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Botox 'deforma' e pedir volta de militares 'é coisa de gente ruim da cabeça', disse Eva Wilma em entrevista à Folha

Atriz, que morreu no sábado (15), passou uma tarde com a coluna em dezembro de 2015

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Morta no último sábado (15) em decorrência de um câncer de ovário, Eva Wilma, 87, passou a tarde de 8 de dezembro de 2015 na companhia desta coluna. Naquela terça-feira, a atriz, então aos 81 anos de idade, se preparava para ir ao lançamento de um livro da também atriz Bruna Lombardi, em São Paulo.

Eva falou sobre aceitar suas rugas, disse que aprendeu a viver com a ausência de seu companheiro, o ator Carlos Zara, morto em 2002, e afirmou que "não existem pequenos papéis, mas pequenas interpretações".

Artista que combateu a ditadura, ela ainda disse que pedir a volta dos militares "é coisa de gente ruim da cabeça, sem consciência política". "Mas ao mesmo tempo é tão difícil encontrar integridade, vencer essa corrupção. No momento tô desesperada", ponderou.

Leia, abaixo, o texto com a entrevista de Eva:

Eva Wilma, 81, está "tentando superar o sábado". Após o susto de acordar no último dia 5 com a notícia da morte da também atriz Marília Pêra, 72, ela passou a manhã dando entrevistas sobre a colega de profissão. "Quando consegui parar era uma hora. Eu sentei e chorei."

"Mas nós estamos vivos", afirma ela, encerrando o assunto na conversa com o repórter Joelmir Tavares, na tarde de terça (8). Eva está de férias, mas não para quieta. Frequenta o teatro para ver a atuação de amigos como Tarcísio Meira, vai às estreias no cinema e tem compromisso dali a pouco: sair de casa, no Itaim Bibi (zona oeste de SP), para ir ao lançamento do novo livro da atriz Bruna Lombardi, na avenida Paulista.

No jardim do prédio onde mora há 35 anos, conta que tem "dois passarinhos voando" –são peças que pretende fazer. Sente-se na flor da idade. "Passou" email para a família chamando para sua festa de aniversário, neste domingo (13). Primeiro "aperitivinhos em casa", depois "pizza com um bom vinho no anexo", um restaurante ao lado do qual é cliente assídua.

Com pouca intimidade com o computador e avessa a redes sociais, ela descobriu há alguns meses o WhatsApp. "É uma mão na roda." Já na sala do apartamento, onde um relógio de parede soa a cada hora, abre o aplicativo de mensagens no iPhone e chama Pedro Carlão, 44, o taxista de confiança que já virou quase motorista particular. "Se a gente chegar muito cedo não tem problema. Curtimos um pouco a livraria."

Eva, que ama livros e não abre mão de ler jornais diariamente, anda "estarrecida" com o noticiário. "É uma briga de foice entre PT e PMDB. Só isso. E não sei qual dos dois é pior", afirma ela, que se diz apartidária. "Mas não acho legal um partido se perpetuar no poder. Começa a desaparecer a democracia, né?"

Artista que combateu a ditadura, ela acredita que pedir a volta dos militares "é coisa de gente ruim da cabeça, sem consciência política". "Mas ao mesmo tempo é tão difícil encontrar integridade, vencer essa corrupção. No momento tô desesperada."

Para seguir o papo, a atriz –que para os amigos é a Vivinha– toma um gole da água servida por sua acompanhante, Diana da Silva, 41. A pernambucana há dois anos segue a artista para lá e para cá. E se espantou ao ir com ela às gravações de "Verdades Secretas", novela da Globo encerrada em setembro: "Os atores repetem a mesma coisa várias vezes. Tem que gostar muito do que faz", diz Diana.

Eva gosta. "Sou apaixonada! Quando você tem paixão, é muito prazeroso fazer o trabalho. Não penso em parar."

Mas paixão às vezes esbarra em empecilhos. Ela quase desistiu de "Verdades" no início porque fraturou uma vértebra da coluna após tropeçar no degrau do elevador de um teatro e cair. Achou que fosse "enlouquecer" de dor. "Na primeira semana de gravação, pensei: vou sair. Mas baixou a Mulher Maravilha [risos] e eu disse: não saio." Curou-se em dois meses.

A veterana, que acredita que "não existem pequenos papéis, mas pequenas interpretações", foi elogiada por sua participação. "A coitada da Fábia", como descreve a alcoólatra solitária, era uma personagem secundária na história. Na Globo, Eva é "da turminha que tem contrato a longo prazo". Nos palcos, sua peça mais recente, "Azul Resplendor", encerrou em janeiro temporada de dois anos.

Viúva desde 2002 do também ator Carlos Zara, ela diz que aprendeu a conviver com os percalços e as perdas. Mesmo no caso de uma ausência "incomensurável e dolorosa como a de um companheiro de vida por 25 anos equivalentes a 60, porque era uma relação muito intensa".

Postura que, diz, tem a ver com sabedoria e maturidade. E faz cena: "Dependendo da cabeça, a pessoa pode ficar a vida inteira: 'Ai, meu Deus', 'Ai, me dói tanto aqui'", dramatiza, fraquejando a voz e colocando as mãos nas costas. "Tem que ter cabeça boa. E pra isso tem que ter paixão pelo trabalho."

Alimenta o espírito também de pequenas coisas —ouvir o hino nacional cantado pelos alunos da escola em frente de sua casa, andar pelo bairro para ir à musculação na academia, curtir os dois filhos e os netos (cinco, de idades entre nove e 29 anos).

Tão natural quanto aceitar as rugas. "Não tenho vontade dessa história de botox, acho que deforma o rosto." Diz que fez apenas uma correção no nariz muitos anos atrás e um pequeno lifting há uns 20 anos. Vai desfiando histórias da carreira de 61 anos, até que o celular apita. É o taxista avisando que chegou.

Eva chama Diana, pega a bolsa e sai andando com passos lentos, mas determinados. No hall do elevador, mostra o prêmio de melhor atriz que ganhou da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) em 1973, pelos papéis das gêmeas Ruth e Raquel na novela "Mulheres de Areia".

"Ô Pedro, não vai levar meu amarelinho!", brinca ao avistar o taxista na garagem. O "amarelinho" é o carro dela, que a atriz dirige principalmente aos fins de semana.

Já no caminho, o táxi topa com um congestionamento. O motorista relembra as manifestações do dia anterior, dos estudantes que ocupam as escolas contra a reorganização proposta pelo governo do estado. Eles fecharam o trânsito em vias da capital para protestar. Eva quer compreender por que os alunos continuam acampados.

"Entendi a luta deles, mas vão ficar até o ano que vem? Chega uma hora que vira ato de heroísmo só. Agora tem que esperar conversar sobre o assunto, dialogar bem", diz ela, olhando através do vidro.

A atriz salta do táxi no Conjunto Nacional e toma o mesmo elevador em que um empregado da Livraria Cultura transporta um carrinho com livros infantis. "Oba! Vamos escolher um", brinca ela.

No burburinho do lançamento, outro funcionário ajuda a abrir o caminho entre as pessoas. Uma mulher chega para pedir uma foto. Eva, que detesta selfies ("A gente sai torto, sem luz, às vezes com um baita narigão"), sugere que seja dali a pouco. As pessoas na fila olham para a atriz e cochicham. Um moço lhe fala: "Sua maravilhosa".

Bruna Lombardi se empolga ao vê-la: "Vivinha, meu amor!". Eva pega o autógrafo e posa para as câmeras. Na direção da saída, pede calma a um rapaz que se enfia na frente e quase empurra outro que posa ao lado dela. Antes de entrar no carro, deixa uma dedicatória ao repórter no livro de Bruna, desenha ao lado o esboço de um bonequinho sorridente e se despede. É Vivinha que segue.

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