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Sem autorização, defensor antiaborto atuou em portaria para dificultar acesso ao procedimento

DPU diz que conduta pode ser analisada pela Corregedoria-Geral do órgão

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A portaria publicada pelo Ministério da Saúde em agosto deste ano com novas regras que dificultavam o acesso ao aborto legal foi formulada pela Associação Virgem de Guadalupe, ligada ao Movimento Brasil sem Aborto, por intermédio de um defensor público da União que não havia sido designado formalmente para atuar no caso.

Danilo de Almeida Martins representa a Associação Guadalupe na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que solicita ao STF (Supremo Tribunal Federal) que exclua a incidência de artigos do Código Penal sobre a interrupção induzida e voluntária da gestação nas primeiras 12 semanas.

Questionada pela coluna, a Defensoria Pública da União (DPU) afirma, em nota, que Martins foi designado para atuar apenas na ação que tramita no Supremo. "Sobre as demais atuações que não digam respeito à ADPF 442, a análise que diga respeito à conduta funcional dos defensores em sua atividade fim cabe à Corregedoria-Geral da DPU."

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Manifestantes participam de protesto contra a liberação do aborto, na avenida Paulista, em São Paulo - Cris Faga - 2.dez.2018/Folhapress

O defensor público federal está lotado na unidade de Belo Horizonte (MG) da DPU e responde a um pedido de impugnação de sua nomeação para atuar na ADPF, protocolado em agosto deste ano. A análise, que se encontra no Conselho Superior do órgão, foi interrompida após pedido de vista de um dos conselheiros na semana passada.

Em ofício enviado ao Ministério da Saúde em 13 de fevereiro deste ano, Martins pediu a modificação de portaria publicada em 2005, que excluía a necessidade de apresentação de boletim de ocorrência ou laudo do IML (Instituto Médico Legal) para o acesso ao aborto em casos de estupro.

"A exigência de boletim de ocorrência associada à previsão da obrigatoriedade de o médico comunciar a autoridade competente a existência de um crime contra a liberdade sexual resultará em um maior controle deste tipo de procedimento", justificou.

De acordo com documentos obtidos pela coluna via Lei de Acesso à Informação, Martins anexou ao pedido enviado ao ministério um ofício de fevereiro de 2019, assinado pelo defensor público-geral federal, Gabriel Faria Oliveira, que o autorizava a representar a Associação Virgem de Guadalupe no STF.

A alteração da norma proposta pelo defensor foi rejeitada pelas gestões de Luiz Henrique Mandetta e Nelso Teich, mas tiveram sua publicação precipitada sob o ministro Eduardo Pazuello após a repercussão do caso da criança capixaba de 10 anos, que, vítima de abuso sexual, engravidou e precisou sair do Espírito Santo para ter acesso ao aborto previsto em lei.

A Associação Virgem de Guadalupe também participou de comitiva articulada pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, para demover a menina de realizar uma interrupção voluntária da gestação. A operação foi revelada pela Folha em setembro.

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Manifestantes se reúnem diante de hospital em Recife para protestar contra o aborto legal em uma menina de dez anos grávida após ser estuprada - Filipe Jordão-16.ago.20/JC IMagem

Em 8 de abril, um parecer técnico emitido pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde, ligada ao ministério, denegou o pedido do defensor público. "A supressão de atos infralegais que dão curso ao que a lei determinou pode significar hiato normativo gerador de barreiras de acesso ao cuidado", respondeu o órgão.

Danilo de Almeida Martins reenviou o ofício ao Ministério da Saúde em 29 de abril, já sob Nelson Teich. O pedido foi novamente barrado pela secretaria, que repetiu o parecer anterior.

Uma terceira tentativa de modificar a portaria para o aborto legal, ainda em nome da Associação Virgem de Guadalupe, foi realizada em 3 de junho —dessa vez, bem-sucedida. Encaminhada a Eduardo Pazuello, a solicitação foi acolhida em 9 de julho pela diretora substituta do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do ministério, Maria Dilma Alves Teodoro.

O processo permaneceu intocado até 24 de agosto, oito dias após a menina capixaba de 10 anos realizar o aborto legal em Recife (PE).

No dia 19 daquele mês, uma solicitação semelhante em prol da obrigatoriedade do boletim de ocorrência para a realização do aborto foi enviada à Saúde e à Presidência pelo Instituto de Defesa da Vida e da Família.

O protesto resultou em um ofício expedido pelo Gabinete Pessoal do Presidente da República, Jair Bolsonaro, que solicitou "a revogação de normas técnicas e portarias que versam acerca da realização do aborto e da violência sexual contra mulheres, crianças e adolescentes".

Por fim, em 27 de agosto, a Secretaria de Atenção Primária à Saúde respondeu, assim como havia feito ao receber o ofício Instituto de Defesa da Vida e da Família na semana semana anterior, que a matéria já se encontrava "em estudo". Nequele mesmo dia, foi enviada a Pazuello uma proposta de redação da portaria —a qual foi aprovada e publicada no dia seguinte, em 28 de agosto.

Em junho deste ano, o defensor público da União Danilo de Almeida Martins participou da 13ª Marcha Nacional pela Vida, promovida virtualmente pelo Movimento Brasil sem Aborto.

"Existe uma portaria do Ministério da Saúde que é da época do governo do PT, e essa portaria ela facilitou demais essa questão de você chegar no hospital e dizer: 'Ó, eu sofri estupro e quero abortar'", afirmou na ocasião, ao citar o pedido de modificação da portaria enviado ao ministério.

Procurado, Martins não respondeu aos questionamentos até a publicação deste texto.

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