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Eu cancelei o cancelamento, diz Antonio Tabet

Fundador do Porta dos Fundos e do Kibe Loco diz que vê Big Brother para 'dar valor à própria vida'

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No ano passado, o humorista Antonio Tabet, 46, voltou a assistir ao Big Brother Brasil como uma válvula de escape do isolamento social causado pela epidemia da Covid-19. "As pessoas eram felizes naquela casa. Elas nem sabiam da pandemia", diz o carioca sobre a edição de 2020, que teve grande repercussão. "Agora, pelo contrário, assisto para dar valor à minha vida aqui fora", brinca ele sobre a atual temporada do programa da TV Globo.

"Viver ali dentro [da casa] com tortura psicológica e aquela gente ruim é desagradabilíssimo", segue Tabet, que é um dos fundadores do grupo humorístico Porta dos Fundos e foi idealizador, em 2002, do site Kibe Loco, referência no humor naquela década.

O reality show é um dos assuntos que ele tem abordado em suas redes sociais e no seu novo canal Salve, criado em janeiro na plataforma de transmissão de vídeos ao vivo Twitch. O projeto visa criar uma programação em tempo real com temas variados.

"A impressão que deu é que quem fez o casting dessa edição [do BBB] falou: ‘Vou subir esse sarrafo, ver até onde vai’. Aí botou um pessoal que lacra muito errado", segue ele —a gíria lacrar significa concluir uma discussão com a certeza de que a sua argumentação é irrefutável. "E o pessoal do grupo ‘heterotop’ [homens heterossexuais machistas] entrou já pensando: ‘Não posso ser escroto aqui’. Então ficou uma relação de gente apontando o dedo e outros acovardados."

"Até brinquei no Twitter que nem o cara da Fundação Palmares [Sérgio Camargo] teria escolhido tantos negros pra queimar o filme de uma luta tão importante. Porque colocar a Karol Conká, a Lumena, o Nego Di e o Projota na mesma edição, pô, tá de sacanagem. Acabou sendo um desserviço para algumas pautas e agendas bastante importantes." Os quatro foram criticados nas redes sociais por seus comportamentos e militância na atração.

Tabet critica o que ocorreu com o participante Lucas Penteado, que foi isolado pelo grupo na casa. "Ele é um moleque que tem valores, tem um rolê de participar de movimento estudantil, e foi massacrado. Não só por gente que tem uma natureza meio ditatorial, meio louca, mas por gente que achou legal partir pra cima. Coisa de matilha, de bater no mais fraco", diz.

Na avaliação do humorista, o comportamento "lacrador" observado nas primeiras semanas de BBB pode servir de munição para conservadores críticos do politicamente correto "tentarem deslegitimar todo o tipo de luta a partir desses maus exemplos que estão sendo dados em rede nacional".

"Por outro lado, o fato de essas pessoas também estarem perdendo popularidade em progressão geométrica, e sendo até condenadas por gente que luta aqui fora, serve como uma espécie de autocrítica balizadora para as pessoas entenderam que não é dessa maneira que essa luta deve ser feita."

O humorista Antonio Tabet
O humorista Antonio Tabet - Gui Machado

Tabet se diz "super a favor do politicamente correto". "Gosto de verdade de aprender com ele ", segue o humorista. "Hoje não faço piadas que fazia há 20 anos, porque entendi que aquilo, em certa medida, machuca as pessoas —e eu não tinha essa consciência. Não é papo de macho hétero branco em desconstrução. É simplesmente lógica. Eu aprendi e me sinto um ser humano melhor depois disso."

"Agora, eu condeno muito a patrulha. Muita gente que patrulha enxerga fobia ou preconceito onde não há", emenda ele. "Quando a patrulha é exagerada, você prejudica o profissional", diz.

"Amanhã, então, não vou poder fazer um vídeo do Porta com um ator negro fazendo papel de um deputado ladrão porque vão dizer que só porque ele é negro que ele é um ladrão? Você acaba tirando oportunidade desse ator fazer um trabalho. Ou do ator gordo fazer um trabalho porque o roteiro pode ter uma piada que pode ser que levem a sugestão de que essa piada talvez seja em relação ao ator gordo."

"Quando o pêndulo moral chega num lugar de extremismo, você acaba prejudicando a própria minoria. E é esse cuidado que a gente deve ter", afirma Tabet. "Nós [Porta dos Fundos] somos cancelados todo mês, praticamente."

"Se essas pessoas que falam mal do Porta conhecem alguma coisinha da gente, elas precisam saber que lutamos a luta delas", segue. "Se a gente vacila, não tem nenhum problema em pedir perdão, consertar, melhorar. Mas entendam que também não há nada de intenção, e que se eles querem bater em alguém, há gente muito pior pra bater por aí do que no Porta dos Fundos."

"Acho que o que está acontecendo no Big Brother hoje, e no Brasil de um modo geral, é que esse pêndulo chegou num extremo que estava insuportável para todo mundo, e agora é bom ele voltar, porque se não ele desmoraliza a luta de verdade". Tabet afirma: "Na minha cabeça, eu cancelei o cancelamento".

"Estou na internet desde 2002. Cansei de ver gente querendo cagar regra, querendo patrulhar o impatrulhável. Tem muita patrulha boa, tá? E isso é a crítica construtiva. Agora, tem muita patrulha ruim de gente que quer aparecer. Tem muita gente que cresceu e enriqueceu cancelando os outros. E eu não compactuo com isso."

Para ele, o humor tem que ser "sempre oposição". "Você tem que zoar o governo, sacanear o poderoso. Agora, o humor, sim, tem um compromisso com valores de esquerda, mas não necessariamente da esquerda que a gente tem como exemplo em alguns momentos. Por exemplo: não dá para o humor ser um bom humor se ele tem algum tipo de discriminação. Se ele não preza pelas liberdades individuais. Se acha que algumas pessoas têm privilégio em cima de minorias."

"Muita gente acha que eu sou o cara de direita do Porta. Fico puto com isso, porque devo ser a única pessoa entre aspas de direita que sou a favor da legalização das drogas, do aborto e das cotas. E do casamento gay, do combate à homofobia. Né? Que direita é essa que represento? Acho que [essa impressão] é só pelo fato de eu ser muito crítico aos escândalos de corrupção do governo do PT. Acabaram me rotulando como um cara de direita, o que nunca fui nem vou ser."

Questionado sobre recentes episódios em que o governo federal mandou investigar jornalistas e chargistas, Tabet afirma crer que "vivemos tempos sombrios, uma época de exaltação da ignorância".

"Infelizmente, isso não é de hoje. Em 2005, eu fazia o Kibe Loco e vieram oito agentes da Polícia Federal na minha casa, com máscara ninja e AR-15 na mão, com mandado de busca e apreensão. Reviraram a minha casa, levaram tudo: CDs, DVDs, disquetes, computador, telefone. Por quê? Porque na época eu fiz uma piada com um deputado", lembra.

"Teve uma denúncia anônima no site do Ministério Público Federal que no dia seguinte já foi acolhida pela Polícia Federal, que no dia seguinte estava na minha casa. A Justiça nunca foi tão rápida, parecia a Suíça isso aqui", conta ele, que prefere não citar o deputado por não ter como provar a suspeita.

"A pessoa querer entrar na Justiça contra um chargista, contra um jornalista, contra sei lá quem, porque acha que teve os seus direitos violados, é do jogo. Nenhum problema. O outro também pode se defender e ‘vambora’. O que não pode é o governo tratar o público como privado. Isso está completamente errado", diz.

Tabet afirma que o ataque à sede do Porta dos Fundos com coquetéis molotov na véspera do Natal de 2019 ainda é debatido no grupo. "Enquanto isso não for resolvido, é um assunto", aponta ele. "Segundo a polícia, eram cinco suspeitos. Só um foi preso e está na Rússia. Os outros quatro estão por aí. Cadê a polícia pra falar disso? Cadê a imprensa para lembrar? O ministro Sergio Moro, na época da Justiça e da Segurança Pública, não citou o primeiro ataque terrorista depois da redemocratização do país", diz.

"Na época do atentado, o retorno que nós recebemos das autoridades era de que ‘isso aí são amadores, vão aparecer rápido’. Já passou um ano e três meses, e só um foi preso. E a polícia não conseguiu encontrar esses, entre aspas, amadores. O que está acontecendo? Será que alguém os protege? Será que tem alguém impedindo que isso vá para frente? A gente não sabe."

"Agora, isso não nos impede de trabalhar nem interfere na nossa produção de conteúdo", garante o humorista. "Pelo contrário, deu até mais gás pra gente."

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