Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Ofensa só existe se você aceita, diz Giulia Be

Cantora de 21 anos conta que aprendeu a lidar com detratores em conversa com Platão, afirma que está concluindo o seu primeiro álbum e fala sobre machismo

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Retrato da cantora Giulia Be Lufré/Divulgação

A cantora Giulia Be, 21, aprendeu a lidar com detratores “em uma conversa com Platão”. Foi no mesmo dia em que ela chorou para seus seguidores após ser criticada nas redes sociais pela apresentação que fez ao vivo no programa de Fátima Bernardes, da TV Globo.

Era fim de junho, e ela estava na atração para divulgar a música “Lokko”, seu trabalho mais recente. Internautas zombaram da performance e do figurino da artista. Depois do programa, a carioca postou vídeo emocionada em suas redes sociais.

“Eu sabia que não ia dar certo hoje. Às vezes a gente acorda e não está no nosso melhor dia, mas tem que fazer! É o trabalho”, disse ela na gravação postada para os seus 2,1 milhões de seguidores no Instagram.

Na mensagem, a cantora ainda pediu desculpas aos fãs por não ter apresentado o seu melhor e disse que ficou ansiosa antes de entrar. “Para todo mundo que vai pra internet pra falar mal, só me deixa em paz, por favor”, seguiu a jovem no desabafo.

“Hoje eu entendo que o dia da Fátima foi muito importante”, afirma Giulia de seu quarto, de onde conversou com a coluna por chamada de vídeo.

Retrato da cantora Giulia Be - Lufré/Divulgação

Ela lembra que o seu contato com o filósofo grego se deu na sequência daquele turbilhão de hostilidade virtual. “[Os ataques] tinham acabado com o meu dia”, diz. “Eu estava hospedada na casa de uma amiga, e ela tinha um livro chamado ‘Pergunte a Platão’”, segue a cantora, que decidiu, então, folhear a obra.

“Lá tem uma passagem que explica a diferença entre dano e ofensa”, conta a jovem, que rememora o trecho. “É como se você estivesse no metrô e alguém pisasse no seu pé. Ele fica ferido. Isso é um dano. Se você é uma bailarina, por exemplo, não vai poder trabalhar.”

“Mas se alguém chega pra você e fala ‘meu Deus, que pé horroroso!’, o seu pé está bem. Você vai poder sair dançando, dar show. A única coisa que aconteceu foi alguém falar que aquilo era feio.”

“Entendi que a ofensa só existe a partir do momento que você a aceita. E eu não aceito ofensa. Aceito críticas construtivas. Temos, sim, que ouvir o que o público está falando. Quero mais é que deem opinião. Mas com respeito”, diz. “A vida é minha. A pessoa vai seguir a vida dela do jeito que ela falou, vai até esquecer que falou mal de você.”

Antes de se tornar a cantora Giulia Be, Giulia Marinho pensou em cursar universidade de direito. Mas um incentivo dado pelo guitarrista do grupo Maroon 5, James Valentine, nos bastidores do Rock in Rio 2017 fez ela decidir seguir a vida na música.

A então pré-universitária se deparou com o astro pop após a apresentação da banda no festival de música, ao qual ela foi como plateia —de última hora— convidada por uma amiga. A entrada dava acesso ao backstage. Ao ver James, ela comentou que cantava por hobby e entoou uma canção do Maroon 5. Segundo diz, o músico a elogiou e disse: “Você deveria fazer isso da sua vida”.

“A música era um hobby pra mim. Era uma paixão. Mas eu assistia Hannah Montana [seriado sobre uma jovem estudante que virava uma artista pop] na Disney e falava: ‘É um sonho, não existe isso. Não existe ser cantora no Enem. Cadê?”, brinca.

“[O James] foi a primeira pessoa que falou isso para mim”, lembra Giulia. A partir dali, ela abriu um canal no YouTube e passou a postar vídeos nos quais cantava covers de músicas conhecidas. “Eu mandava [o conteúdo] por WhatsApp para todo mundo: pro dentista, pra todos os grupos, todo mundo que eu conhecia.”

“E no começo esse trabalho orgânico foi uma delícia. Começou a ganhar visualização”, segue. “Mesmo sendo geração Z [pessoas nascidas entre 1990 e 2010, acostumadas à tecnologia desde cedo], eu não acreditei no poder da viralização até acontecer comigo [risos]. Foi muito louco. As pessoas começaram a me reconhecer em festas.” Uma boa parte das letras de suas canções ela fez em parceria com o irmão Daniel Marinho.

O nome artístico de Giulia faz referência ao verbo “to be” [ser, em inglês], e por isso deve ser pronunciado Giulia Bi. A alcunha foi escolhida após muito tempo encucada com as possibilidades. “Tinha pensado em mil coisas, variações desde Ziggy Stardust. Comprei livro de mitologia pra ver se eu achava um personagem que me identificava”, segue.

“De alguma forma, eu encontrei no ‘be’ essa comunicação. Eu sabia que as minhas músicas eram mensagens, garrafinhas em que eu deixava um papiro e soltava no mundo para alguma adolescente receber. Vi no ‘be’ o poder de ter essa comunicação direta, be yourself [seja você mesma, em tradução livre].”

Ela descreve o seu estilo como “bedroom pop”. “Porque o meu pop começou no bedroom mesmo”, diz, citando o termo em inglês que significa quarto de dormir, local de onde ela gravava seus vídeos.

O sucesso virtual fez com que Giulia fosse descoberta pela gravadora Warner Music Brasil. Com isso, sua música “Too Bad” virou tema de uma personagem no folhetim “O Sétimo Guardião”, da TV Globo.

Giulia gravou a música “Inesquecível” com o cantor Luan Santana. A parceria, que também contou com um videoclipe, foi alvo de boatos sobre uma suposta relação entre os dois —na mesma época, o cantor havia terminado o seu noivado.

A cantora vê o episódio como “mais um para o arquivo do Brasil machista”. “Na sociedade não questionam o sucesso de um homem, não perguntam quem ele pagou para estar lá, com quem ele dormiu, o que ele teve que fazer…”, diz. “Essa situação foi um reflexo disso.”

Retrato da cantora Giulia Be - Lufré/Divulgação

Giulia é filha de Adriana Marinho e do empresário Paulo Marinho, suplente de senador de Flávio Bolsonaro e hoje rompido com a família presidencial. O irmão dela, o comunicador André Marinho, também se celebrizou com comentários divertidos e ácidos sobre política em redes sociais e no Programa Pânico, da rádio Jovem Pan.

O envolvimento de familiares com política, contudo, não faz ela se sentir cobrada a se manifestar sobre o tema. “Nunca vou ser a pessoa que vai fazer um post do momento de uma história que sei pela metade”, diz. “Você não precisa lacrar. As pessoas vão comentar palminhas, mas o que isso significa no fim do dia? Então, pra mim é sempre muito pensado, e não tenho medo de falar que não sei coisas.”

“Não sou um órgão de notícias. O que eu falar é algo em que realmente acredito que é importante e decisivo para você, como jovem e pessoa, que acompanha o meu trabalho”, segue ela, que se diz anti-bolsonarista.


“Eu sou contra o Bolsonaro, essa Presidência negligente que ele promove, o seu descaso com a saúde e a situação atual do país, seus preconceitos entre diversos discursos que vão contra tudo o que prego e em que acredito. Ele não me representa, nunca me representou, e a irresponsabilidade perante essa pandemia apenas confirma a sua negligência.”

A artista está preparando um álbum ainda sem data definida de lançamento. O nome, conta ela, é segredo —mas já está escolhido desde 2017. “Acabei de escrever uma música que sedimentou o conceito do disco —e agora fui entender o porquê desse nome. Mas de repente na semana que vem pode ser outra coisa.”

Giulia compara o processo pelo qual tem passado ao ciclo de vida de uma borboleta. “Somos lagartinhas, entramos em forma de pupa, viramos borboletas e evoluímos. [Esse processo] representa um pouco como foi essa quarentena pra mim. Me sinto cada vez mais pintando as listrinhas da asa dessa borboletinha que está se preparando para voar.”

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