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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'A gente foi muito acostumado a se calar', diz jogadora de vôlei Fabiana Claudino

Bicampeã olímpica, jogadora de vôlei e mãe do primeiro filho conta sobre o futuro e celebra que atletas têm se posicionado politicamente

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A jogadora de vôlei Fabiana Claudino, que já foi capitã da seleção brasileira e bicampeã olímpica, deu à luz seu primeiro filho às 13h54 horas do sábado (17), após a realização desta entrevista. Asaf nasceu em São Paulo e é uma criança saudável. Na conversa abaixo, Fabiana fala de suas expectativas em relação à maternidade, relembra sua trajetória no esporte e celebra que atletas têm se posicionado politicamente.

Fabiana não participará das Olimpíadas deste ano, em Tóquio, no Japão —e não sabe quando voltará às quadras. “Não quero ter o meu filho e não curtir o momento. Vida de atleta é corrida, tem que viajar para lá e para cá”, diz ela. “Mas não quis fechar portas [para um possível retorno às quadras]. Quero deixar acontecer e ver como vai ser”, segue.

Aos 36 anos, conta que sempre teve o desejo de ser mãe, mas queria esperar para tentar uma vaga para competir nos Jogos Olímpicos,previsto inicialmente para ocorrer em 2020. Com o adiamento da competição por causa da pandemia da Covid-19, decidiu engravidar. Ela espera o filho, que se chamará Asaf, neste mês.

Fabiana Claudino
A jogadora de vôlei Fabiana Claudino - Mari Righez

Filha de Vital Alberto Claudino, motorista de ônibus aposentado, e da dona de casa Maria do Carmo Claudino, Fabiana tem um irmão e nasceu em Santa Luzia, Minas Gerais. Ela é casada há três anos com o músico Vinicius de Paula, conhecido como ViniGram, filho do cantor Netinho de Paula.

Foi capitã da seleção brasileira e ganhou medalhas de ouro nos jogos de Pequim (2008) e de Londres (2012). Começou a jogar no Minas Tênis Clube, aos 13 anos, e passou por equipes como Rexona-Ades, Sesi-SP e Fenerbahçe, da Turquia —o último foi o Hisamitsu Springs, no Japão.

Ela voltou ao Brasil no começo do ano passado. Diz que existem pontos positivos e negativos de estar grávida numa pandemia. O ruim, conta, é ficar longe da família, a quem é muito apegada —ela mora em Alphaville, em São Paulo, e seus pais, em Minas.

O bom é que consegue curtir esse momento sem a pressão de manter o ritmo de esportista. “Não estou fazendo nada na correria. Vou cuidar do meu físico porque é bom para a minha saúde. Mas posso me dar o luxo de não precisar malhar todos os dias [risos].”

Fabiana nem sempre quis ser atleta. Na infância, tinha um grande sonho de se tornar modelo e diz que não praticava esportes na escola. “Quando eu tinha 13 anos, já tinha 1,85 de altura. Já tava gigante! E minha mãe ficou preocupada, porque as minhas amigas já não queriam andar comigo.”

Foi aí que sua mãe decidiu levá-la para um teste de vôlei em um clube. “Fui chorando no caminho, porque não queria. Passei no teste, comecei a treinar e me apaixonei”, diz.

Ela conta que a fase mais difícil da carreira foi no início, quando não tinha “noção de onde poderia chegar”. “Eu vim de Santa Luzia, no interior. Aí, tinha que viajar sempre e eu não tinha condições. Tinha que dividir o lanche com a minha mãe no caminho e lembro de vezes que ela não podia me acompanhar porque ficava apertado”, conta.

No final de 2020, entrou para o ramo de empresária de atletas, para trabalhar ao lado de Ana Flávia Sanglard, que cuida de sua carreira. Diz que quer ajudar as novas gerações. “Sempre tive acompanhamento dentro e fora de quadra, pensando no lado financeiro. A gente começa a ganhar dinheiro muito cedo, então se você não tem uma pessoa ali ao seu lado que entende e que vai te dar uma direção, você se perde.”

“Quero passar minha experiência, conversar e apoiar”, segue. Um dos aspectos que quer discutir com as novas atletas é como lidar com as pressões e com a saúde mental.

Ela diz que teve depressão. “A pressão estava muito grande em cima de mim, principalmente depois que me tornei capitã [da seleção], porque tinha que servir de exemplo para a equipe. Tinha que lidar com meus medos, estar longe da família, muita coisa envolvida ao mesmo tempo. E estar 100% na quadra.”

Fabiana conta que procurou atendimento psicológico. “Foi quando comecei a me sentir amparada, sabe? Que tinha uma pessoa ali para me ajudar, para conversar.” Ela vê com bons olhos que a discussão de saúde mental dos atletas está mais em pauta hoje em dia. “A gente não tinha esse acompanhamento. Isso não era falado, não era algo normal.”

E diz que, quando a pandemia passar, quer ingressar num curso de psicologia. “Sempre gostei do tema. Por ter passado por essa experiência de depressão, acredito que posso ajudar mais atletas.”

Voz cada vez mais atuante na luta antirracista, ela diz que sentiu diferença de tratamento ao longo da carreira por ser uma mulher negra. “Várias vezes em jogos, com transmissão na televisão, eu não era entrevistada. Por mais que eu fosse a capitã da equipe ou que eu tivesse sido a maior pontuadora da partida, ninguém olhava pra mim, eu não era entrevistada. Escolhiam outras jogadoras.”

“E comecei a me tocar disso: pera lá, por que eu nunca dou uma entrevista? Por que eu não estou aparecendo? Você vai percebendo algumas diferenças, sim”, continua.

Ela lembra da primeira vez que foi às redes sociais desabafar e expor um caso de racismo que sofreu. Diz que um torcedor começou a xingá-la de “macaca” durante um jogo. “Ele estava ao lado dos meus pais. Então vi que estava rolando alguma confusão”, diz.

“Vi meus pais tristes, meu pai com o olho cheio d’água. E aí que eu fui entender a situação, que era um torcedor me xingando de tudo o que você possa imaginar e falando de ‘macaca’”, segue. “Sempre tem uma desculpa, ninguém quer assumir a culpa”, diz ela. Fabiana chegou a pensar em procurar a Justiça naquele momento, mas acabou não levando adiante porque em seguida viajaria com a seleção e não poderia acompanhar o caso de perto.

Ela acredita que os atletas devem se posicionar politicamente —e comemora que isso tem acontecido com mais frequência. “Se o atleta tem segurança e tem a oportunidade, deve se posicionar. A gente foi muito acostumado a se calar.”

“O atleta fica com medo, né. Quando você está num clube, tem patrocinador. E aí envolve muita coisa. Eu já tive esse medo”, continua. “Pensando no clube, mas não que eu não quisesse falar, entendeu? Sempre fui uma pessoa que gostei de me posicionar, de colocar a minha opinião. Se tenho uma pauta e sei que vou ajudar outras pessoas e tenho o poder de falar, por que não?”

“As coisas não passam mais batido. Quando acontece alguma coisa no futebol, por exemplo, todo mundo já vai para frente da câmera expor a situação e se colocar. O atleta está entendendo também a sua função, que não é simplesmente jogar. Você também precisa se posicionar para certas coisas.”

Ela conta que enviou mensagens de apoio à jogadora de vôlei de praia Carol Solberg, que foi muito criticada após se manifestar contra o presidente Jair Bolsonaro em entrevista ao vivo —ela disse “fora, Bolsonaro”. O ato gerou uma nota de repúdio da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) e uma advertência do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do vôlei —depois, o plenário do STJD absolveu Carol.

Fabiana afirma que o que aconteceu com a atleta foi um ato de censura. “Com certeza, não tenho dúvidas.”

E cita uma imagem que circulou nas redes em janeiro, em que o vice-presidente da CBV, Radamés Lattari, e o técnico da seleção masculina, Renan Dal Zotto, aparecem com uma camisa da seleção com o nome do deputado Arthur Lira (PP-AL), então candidato à presidência da Câmara e apoiado por Bolsonaro. “Ué, a Carol ele processou. E ele pode fazer isso? São umas coisas que não batem, entende?”, diz.

Ansiosa para a chegada do filho, Fabiana conta que a primeira coisa que quer fazer no pós-pandemia é reencontrar a família. “Poder abraçar meus pais, minha tia e meus primos. Rever todo mundo. Isso não sai da minha cabeça.”

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