Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'A diversidade hoje é parte do negócio', diz Rachel Maia

Uma das poucas personalidades negras que chegaram ao topo do mercado corporativo no Brasil, executiva lança livro sobre sua trajetória

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São Paulo

Ao longo dos 30 anos de universo executivo, Rachel Maia, 50, conta que teve diversos momentos “remarkables” [marcantes]. Ela cita, por exemplo, a vez em que “quase jogou” sua filha no colo do papa Francisco, em visita que o pontífice fez ao Brasil, e quando quebrou protocolos e abraçou o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama em um evento.

“Quem aprovou a lista para estar ali foi o FBI!”, relembra. “Fui convidada a sentar na primeira fila [da plateia]. Do meu lado estava o José Roberto Marinho. Atrás de mim, o Ronaldinho fenômeno. E eu lá na frente. Não tem preço”, segue.

Na hora de posar para fotos, diz que foi “ousada”. “Perguntei se podia abraçar, sendo que o protocolo era claro: ‘Não fale e não faça nada’. Ele me disse que gostava de tirar foto com mulher alta, que a Michelle [Obama, ex-primeira-dama] era super alta, assim como eu. Fiquei bem na foto, eu lá abraçada com o Obama”, diz, entre risos.

Rachel Maia
A empresária Rachel Maia - Claudio Gatti

O encontro com o ex-presidente é uma das histórias que Rachel narra em seu primeiro livro, “Meu Caminho Até a Cadeira Número 1”, que será lançado nesta segunda-feira (8) pela editora Globo Livros. Na obra, ela conta sobre sua trajetória de mulher negra, caçula de sete irmãos, vinda de Cidade Dutra, no extremo sul da cidade de São Paulo. E compartilha suas convicções sobre o mercado de trabalho.

A executiva é uma das poucas personalidades negras que chegaram ao topo do mercado corporativo no Brasil, tendo passado pela presidência das joalherias Pandora e Tiffany, e da marca Lacoste —que deixou no ano passado.

Em 2018, fundou a RM Consulting, voltada ao desenvolvimento de altos executivos. Ela também participa de diversos comitês, entre eles o conselho de administração do Grupo Soma e o conselho consultivo da Unicef no Brasil, que preside. Ela afirma que recebe cerca de 200 convites por mês para dar palestras.

Filha de Antônio Maia, que trabalhou como faxineiro da Vasp (Viação Aérea SP) e se aposentou como técnico na empresa, e Maria Maia, dona de casa, Rachel estudou em escola pública e é formada em ciências contábeis na FMU.

Trabalhou por sete anos e meio na 7-Eleven, rede de lojas de conveniência americana. Quando saiu da empresa, usou o dinheiro da rescisão para estudar inglês no Canadá. Na volta, atuou em uma farmacêutica antes de entrar na joalheria —e não parou mais.

A ideia com o livro, diz, é encorajar outras mulheres a “lutarem por suas oportunidades e a mostrarem os seus valores”. “Nós, do povo negro, não podemos ficar reféns daquilo que só nos foi dado. Temos que procurar nossas oportunidades. E, mais do que nunca, isso está sendo vasculhado, procurado. Essa ferida explodiu na cara de muitas pessoas.”

Para ela, a empresa que não apresentar diversidade em seu quadro está “fadada ao fracasso, a morrer. ‘Simple like this’” [simples assim]. “E não basta só trazer a diversidade. Isso demanda investimento e tempo”, continua. “Você não precisa mais ter vergonha de falar baixinho ‘vamos tratar da diversidade?’. Não. Hoje, a diversidade é parte do negócio.”

A executiva afirma que é “extremamente” a favor de cotas (“sem sombra de dúvidas”) e que vê com bons olhos ações afirmativas como a iniciativa do Magazine Luiza de abrir um programa de trainee exclusivo para pessoas negras. “A gente tem que empoderar o negro a não ficar com vergonha de fazer parte desse tipo de ação. É direito dele, não é um favor.”

“O protagonista é o povo negro. Mas nós precisamos, sim, de aliados brancos”, diz. “Num país racista, o antirracismo se faz necessário”, continua.Rachel diz que sente que está abrindo portas e servindo de exemplo para outras mulheres. “Quando os olhos não vêem, você acredita que não é para você. Aí, você mostra que isso é tangível, que existem oportunidades e possibilidades.”

Por outro lado, conta que demorou para se enxergar nessa posição. “Tudo é aprendizado. Eu não saí da caixinha pronta. E, olha, eu queria ficar na caixinha, escondidinha, dá menos trabalho. É menos responsabilidade. Mas eu quero transformar. E, para isso, ‘there’s no free lunch’” [não existe refeição de graça].

Rachel conversou com a coluna por chamada de vídeo direto de seu apartamento no Alto da Boa Vista, em São Paulo, num intervalo entre uma bateria de reuniões virtuais. “Eu atarraxei meu bumbum aqui, olha. Tô desdes às 6h15 aqui no sofá”, conta, entre risos.

Ela vestia uma camisa polo cor de rosa que combinava com o tom do esmalte das unhas. Rachel diz que é “vaidosa por natureza”: “Só para você ter uma ideia, as meninas fazem tranças [no cabelo] uma vez por mês, a cada 45 dias. Eu faço e desfaço toda semana. E olha que demora no mínimo quatro horas para fazer”, continua. “Quero sempre estar bem, passar meu creminho para pele, fazer minha drenagem, para gostar do que estou vendo”.

A epidemia da Covid-19, ela conta, despertou um lado diferente da experiência da maternidade, mais próxima do dia a dia dos filhos —ela é mãe de Sarah Maria, 9, e Pedro Antônio, 1. “Sempre trabalhei muito, chegava tarde em casa. Pude experimentar algo que eu não conhecia. E foi espetacular.”

“Esse novo normal mostra para o mercado como um todo que a maternidade não te faz menos capaz, pelo contrário”, segue. Ela relembra quando, 20 dias após dar à luz Sarah Maria, voltou ao escritório para trabalhar —e montou um berçário ao lado de sua sala. “Todo mundo ouvia o bebê chorando. E isso não me fez sentir vergonha, não carrego nenhuma culpa.”

“Mas cada um tem as suas escolhas. E você deve ser proprietária delas. Aquelas foram as minhas, naquele momento. Com seus ônus e bônus”, continua.​

“Aprendi demais, amei demais, tive oportunidades incríveis na minha vida. Mas quando você consegue estar mais perto das pessoas que você ama e tirar proveito disso... Sem sombra de dúvida, eu acho que essa parte do amor, de potencializar mais as pessoas que você ama... Acho que tiraria um pouco mais dessa história ainda”, diz, com a voz embargada.

Rachel perdeu a mãe e a irmã mais velha em 2020 —ela não quis entrar em detalhes. “A questão de família sempre foi muito importante pra mim. Amei da forma mais absoluta a minha mãe. E construo esse amor com os meus filhos”, diz.

Quando o assunto é política, Rachel prefere não comentar. Sobre a condução do governo federal na epidemia da Covid-19, se resume a criticar a falta de planejamento para adquirir as vacinas. “É fato que demoramos, sim, para trazer as vacinas. Isso você pode botar em letras garrafais, não tenho problema em assumir essa posição”, diz. “Agora, é correr atrás de tudo que não foi feito. Demoramos a ser reativos.”

E a primeira coisa que ela pretende fazer no pós-pandemia é dar uma “festa de arromba”. “Eu era conhecida como ‘Rachel Afterparty’. Acabava uma convenção e as pessoas já olhavam pra mim: ‘Qual vai ser o bar? Para onde nós vamos?’”

“Existe o estereótipo do presidente [de uma empresa] ser certinho, sentadinho isoladinho lá na sua sala. Puts, cara, eu não sei nada disso! Não preencho esse perfil, não é a minha cara”, segue.

“A vida é puxada, sabe, é demandante. Mas tem que ter o lado bom dessa história toda”, continua. “Quero mais é voltar a celebrar a vida da forma mais genuína que eu considero, que é estar estar perto das pessoas, abraçar e beijar.”​

Aos 50 anos, ela namora há um ano com um arquiteto baiano. “Adoro beijar e adoro sexo”, afirma. “Pode botar [na matéria], porque isso ajuda o meu eleitorado, tá bom? É isso! Ajuda na pele, ajuda a esvaziar a caixinha para encher de novo e assim vai. Sabe, ‘refresh your mind’! [refresque a sua mente]”, diz, soltando mais uma risada.

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