casos de Covid-19 em Manaus está causando profundas divergências e discussões intensas na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Um de seus pesquisadores que mais tem se destacado na análise dos dados da cidade, Jesem Orellana, sustenta que a segunda onda já está em formação e que não é preciso esperar seu pico para alertar sobre os efeitos nefastos que ela poderá gerar.

Orellana tem recomendado enfaticamente a necessidade de lockdown no município, gerando reações de autoridades do estado do Amazonas que discordam dele. O prefeito Arthur Virgílio (PSDB-AM), no entanto, já afirmou que é a favor da medida.

A Fiocruz reconhece que os casos de infecção pelo novo coronavírus estão aumentando em Manaus. E diz que não defende o lockdown. Ela recomenda, sim, o distanciamento social.

A fundação divulgou uma nota endossada por vários grupos de pesquisadores para sustentar a sua posição (leia a íntegra mais abaixo).

Numa mensagem enviada por WhatsApp nesta terça (29), Jesem Orellana afirmou que foi desautorizado a falar em nome da fundação. Ele diz que foi orientado a "não me identificar como sendo da Fiocruz​ em entrevistas sobre Lockdown". Diz que a pessoa que conversou com ele "foi além, ao afirmar que 'a Fiocruz não recomenda Lockdown', o que antes de tudo é, no mínimo, desprovido de amparo científico e apenas reforça a narrativa do Presidente Bolsonaro".

"Este é o meu limite, daqui em diante, cabe à sociedade e ao poder público decidirem nosso futuro. O que me preocupa é que o contexto atual é o mesmo de março, quando havia uma certa apreensão, mas ninguém nunca imaginou o que poderia acontecer em abril/maio: uma catástrofe sanitária sem precedentes. Obviamente, não teremos nada parecido com a primeira onda nos próximos meses. Mas naturalizar adoecimentos e mortes é algo grave, desumano e antiético", diz ainda o cientista.

Leia a íntegra da nota do pesquisador Jesem Orellana:​

Saibam que a comunicação da FIOCRUZ-RJ (ligada diretamente à Presidência) me orientou a não me identificar como sendo da FIOCRUZ em entrevistas sobre Lockdown e, foi além, ao afirmar que “a FIOCRUZ não recomenda Lockdown”, o que antes de tudo é, no mínimo, desprovido de amparo científico e apenas reforça a narrativa do Presidente Bolsonaro (https://amazonasatual.com.br/presidente-classificou-como-absurda-proposta-de-lockdown-feita-por-arthur/). Pedi provas documentais/científicas e essa pessoa recuou dizendo que, na verdade, dependia de "bom senso".

Essa pessoa ainda me chamou de “sem noção” por ter aventado a possibilidade de Lockdown em Manaus. Apenas reforço, que em todas as entrevistas disse que quando falhamos com medidas menos extremas, caso de Manaus, só resta o Lockdown.

Em junho um documentário que seria veiculado pela EBC foi suspenso, depois de ampla divulgação. Detalhe, tinha uma fala minha (e talvez de outros cientistas) criticando a forma ineficaz que o governo federal vinha administrando a epidemia. Resultado? Suspenderam o programa de última hora. Até entendo, pois trata-se de emissora do governo. Agora, a FIOCRUZ fazendo isso comigo é dureza!
Para o bem ou para o mal, pelo menos por enquanto, irei me abster de comentários sobre a situação de Manaus nos mais diferentes meios. Creio que fiz o que estava ao meu alcance, pois tenho emitido alertas desde agosto e agora, quase 40 dias depois, a realidade é a que temos acompanhado: número de infecções aumentando, de casos novos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), de internações em leitos clínicos e de UTI.

Este é o meu limite, daqui em diante, cabe a sociedade e ao poder público decidirem nosso futuro. O que me preocupa é que o contexto atual é o mesmo de março, quando havia uma certa apreensão, mas ninguém nunca imaginou o que poderia acontecer em abril/maio: uma catástrofe sanitária sem precedentes. Obviamente, não teremos nada parecido com a primeira onda nos próximos meses. Mas, naturalizar adoecimentos e mortes é algo grave, desumano e antiético.

Como epidemiologista, meu dever é o de antecipar o pior, ajudando a poupar vidas e mais sofrimento. Mas, vejo que o modelo hegemônico é o de contar mortos!

Saibam que me retiro de cabeça erguida e com a sensação de dever cumprido. Nas duas últimas horas recebi três pedidos de entrevistas, entre eles um da BBC, mas optei pelo silêncio moral e pelo mais profundo repúdio a tudo que tenho acompanhado!

Jesem Orellana

Epidemiologista-FIOCRUZ/Amazônia

Leia a nota da Fiocruz:

"A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou hoje (20/9) uma nota técnica sobre a situação epidemiológica atual do estado do Amazonas e, em particular de sua capital, Manaus, decorrente da evolução da epidemia de Covid-19.

Segundo dados nacionais da vigilância de Síndromes Respiratória Aguda Grave – SRAG, a partir da semana 34 (16/08 a 22/08), os pesquisadores observaram um sinal de retomada de crescimento na tendência de longo prazo nos casos tanto no estado, como na capital, em Manaus. A nota técnica pontua um crescimento ainda lento de casos, porém persistente.

Além da taxa de incidência de SRAG no estado, o documento traz análises sobre a evolução de casos confirmados e óbitos de covid-19, e ocupação de leitos de UTI no estado.

Em razão dos dados levantados, a nota aponta a necessidade de reforço das medidas de proteção individual e coletiva; aumento na capacidade da testagem de casos suspeitos e contatos, e da vigilância epidemiológica local, com ampliação da captação de suspeitos por meio da demanda passiva e busca ativa de casos; do fortalecimento da rede de atenção ao Covid-19 dentro do caminho percorrido da atenção primaria à atenção terciária; e destaca a importância da realização de um estudo epidemiológico de campo na cidade de Manaus que possa auxiliar e orientar planejamento e monitoramento dessa epidemia.

A nota técnica foi elaborada pelo Observatório Covid-19 da Fiocruz e pela Fiocruz Amazônia. O Observatório Covid-19 Fiocruz divulga boletins semanais sobre a situação epidemiológica dos estados, com dados integrados de diversos sistemas de monitoramento. As plataformas de informação, bem como as edições do boletim estão disponíveis no Portal Fiocruz." ​

Leia a íntegra da nota técnica aqui.

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