Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Quem vê o close, não vê o corre', diz tiktoker Vittor Fernando

Aos 26 anos, ator e bailarino virou tiktoker na pandemia, já tem 3,3 milhões de seguidores e foi incorporado à Play9, agência quem tem o influenciador Felipe Neto como sócio

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O ator, bailarino, influenciador digital e tiktoker Vittor Fernando em sua casa, em São Paulo Danilo Verpa/Folhapress

O adolescente chega numa loja e já vai informando nome completo, endereço e CPF para terminar logo a compra. Já a mãe faz ele passar vergonha: de outra geração, ela desconfia das perguntas do vendedor, solta um grito (“CPF? De jeito nenhum que eu passo meu CPF!). E vai embora arrastando o filho.

Em outros capítulos, ela perde a paciência ao ajudá-lo com o exercício de matemática, ele dorme no meio da aula virtual na quarentena e festeja quando cresce e vai morar sozinho —mas as ilusões se desmancham ao se ver jantando bolacha maisena com água.

As pílulas de um cotidiano até banal, mas comum a crianças, adolescentes e adultos têm arrancado gargalhadas de 3,3 milhões de seguidores de Vittor Fernando no TikTok. Aos 26 anos, ator e bailarino, ele interpreta todos os personagens da trama —um filtro que distorce o rosto e a voz e alguns adereços fazem parecer que um elenco numeroso participa dos esquetes.

Vittor Fernando já tem 110,1 milhões de curtidas no TikTok (a cantora Anitta, por exemplo, possui 33,8 milhões de likes, embora acumule três vezes mais seguidores do que ele). A marca o alçou à posição de influenciador digital e, mais especificamente, à de tiktoker, como são chamados os usuários que se destacam.

O ator, bailarino, influenciador digital e tiktoker Vittor Fernando em sua casa, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

O aplicativo de origem chinesa soma hoje mais de 800 milhões de usuários ativos, o que o coloca no patamar de signos já consolidados como Instagram, que agrega mais de 1 bilhão de usuários, e Facebook, com 2,6 bilhões.

“Quando eu comecei, as pessoas falaram: ‘Nem tem 13 anos e está fazendo tiktok’”, conta Vittor Fernando. Ele começou a produzir os filmes em março deste ano, motivado pelas circunstâncias da quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus.

“Comecei a fazer os vídeos para me distanciar um pouco da realidade pesada. Depois, eu senti que estava causando um impacto positivo nas pessoas. Não é alienação o que eu quero [provocar], mas um momento de alívio.”

Oito meses após seu primeiro viral, uma peça em que imitava a rapper norte-americana Cardi B, Vittor foi convidado a integrar a Play9, estúdio de conteúdo especializado na criação e desenvolvimento de projetos digitais e audiovisuais que tem como sócios o youtuber e influenciador Felipe Neto, o jornalista João Pedro Paes Leme e o ex-diretor-executivo do Comitê Olímpico do Brasil Marcus Vinícius Freire.

“Quem vê o close, não vê o corre, é aquele ditado [risos]. As pessoas acham que é só estar com uma camiseta na cabeça, que é só colocar um filtro, mas é um ‘trampo’ quando você realmente se torna um criador de conteúdo. Eu criei personagens e uma linguagem mesmo. É uma construção, é arte, é teatro.”

Uma análise de suas redes aponta pessoas de 16 a 30 anos como seu público mais frequente, mas o conteúdo que produz, amplamente compartilhado, extrapola as métricas e até mesmo seus canais.

“Tem muitas pessoas de 40, 50 anos que gostam dos meus vídeos. Às vezes não conta tanto nas redes porque a pessoa não está tão ativa na internet, mas sempre tem alguém jovem que me fala: ‘Minha mãe é sua fã’”, afirma.

Mas a ideia de se tornar um fenômeno e até mesmo um usuário frequente do TikTok não havia passado por sua cabeça até o início das políticas de distanciamento social —quando seu perfil no Instagram costumava ter uma foto publicada por mês.

A mais nova vida de influenciador, no entanto, significou para Vittor Fernando muito mais que likes e reconhecimento. Ela permitiu que ele saísse da periferia de Poá, na região metropolitana de São Paulo, onde cresceu, para morar na Vila Olímpia, região nobre da capital paulista. À coluna, ele fala de sua trajetória e de sua ascensão inesperada como tiktoker.

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Raízes

“Desde muito cedo eu me descobri artista. Sempre desenhei, cantei, dancei balé, fiz teatro. Mas também tive que trabalhar para ajudar a minha família. Eu tenho uma família muito simples, muito humilde. Meu pai saiu de casa ‘cedão’. E eu sempre tive que conciliar tudo isso, mas nunca deixei a arte de lado. Estudei em escola pública.”

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“Eu já passei necessidade nesse tempo que meu pai deixou a gente, quando eu tinha 7 ou 8 anos. E é muito louco porque eu sempre ouvi que a única coisa que dava cadeia no Brasil era não pagar pensão. No caso do meu pai, ele nunca pagou.”

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“Minha mãe teve que se reinventar depois de adulta e trabalhar com profissões que são dignas, mas não bem remuneradas. Ela saía de casa às 4h da manhã e voltava às 23h. Lembro da minha irmã e eu, novinhos demais, cozinhando, porque a gente ficava sozinho, e usando uma cadeira para alcançar o arroz em cima da geladeira. Já comi pão sem nada com café. É alimento, mas foram momentos difíceis.”

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Primeiros passos

“Eu comecei a cantar na igreja [evangélica] Brasil para Cristo, em Poá, quando criança. E a minha mãe às vezes fazia eu cantar para as visitas. Coisa de mãe. Voltei a cantar [anos depois] no teatro musical, como uma coisa profissional.”

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“Meu primeiro emprego foi como menor aprendiz. Eu trabalhava em núcleos de atendimento à população da prefeitura. Eu ficava preenchendo currículo para quem não tinha como pagar para ir numa lan house. Também fazia pedido de certidão de nascimento de gente que era de outro estado e não conseguia.”

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“Na adolescência, comecei a estudar balé clássico numa escola perto de casa. Eu via a preocupação de alguns parentes, porque tinha que estudar, trabalhar meio período e ainda me dedicava muito ao balé. Eles não viam como um futuro. Mas isso foi tranquilizado conforme foi dando tudo certo.”

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‘Com internet?’

“Aos 18 anos, surgiu uma oportunidade de trabalhar numa companhia de teatro musical. Comecei a viajar o Brasil, conheci muitos lugares e vivi uma realidade muito diferente da que eu tinha. Fiz peças de grande porte, [vindas] da Broadway [dos Estados Unidos]. Fiz publicidade, participei de um filme, e agora tô aí, trabalhando com internet.”

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“Na cabeça da minha mãe, tudo o que eu faço, todo primeiro passo, é uma loucura. Ela fica: ‘Trabalhando com internet? Gritando no quarto com uma camiseta na cabeça?’ [risos].”

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“Quando alguém minimiza, não é nem por maldade. Eu acho que é meio que do desconhecimento mesmo. As pessoas estão muito propensas a falar algo negativo de alguma coisa que elas não conhecem.”

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De paraquedas

“É muito fora da realidade, é tudo muito novo. A Ivete Sangalo me seguiu no TikTok! Mas uma pessoa que primeiro me causou esse impacto foi a [atriz e ex-youtuber] Kéfera. Sempre fui muito fã dela. Hoje em dia a gente tem uma amizade que foi construída na quarentena. A gente faz uma chamada de vídeo e parece que se conhece há anos.”

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Inspiração

“O que eu faço muito é anotar tudo o que vem de ideia. Como eu estou em quarentena, muita inspiração vem dessa convivência com a família, de lembrar como a mãe é. Eu costumo gravar todos os dias, por enquanto está dando.”

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O primeiro cachê

“Eu paguei os boletos. Imagina: artista, desempregado e em quarentena em casa, com as contas vindo [risos].”

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Cancelamento

“Quem não tem medo, né? Eu tenho bastante. Acho, sim, que a gente tem que falar sobre muitos assuntos, e é importante levantar pautas. Mas acredito também que existe um lance de radicalismo por conta das pessoas estarem atrás de um celular. Tenho percebido um pouco disso: as pessoas nem te veem como uma pessoa, mas como um vídeo. E não medem as palavras.”

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“Já me criticaram por eu retratar mulheres. Não estou falando que eu saiba da vida da mulher, mas é a minha mãe, eu vivi com essas mulheres que eu tenho representado. Eu não vou abrir mão de falar das minhas vivências, mesmo que outras pessoas não concordem. Isso sou eu, é a minha vida. São as minhas histórias com a minha família. Disso eu não abro mão.”

O ator, bailarino, influenciador digital e tiktoker Vittor Fernando em sua casa, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

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