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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Não existe Carnaval com felicidade doente', dizem Preta e Flora Gil

Cantora que comanda o Bloco da Preta e dona do camarote Expresso 2222 em Salvador afirmam que só voltarão a promover a folia quando a pandemia terminar e todos estiverem seguros

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A cantora Preta Gil, 47, começou a trabalhar aos 16 anos para "ganhar um dinheirinho para comprar uma mochila da Company" [marca dos anos 80]. Seu primeiro trabalho foi ao lado da madrasta, a empresária Flora Gil, 60, como assistente em um projeto cultural.

Hoje também uma empresária bem-sucedida, Preta conta que foi com a mulher de seu pai, Gilberto Gil, mãe de três dos seus irmãos, que aprendeu a não ter medo do trabalho duro. "Ela sempre falou para mim: ‘Independência é tudo na vida’", lembra Preta.

Preta Gil se emociona ao encontrar Flora Gil no camarote Expresso 2222 em 2018, ano em que a cantora assumiu o comando do espaço no lugar da madrasta - Raul Spinassé - 09.fev.2018/Folhapress

"E a história de como ela conheceu meu pai também era inspiração. Ela tinha 18 anos e já trabalhava, era vendedora em uma loja de roupa de um shopping em SP. E daí por causa do trabalho dela, ela ganhou uma viagem para Salvador e lá conheceu meu pai e tudo começou", diz.

Flora comanda a GeGe Produções e administra a carreira de Gil. Foi a primeira empresária a conseguir reunir todos os direitos autorais da obra de um músico. Dona do camarote Expresso 2222, do Carnaval de Salvador, é ela quem administra as casas e encontros da família Gil — o cantor tem três filhos com Flora, quatro de casamentos anteriores, 12 netos e uma bisneta.
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A cantora Preta Gil fotografada remotamente durante entrevista para a Folha por videochamada - Bruno Santos/Folhapress
A empresária Flora Gil fotografada de maneira remota durante entrevista por videochamada
A empresária Flora Gil fotografada de maneira remota durante entrevista por videochamada - Bruno Santos/ Folhapress

Em 2018, a empresária anunciou que se aposentaria do trabalho no Expresso 2222, que fundou em 1999. Preta assumiria a função. "Nosso camarote é afetivo, é o único de Salvador que não é comercializado. Trabalho há 23 anos com a mesma pessoa que faz o acarajé, os docinhos. Para eu sair dali tinha que entrar alguém da família, e a Preta era ideal."

O bastão ficou com Preta só por um ano. "É utopia achar que a Flora não vai mais fazer. O Expresso é a Flora", diz a cantora, que também produz seu próprio Carnaval, o Bloco da Preta. Seu trio já arrastou milhões de pessoas pelas ruas do Rio e também em SP.

Com a vasta experiência em curtir o Carnaval e trabalhar para que os outros se divirtam durante a festa, ela e Flora, que já tiveram Covid, decidiram ficar mais um ano sem fazer o Expresso e o Bloco da Preta, por causa da pandemia. A decisão, afirmam, foi tomada antes da nova variante do coronavírus, a ômicron, surgir e fazer com que prefeituras começassem a cancelar o Réveillon e o Carnaval de 2022.

‘Eu li ‘Preta Gil cancela o Carnaval’. Nunca tomei a decisão de sair com o bloco. Espero que seja em 2023, se a vacinação caminhar e brecarmos essas cepas", afirma a cantora.
As duas, que são ainda comadres —Flora é madrinha de Francisco e de Sol, filho e neta de Preta— conversaram com a coluna por videochamada de suas casas, no Rio, na quarta 1º. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

​DECISÃO DE NÃO FAZER O CARNAVAL

Preta: A pandemia não acabou, não temos 100% da população vacinada e não me sinto segura. E tenho uma questão pessoal. Sou um expoente de alegria, estou ali segurando a energia de um milhão de pessoas na rua. Não estou emocionalmente pronta para encarar o Carnaval com tantas vulnerabilidades. Toda vez que penso nessa cena [de subir no trio elétrico] com a gente vivendo o que a gente tá vivendo...

Este ano perdi minha avó [aos 96 anos], perdi meu melhor amigo [o ator Paulo Gustavo, morto por Covid aos 42 anos, em maio], dentre outras 615 mil pessoas. Carnaval é o momento em que o brasileiro realmente vai pra rua se divertir. Se não tenho essa alegria em mim, como vou levar alegria para outras pessoas?

Flora: É complexo falar sobre o cancelamento de um evento. Os governantes têm um desafio gigante. A pandemia não acabou, o que aconteceu foi a chegada da vacina. Mas sigo achando que aglomeração é um multiplicador de casos de Covid. É triste, a gente lamenta não fazer, mas eu priorizo a saúde.

A gente sabe do impacto financeiro que tem pra todo mundo cancelar um evento, é uma indústria. Mas aí tem que cobrar do governo, ver como se pode ajudar essas pessoas. Sem garantir a saúde, como vamos garantir renda?

ANDAR PARA TRÁS

Flora: A gente tá vendo essa nova variante agora. Imagina se faço o Carnaval e 15 dias depois tem lockdown? Prefiro não fazer. Sabe jogo de tabuleiro que você faz, erra e tem que andar cinco casinhas pra trás? É isso que vai acontecer.

Preta: Só que andar cinco casinhas pra trás agora é ver gente morrendo. A vida não pode virar esse ‘Round 6’ [série da Netflix em que as pessoas morrem ao perder jogos], tem que ter responsabilidade.

Flora ao lado de Bono, vocalista do U2, que cantou com Gilberto Gil na varanda do camarote Expresso 2222 no Carnaval de Salvador em 2006 - REUTERS/Caetano Barreira-23.fev.2006

DESMASCARADOS

Flora: O que nos protege do vírus, além da vacina, é a máscara. Como vou fazer uma festa onde só tem bebida e comida e ninguém usando máscara?

Preta: Carnaval é rua onde todo mundo se mistura, vacinado e não vacinado. Não dá pra pedir carteira de vacinação. A gente tá começando a ver uma estabilidade [no número de mortes por Covid], conseguiu brecar em duzentas por dia. Mas não significa que é ‘Oba, acabou a pandemia!’. Não dá para normalizar duzentas mortes.

Preta: Não vou criticar ninguém que vá a bloco, que faça camarote. Isso é uma decisão pessoal. Aqui você está falando com duas empresárias. Quando subo em cima do trio, não é só a artista ali. Sou responsável por aquelas pessoas. O meu emocional não consegue ser responsável por aquelas pessoas nesse momento de tanta fragilidade e o da Flora também não. Se você quer fazer uma festa na sua casa, cabe a você ver como seguir os protocolos, ter controle. A gente tá falando aqui de responsabilidades do poder público e de decisões pessoais.

Flora: Para que eu vou cooperar com a permanência e eventualmente a expansão da pandemia agora? Se cada um fizer sua parte, eu tô fazendo a minha. Mas não vou ficar dizendo que o outro tá errado, o que deveria fazer.

Eu não acredito na felicidade doente. Não é o último ano da vida de todo mundo. Não foi anunciado o fim do mundo pra gente querer correr e fazer tudo agora. A pandemia não vai durar para sempre, tem que ter calma.
Flora Gil e o música Pedro Baby (à dir.) batizam Sol de Maria, neta de Preta Gil, sendo observados pelos pais da menina, Laura Fernandez e Francisco Gil (ao fundo)
Flora Gil e o músico Pedro Baby (à dir.) batizam Sol de Maria, neta de Preta Gil, sendo observados pelos pais da menina, Laura Fernandez e Francisco Gil (ao fundo) - Instagram @pretagil

SEM NORMALIZAR

Preta: Eu sou muito rigorosa, muito chata, quase não saio de casa. Eu não normalizei a minha vida ainda, não vou a festa, show, restaurante. A primeira vez que eu fui a um restaurante foi no da minha irmã Bela, em SP, na semana passada, porque lá é aberto e me senti segura. Minha agenda de shows está aberta só a partir de abril de 2022 —e se até lá já estivermos seguros.

ATAQUES

Preta: Quando tive Covid, logo no início da pandemia, fui infectada trabalhando, cantando num casamento após o Carnaval [o da irmã da influenciadora Gabriela Pugliesi]. Não existia ainda protocolo de máscara, de nada. E disseram que eu tinha espalhado Covid. Foi terrível ouvir aquilo doente, com medo. Então prefiro ficar em casa e poupar os meus fãs de se exporem no meu bloco. Só quando todo mundo estiver seguro é que vou botar meu bloco na rua de novo.
Gilberto Gil, Flora Gil e Preta Gil no camarote Expresso 2222 no Carnaval de Salvador
Gilberto Gil, Flora Gil e Preta Gil no camarote Expresso 2222 no Carnaval de Salvador - GeGe Produções

PERDA DE PAULO GUSTAVO

Preta: É uma ausência diária. A gente se falava todo dia, ele era a pessoa que mais me incentivava. Tudo que vou fazer eu sempre penso no que ele me diria. Eu tive uma outra perda grande na minha vida, do meu irmão Pedro [morto em um acidente de carro aos 19 anos], e a morte do Paulo reacendeu em mim esse luto. Eu tentei transformar a minha dor em algum propósito e assumi algumas responsabilidades que o Paulo tinha com as Obras Sociais Irmã Dulce.

Eu fiquei com muita raiva porque ele e milhares de pessoas morreram com uma doença para a qual já tinha vacina e que esse governo negligenciou. Minhas últimas conversas com ele eram só sobre vacina. Ele queria se vacinar.

Paulo Gustavo e Preta Gil com seus respectivos maridos, Rodrigo Godoy e Thales Bretas
Paulo Gustavo e Preta Gil com seus respectivos maridos, Rodrigo Godoy e Thales Bretas - Arquivo pessoal

ELEIÇÃO 2022

Preta: O que eu puder fazer para ajudar a tirar esse governo que está aí, pode ter certeza que vou fazer. Mas na base do amor, do respeito, porque não jogo na mesma moeda que eles.

E se a eleição fosse hoje, eu votaria no Lula.

Flora: Eu também. Lula com quatro ‘Ls’, duas vezes. Gosto de gostar do Lula.

Preta: Aprendi a gostar dele.

Flora: Não é que a Preta não gostava, ela não entendia o gostar do Lula.

Preta Esse desgoverno atual me fez repensar tudo o que eu pensava sobre o Lula, me ensinou a gostar e valorizar tudo que o Lula fez, faz e vai fazer por nós.

DESCASO DE BOLSONARO COM A CULTURA

Flora: Não ter pontualmente Carnaval ou Réveillon é ‘peanuts’, não é nada perto do que esse governo fez com tudo e com a cultura. Não ter cultura em nenhum lugar é uma tragédia. A gente viu com o Gil o trabalho de formiguinha que foi construir tanta coisa [Gil foi ministro da Cultura no governo Lula].

Preta: É uma tragédia e muito danosa. Como tudo que esse governo faz: negligenciar povos indígenas, as políticas antiLGBTQIA+, contra estudantes, mulheres, negros. É a tragédia instaurada e anunciada porque as pessoas votaram nisso. Não tem essa de ‘Ah, não sabia que era tão ruim’.

Flora: Tem uma coisa perfeita que o Jorge Mautner falou: ‘Não há abismo que caiba o Brasil’. Sabemos que depois de amanhã não vai virar a página e tudo melhorar. Mas a gente vai conseguir se livrar. Não há mal que sempre dure. E vamos andar com fé que ela não falha.

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