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Descrição de chapéu Coronavírus

'Se tem uma coisa que une saúde, vida e economia é a vacina', diz diretora do Hospital das Clínicas

Eloisa Bonfá fala sobre exaustão dos profissionais de saúde do HC, diz que explosão de casos é esperada para janeiro e pede que a população se cuide

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A diretora clínica e professora Eloisa Bonfá no Hospital das Clínicas da FMUSP, na capital Zanone Fraissat/Folhapress

Um temor chegou junto com o Natal deste ano. Se para alguns a data tornou-se pretexto para decretar o fim do distanciamento social, para outros, que há meses estão na linha de frente de uma crise sem data para acabar, o intervalo entre esta sexta (25) e a chegada de 2021 prenuncia o recrudescimento da epidemia de Covid-19 em meio à sensação de exaustão generalizada.

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No segundo grupo estão Eloisa Bonfá, diretora clínica do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, o maior complexo hospitalar da América Latina, e todos os profissionais de saúde sob sua batuta.

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Após a queda no número de internações pelo coronavírus em setembro e o início do remanejamento de leitos para outras enfermidades, o HC, que só recebe quadros graves, já se prepara para uma possível explosão de casos em janeiro.

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“É como se o soldado tivesse saído da guerra e nós já tivéssemos que recrutar de novo”, diz Eloisa sobre sua categoria. “As trincheiras estão sendo preparadas para que, se acontecer, a gente consiga dar uma resposta que seja boa para São Paulo.”

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As pessoas estão exaustas. O grande apoio que a sociedade pode nos dar agora é se cuidar. Não estamos falando de isolamento, mas de cuidado, afastamento, usar máscara. Isso vai fazer toda diferença até a vacina chegar.”

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Em novembro passado, a infectologista Christina Gallafrio Novaes, do HC, encaminhou uma mensagem a amigos com apelo dramático, pedindo que as pessoas voltassem a intensificar os cuidados.

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“Está sendo muito difícil manter nossa saúde mental e física com uma carga de trabalho tão grande de forma contínua desde o início do ano. O descaso vem de cima, eu sei, contra isso não temos muitas armas. Mas aqui, neste grupo querido, tenho certeza que posso contar com a compreensão, apoio e esforço de vocês. É temporário”, dizia o texto.

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A diretora clínica e professora Eloisa Bonfá no Hospital das Clínicas da FMUSP, na capital - Zanone Fraissat/Folhapress

O Hospital das Clínicas é composto por oito institutos. Com a chegada do vírus, o Instituto Central foi adaptado exclusivamente para casos de Covid-19. Dos 2.400 leitos, cerca de 500 estão reservados para pacientes que receberam o diagnóstico da doença. Desde o dia 30 de março, seis mil pessoas já foram atendidas no local.

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“Por ser uma pandemia que fica entre quatro paredes, as pessoas não veem o que acontece. Em cada dez na UTI, oito estavam intubados”, afirma a diretora. “Na maior parte das pessoas, vai ser uma gripezinha leve, mas naqueles que ficam graves, é muito grave.”

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“As pessoas precisam acreditar que não é hora de ‘estou com saudade da minha mãe, vou visitar minha avó’. Não tem justificativa. Se você gosta mesmo do seu familiar, tem que entender que, se ele adoecer, ele precisa ter leito.”

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Atualmente, dois terços da demanda do HC é de pacientes não Covid. São pessoas com doenças descompensadas, que acabaram aguardando nove meses para passar por um procedimento. “Tem muita gente tendo coisas gravíssimas que só a gente consegue atender”, explica a médica.

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“Se a gente vai ter uma nova onda em janeiro, não sabemos, mas, se tivermos, temos que estar preparados. Isso faz toda a diferença. Agora, não existe um número mágico. A gente pode se preparar para mil e vir três mil.”

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A chegada do vírus ao estado de SP exigiu do complexo hospitalar uma operação faraônica. Embora seu comitê de crise tivesse sido reativado no dia 29 de janeiro em razão do avanço do contágio no mundo, a falta de previsibilidade marcou todo o processo.

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O consumo de máscaras no HC passou de quatro mil mensais para 40 mil. Em dez dias, todos os pacientes não Covid que estavam no Instituto Central, incluindo bebês de alto risco intubados no berçário, foram levados a outras unidades. O Instituto do Coração (InCor) transformou-se em pronto-socorro geral, atendendo de AVCs a partos.

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A falta de respiradores no início da epidemia foi contornada com improvisos. “Contratamos anestesistas, que estavam subutilizados porque tinha pouca cirurgia eletiva e sabiam mexer no equipamento de anestesia como se fosse um ventilador”, relembra. “Com isso, nós conseguimos chegar no final de maio com 300 leitos de UTI. A pressão foi muito grande. No pico, chegamos a aceitar 60 pacientes por dia.”

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“Quando entramos no Instituto Central, que virou a nossa casa, tínhamos a ideia de que ficaríamos lá uns três meses, como aconteceu com quase todos os países. Você não podia imaginar, no pior dos seus sonhos, o que iria acontecer.”

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A diretora clínica e professora Eloisa Bonfá no Hospital das Clínicas da FMUSP, na capital - Zanone Fraissat/Folhapress

O período tem sido marcado pelo esgotamento. Eloisa Bonfá cita casos de colaboradores que manifestaram o desejo de deixar o hospital e até mesmo ameaçaram greve. “É natural que as pessoas estejam realmente cansadas e tenham reações. Essa falta de perspectiva, para qualquer pessoa, é muito estressante.”

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“A doença é muito repetitiva, as coisas não mudam”, segue. “Nós tivemos problemas porque a maior parte dos funcionários são fator de risco, inclusive eu. A gente fez um meio termo: aqueles que eram fator de risco estavam no instituto de menor exposição. A gente tenta acomodar, mas quem é médico tem uma missão. Quem é enfermeiro, os técnicos, os fisioterapeutas, têm uma exposição até maior.”

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Além do cargo na gestão hospitalar, Eloisa Bonfá atende no ambulatório de reumatologia do HC e desenvolve pesquisa na Faculdade de Medicina da USP, onde orienta pós-graduandos. Um de seus estudos é com a cloroquina, medicamento que foi promovido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mesmo sem comprovação de sua eficácia.

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“A gente não usa cloroquina [no HC]. Além de não trazer benefício para a Covid, e isso está bem claro para a ciência, em algumas situações ela pode trazer malefícios, principalmente para o coração.”

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“Quem comunica fake news é extremamente eficiente e a gente [pesquisador] fala muito pouco. Isso traz muita confusão para o público leigo.”

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“Tem gente que acredita porque ouviu falar. Muitos médicos que não têm uma vivência nessa área acreditaram em alguma coisa que leram e estão replicando de forma absurda.”

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No cargo de diretora clínica desde 2011, Bonfá é a primeira mulher a ocupá-lo desde a criação do HC, há 76 anos. “Não é possível que não tenha existido ninguém antes de mim que tivesse a mesma competência”, afirma. “Em muitas reuniões que vou, sou a única mulher. Estou num cargo de exceção.”

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“A nossa Faculdade de Medicina tem mais de cem anos e nunca teve uma diretora mulher. Apesar de dizerem que na academia a competência e o mérito deveriam reinar, com certeza existe uma barreira.”

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A médica é categórica ao dizer que nenhuma epidemia, nem mesmo a de H1N1, se compara ao desafio imposto pela Covid-19. “Elas não chegam nem perto do que vivenciamos agora”, diz. “Na do [vírus] H1N1, eu lembro que a gente achou que fez um ato heroico por montar dez leitos de UTI em 24 horas.”

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Ela diz que os brasileiros precisam entender sua responsabilidade social. “As pessoas estão bebendo e comendo como se nada estivesse acontecendo e depois ainda encontram o pai, o avô”, afirma. “Caminhamos para um número que está subindo como se fosse a primeira onda. Isso, para mim, é de tirar o sono.”

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E é preciso, acrescenta, convencer a população a aderir à imunização. “As vacinas estão passando por protocolos internacionais extremamente rígidos. Qualquer vacina deve ser muito bem-vinda.”

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“Se tem uma coisa que une a saúde, a vida e a economia é a vacina. Se nós tivermos vacina, vidas serão salvas, o desemprego vai diminuir e as lojas e os restaurantes vão abrir.”

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Ela arrisca um balanço desse ano que, apesar do fim, parece longe de acabar. “A gente aprendeu a lidar com o medo no limite, o que não é fácil, e enfrentar isso com determinação. Não é pra qualquer pessoa. Não tem como ficar igual quando você sai da frente de batalha de uma pandemia desse tamanho.”

A diretora clínica e professora Eloisa Bonfá no Hospital das Clínicas da FMUSP, na capital - Zanone Fraissat/Folhapress

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