Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Se o Brasil não precisa da gente, muitos outros países pedem a nossa vacina, diz diretor de fundo russo que financia a Sputnik V

Kirill Dmitriev diz que pode fornecer, em pouco tempo, centenas de milhares de doses do imunizante, que tem eficácia de 96,1%

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A vacina russa Sputnik V já foi aprovada em 19 países, é uma das mais eficientes do mundo, é barata e fácil de transportar.

Com esses argumentos, o russo Kirill Dmitriev, CEO do Fundo de Investimentos Diretos da Rússia, que administra US$ 10 bilhões e financiou o desenvolvimento do imunizante, afirma esperar que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) o aprove em breve para ser usado no Brasil.

O pedido de registro foi feito em outubro. Com a publicação, nesta semana, de resultados preliminares na revista científica The Lancet, uma das mais respeitadas do mundo, que mostram que a eficácia da vacina ficou em 91,6%, a pressão sobre a Anvisa aumentou.

Kirill Dmitriev faz um "apelo" para que todos os questionamentos da agência sejam feitos diretamente à União Química, empresa brasileira que deve fabricar a Sputnik V no Brasil. Diz que tem condições de abastecer o país com milhares de doses assim que a vacina for aprovada. E questiona se é uma boa estratégia, para o Brasil, demorar para firmar um acordo de fornecimento enquanto "há muitos países no mundo interessados, querendo, pedindo a nossa vacina".

Kirill conversou com a coluna direto de Moscou, por Zoom, com tradução simultânea do russo para o português:​

Kirill Dmitriev, CEO do Fundo de Investimentos Diretos da Rússia
Kirill Dmitriev, CEO do Fundo de Investimentos Diretos da Rússia - Reuters

Folha - Como estão as negociações no Brasil, com a Anvisa, para o uso da vacina Sputnik no país? Vocês estão encontrando alguma dificuldade específica que não enfrentaram em outros países?

Kirill Dmitriev - A gente respeita muito a Anvisa. Consideramos que é uma equipe bem profissional e que eles realmente estão tendo bastante atenção no trabalho deles.

Mas ao mesmo tempo é preciso dizer que os 15 países que já registraram a Sputnik V, a vacina, e –hoje o México e a Nicarágua fizeram isso –também têm empresas reguladoras avançadas. E é muito importante decisões a esse respeito sejam tomadas com base nos dados que já existem, com eficiência e rapidez.

Esperamos que essa publicação que acabou de sair na [revista científica] The Lancet ajude também nesse processo da aprovação da vacina na Anvisa.

A publicação mostrou que a Sputnik é uma das melhores vacinas do mundo, tem eficiência acima de 91%. De todas as vacinas que a própria Anvisa já considerou ou está considerando, a Sputnik V é a vacina mais eficaz.

Esperamos conseguir seguir respondendo a todas as perguntas do regulador.

Temos uma grande parceira no Brasil, que é a União Química, que já está pronta para produzir a vacina no tempo mais breve no Brasil.

Então, esperamos que a agência considere todos os dados que temos, mas imparcialmente. E que siga o que outras agências reguladoras de outros países já fizeram.

Há o temor de alguma interferência política nesse processo?

Não. Nós trabalhamos muito com o governo brasileiro e vemos um incentivo por parte do Ministério da Saúde e por parte de outras entidades e de pessoas-chave. Consideramos que o governo brasileiro entende que é preciso ter um portfólio de várias vacinas disponíveis.

Então fica difícil eu analisar a parte política. O que posso dizer é que nós, de nossa parte, estamos abertos e oferecendo todas as informações solicitadas [pela Anvisa].

Já temos registros na Argentina e em muitos outros países da América Latina. E consideramos que a nossa parceria com o Brasil é muito importante. Porque o Brasil não é apenas um comprador da vacina, mas também um fabricante. A gente já passou toda a tecnologia [para a produção da Sputnik V] à União Química, e o Brasil poderia já num tempo curto fabricar a vacina russa, que é uma das mais eficientes do mundo.

Seria muito positivo para o Brasil. E às vezes a gente fica sem entender porque processos que acontecem muito mais rapidamente em outros países, aqui às vezes demoram mais tempo.

O que pensa da exigência da Anvisa de que a Sputnik passe por um estudo clinico aqui no Brasil, como foi feito com outras vacinas? Já havendo testes dessa natureza em outros países, com estudo de eficácia submetido a cientistas independentes, isso seria ainda necessário?

Se eu entendi bem, agora [a Anvisa] está considerando a remoção dessa exigência.

Paralelamente, estamos prontos para fazer esses ensaios clínicos. Eles já foram feitos na Rússia, na Venezuela, nos Emirados Árabes, e estamos conduzindo mais um deles na Índia.

Ou seja, os estudos clínicos já foram feitos em um grande número de países.

Acreditamos que, durante uma pandemia, seria preciso também se basear nos estudos já conduzidos por nós e por outros players.

E óbvio que a Rússia, entre outros países, não iria aplicar essa vacina em milhões de pessoas se não tivesse certeza de que ela é segura e eficiente.

A nossa vacina tem vários pontos fortes. O primeiro deles é a segurança, porque ela está baseada no adenovírus humano, que é o vírus do resfriado comum. É diferente de outras vacinas que usam adenovírus de macacos e outros tipos de vírus que não foram estudados a longo prazo, o suficiente.

O adenovírus humano tem décadas de estudo e é por assim dizer a plataforma mais segura. No Exercito americano, desde 1971 todos os novatos que chegam são vacinados contra justamente esse vírus humano.

Segundo ponto: o nosso nível de eficiência é de 91,6%, enquanto outras vacinas, em grande numero, mostraram eficiência bem abaixo da nossa. Para casos mais graves, ela é de 100%.

Um terceiro ponto forte é o nosso preço. É uma das vacinas mais acessíveis. Custa menos de US$ 10 [a dose].

O último ponto forte é que ela pode ser transportada em temperaturas de 2 a 8 graus, e não de 70 graus negativos.

A nossa vacina, portanto, já foi testada em muitos lugares, é baseada em uma plataforma muito segura, já foi registrada em 19 países do mundo, é barata, fácil de transportar e eficiente.

A Anvisa questionou nesta semana se a vacina analisada no estudo da The Lancet era a mesma para a qual vocês pedem registro no Brasil, já que haveria uma diferença de temperatura relatada nos documentos

Essa temperatura se refere à forma líquida da vacina. Os nossos cientistas mostraram que ela fica estável por vários meses justamente nessa variação de temperaturas de 2ºC a 8ºC .
Se eles acham que são duas vacinas diferentes, é errado pensar isso.

A gente gostaria de fazer um apelo à Anvisa para consultar a nossa parceira, a União Química, para outras tantas perguntas [que surgirem].

O senhor já declarou que a vacina russa foi objeto de fake news internacional. Por que razão? E houve nesse processo falhas de comunicação da parte de vocês?

Consideramos que há uma concorrência desleal por trás disso e que os ataques foram inclusive orquestrados por empresas e pessoas que não querem que a Rússia seja bem sucedida e que a vacina dela seja bem sucedida.

Em agosto do ano passado, fizemos a primeira declaração sobre a eficiência dela. E a gente viu muitas tentativas de se provar o contrário.

Através de dados clínicos, comprovamos que essa é uma das mais eficientes vacinas do mundo.
Não estamos forçando ninguém a usar a nossa vacina. Ela tem uma procura muito grande, muito maior do que a nossa própria capacidade de produção.

Consequentemente é muito importante para nós buscarmos uma certa parceria, e não um clima de concorrência e rivalidade.

A gente ofereceu à [farmacêutica] AstraZeneca um dos componentes da nossa vacina para aumentar a eficiência da vacina dela [desenvolvida em Oxford].

É um dos exemplos que provam o espírito que queremos seguir.

Na medida em que avançamos, países e as empresas têm que cooperar, para trabalharmos juntos, e não atacarmos uns aos outros. Esperamos que esse espírito de cooperação diminua a quantidade de fake news, de notícias não comprovadas e não verificadas, causadas por uma concorrência desleal.

O senhor identifica e poderia nominar de onde partiram as fake news?

Sim, nós sabemos [ri]. Mas não podemos revelar aqui, não. Vamos dizer que são pessoas e empresas que não querem o sucesso de nossa vacina e que estão tentando colocar todos os tipos de empecilhos no caminho dela. Eles mesmos [concorrentes desleais que espalhariam fake news] não são tão bem sucedidos.

Ontem, por exemplo, muitos cientistas europeus e norte-americanos confirmaram que a nossa vacina é maravilhosa.

O que a gente sente com relação a isso é uma sensação de responsabilidade, e de otimismo, sem dúvida. Porque trabalhamos muito para tornar a nossa vacina acessível não só na Russia, mas na America Latina e em outros países.

A gente vê como a nossa vacina transforma a vida das pessoas, em várias partes do mundo.
Então todos esses empecilhos técnicos, as fake news, as incompreensões, eu tenho certeza que vamos deixar para trás e vamos avançar com a nossa agenda positiva porque a gente precisa salvar as vidas das pessoas.

A cooperação com essa vacina cria pontes importantes entre os países. Não só salvando as pessoas, mas também estabelecendo confiança e comunicação entre as pessoas.

Tenho a certeza de que, quando superarmos todas as dificuldades técnicas, a nossa vacina se transformará em um dos elementos chave de amizade entre a Rússia e o Brasil.
O mundo já é bem complicado por si, temos que buscar momentos positivos.

Por que eu gosto do Brasil? Porque é um país onde as pessoas são bastante calorosas, positivas.
A nossa meta é essa, junto com o Brasil, esquecer a Covid-19 o mais rápido possível.

Quantas doses de vacinas vocês têm disponíveis para o mundo e quantas podem vir para o Brasil? E o senhor acredita que pode convencer o presidente Jair Bolsonaro a se vacinar, o que ele dia que não fará?

O presidente argentino [Alberto Fernández] já usou a nossa vacina. Então já temos essa experiência de vacinar presidentes [risos].

Mas, claro, falando sério agora, cada pessoa decide por si [se toma ou não vacinas].

Sobre a disponibilidade: depois que a Anvisa aprovar, nós poderíamos, em duas semanas, fornecer as primeiras doses para vacinar os brasileiros com a Sputnik V.

Seriam centenas de milhares de doses para poder testar a logística de transporte etc.

Depois vamos poder avançar até milhões de doses. E a União Química declarou que dentro de poucos meses poderá produzir até 8 milhões de doses por mês.

Portanto acreditamos poder fornecer dezenas de milhões de doses da vacina para o Brasil, acima de 100 milhões, contando com a produção local também.

Já temos um acordo preliminar com a Bahia. Temos outros estados interessados.
Mas é importante entender quando e como sai essa aprovação da Anvisa. Porque outros países agora estão pedindo a nossa vacina. Já estamos viabilizando os fornecimentos onde já temos a aprovação das agências reguladoras.

Nesta semana, 12 novos países começaram a vacinar a sua população com a Sputnik V. Em dez deles, foi a primeira vacina a chegar.

Então a gente não vai forçar essa questão de estar no Brasil. A gente quer que o Brasil nos peça, nos solicite, dizendo que, sim, eles precisam da gente. Se o Brasil não precisa da gente, temos muitos outros países onde podemos fornecer e que precisam da nossa vacina.

Nesse quesito é muito importante a gente ouvir, do Brasil, da agência reguladora, entre outros, de que eles, sim, precisam de uma vacina eficiente, com eficiência acima de 90%, que tem as vantagens que eu já citei. Que é uma das mais baratas e eficazes do mundo.

Se houver demora do Brasil, pode faltar depois vacina, já que outros países têm esse interesse no imunizante de vocês?

Eu não quero colocar a questão dessa forma porque a gente trabalha com a agência reguladora e vamos achar a possibilidade de fornecer a nossa vacina ao Brasil.

Mas, em princípio, para um país como o Brasil, ficar arrastando essa questão, demorando [para fazer] um acordo de vacinação numa situação em que há muitos países no mundo interessados, querendo, pedindo a nossa vacina, talvez não seja a estratégia melhor, né?

Mas, como já falei, eu gosto muito do Brasil. Vejo muitas semelhanças entre nos.
De qualquer maneira, vamos fornecer a vacina para o Brasil. A questão é se isso acontece em março, em abril ou em maio.

Não existem empecilhos grandes para a nossa vacina ser aprovada em breve.
Tenho certeza de que essa história vai ter um final feliz. O importante saber quando.

Mas vai chegar o mês em que vamos nos sentar juntos e brindar ao nosso final feliz com a vacina salvando a vida de brasileiros.

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