Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo
Descrição de chapéu LGBTQIA+

BBB faz país enxergar pessoas trans e nossas pautas, diz atriz Carol Marra

Aos 44 anos, a atriz mineira interpreta pela primeira vez uma mulher cisgênero em uma novela da Globo, reclama da cobrança para artistas se posicionarem sobre política e diz que levantar a bandeira é 'muito chato'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Aos 44 anos, a atriz Carol Marra conta ter conseguido abrir algumas portas para mulheres transexuais no país em áreas que elas eram ignoradas, como a da moda e a do audiovisual. Despontou como modelo, atuou em séries e filmes e se apresenta como "a primeira trans a protagonizar um beijo na TV" (em "Romance Policial - Espinosa", do GNT, em 2015) e a posar nua para a revista Trip.

Agora, vive sua primeira personagem mulher cisgênero (que se identifica com seu gênero de nascença) na novela das 19h da Globo, "Quanto Mais Vida, Melhor!", de Mauro Wilson. "Fico triste quando leio ‘a primeira trans’ [a fazer algo]. Queria ser só mais uma", afirma Carol.

A atriz Carol Marra em sua casa na região dos Jardins, em São Paulo
A atriz Carol Marra em sua casa na região dos Jardins, em São Paulo - Thalles Garbin/Divulgação

Mesmo com algumas conquistas, diz que o Brasil "ainda precisa subir muitos degraus, de saltos finíssimos" em relação aos direitos das pessoas LGBTQIA+.

E critica a hipocrisia do país "que mais mata transexuais no mundo e que também é o maior consumidor de pornografia trans no planeta".

A atriz falou à coluna dias antes do Dia Internacional da Visibilidade Trans e Travesti, celebrado neste sábado (29). "As pessoas ainda se preocupam muito com a sexualidade do outro, com o que você faz entre quatro paredes."

Em uma entrevista à coluna, em 2016, Carol disse que o principal interesse das pessoas era referente à sua genitália. Seis anos e uma cirurgia de redesignação sexual depois, o incômodo persiste. "Entendo a curiosidade, mas é um assunto que me cansa."

Ela também diz que estava farta de fazer o mesmo papel da mulher trans retratada de maneira caricata nas telas. Por isso, a atual personagem é um alento. "Já estava na hora, né?"

Há outras duas atrizes trans na novela —Marcella Maia, que interpreta a Morte, e Nany People, que faz a porteira de um motel. "Em momento algum a gente está levantando bandeira de discussão de gênero, até porque levantar a bandeira é muito chato, você se torna uma pessoa pesada. É preciso normalizar os corpos trans no Brasil", afirma.

"A novela é assunto na mesa de jantar da família, no bar entre amigos, é um veículo de massa. É importante mostrar pessoas trans fora dos estereótipos", continua a atriz.

Por isso, celebra a participação da cantora Linn da Quebrada no "BBB" 22, embora, diz, tenha "demorado muito". Linn é a segunda mulher trans no reality da Globo, depois de Ariadna Arantes, em 2011.

Nos primeiros dias de "BBB", a cantora, que alterou seu nome nos documentos para Lina, foi tratada pelo pronome masculino por alguns participantes. Quando uma colega se desculpou dizendo que estava tentando aprender, ela respondeu que já havia dado tempo para isso.

"O básico é você ser chamado pelo seu nome social, não tem que ensinar nada", opina Carol. "Ainda mais no caso da Linn, que tem uma tatuagem escrito ‘ela’ na testa. Esse preconceito não cabe mais nos dias de hoje. A gente já cansou.

Com o fim das gravações da novela, Carol se prepara para protagonizar seu primeiro longa, "Odara", em que fará par romântico com Ricardo Pereira e contracenará com Maria Fernanda Cândido e Silvero Pereira. Também planeja retomar o projeto de um monólogo com o diretor Jorge Farjalla.

Nascida em Belo Horizonte, ela se mudou para o Rio ainda adolescente. Foi lá onde estudou jornalismo, começou a carreira como modelo e assumiu a identidade feminina, aos 22 anos.

Hoje, vive em São Paulo. Acabou de se mudar para um apartamento maior nos Jardins com o empresário Tarik Migliorini. Juntos há cinco anos, eles ficaram noivos neste mês e iniciaram o processo para ter um filho por meio de uma barriga de aluguel fora do país, já que aqui ainda não é permitido.

Para isso, contrataram a mesma agência usada pelo ator Paulo Gustavo e o dermatologista Thales Bretas , mas o bebê deve ficar para o fim deste ano ou o seguinte.

"A gente é julgado, apedrejado. Os fundamentalistas religiosos fazem vista grossa, mas [uma mãe trans] não vai influenciar nada na formação de caráter ou sexualidade."

Para alguém que fazia xixi na calça por medo de ir ao banheiro da escola quando criança, Carol diz que não há nada como ser livre para ser o que sempre quis ser —tanto é que tatuou "liberdade" na nuca.

A atriz Carol Marra em sua casa na região dos Jardins, em São Paulo
A atriz Carol Marra em sua casa na região dos Jardins, em São Paulo - Thalles Garbin/Divulgação

REDESIGNAÇÃO SEXUAL

Não me arrependo. Eu já tinha absorvido aquela realidade antes mesmo de vivenciá-la porque foram tantos anos escondendo aquilo que não era para eu ter. Sou a mesma Carol de antes da cirurgia [de adequação, feita em 2017].

Claro que muda na minha intimidade. A produção de hormônios é outra, tenho ondas de calor de mulher na menopausa, meu corpo ganhou curvas, a minha pele mudou.

Também tive que aprender essa nova forma de sentir prazer com o meu parceiro, e ele teve que ser superpaciente. A cirurgia não é uma castração, né? Todas as terminações nervosas são preservadas. Hoje tenho prazer como qualquer outra mulher. Isso é gostoso, é libertador.

IMAGEM

Tenho a preocupação de me vestir de uma forma adequada, porque as pessoas me julgam. A sociedade ainda associa a mulher trans a uma profissional do sexo. Eu não sou melhor do que elas, mas essas meninas não tiveram oportunidade. Elas adorariam ser artistas, professoras, médicas, e são vistas como um pedaço de carne, ou são invisíveis. Ninguém dá uma chance, uma palavra de carinho.

O QUE MUDOU

Foi no mundo da moda onde eu mais sofri preconceito. Sentia que nos desfiles o menor biquíni era escolhido para mim. A passarela se transformava num circo bizarro.

Hoje, muitas marcas incluem modelos gordas, pretas e trans, mas porque parece estar na moda. Muitas fazem isso para entrar na onda e não serem excluídas. Não é algo orgânico, que vem do coração.

Toda regra tem sua exceção, e eu tenho a sorte de ser parceira de marcas. Já é um avanço. A menina que está lá no interior do Acre vai ver a minha cara e pensar: "Poxa, se ela pode eu também posso". Na minha época não tinha essa força das redes sociais.

REDES SOCIAIS

Tem um lado muito bom, mas também deu voz para muita gente vazia que é tida como reis e rainhas. Às vezes uma pessoa participa de reality, tem 50 milhões de seguidores, mas o que ela agrega? Entendo que a gente possa ser fã.

Mas tem tanto ator que vai fazer teste e tem que responder quantos seguidores tem nas redes. Quero ser avaliada pela minha capacitação profissional, não pela quantidade de seguidores nas redes ou pela minha sexualidade.

O meu talento é muito mais importante do que o que tenho entre minhas pernas —que vai ficar tapadinho, né? Ninguém se preocupa com, sei lá, o Antônio Fagundes. Se a genitália dele é grande, se é pequena, se é peluda, se não é. É um detalhe que tá lá embaixo.

‘BBB’

O programa é um estudo do ser humano, de como ele se comporta. As discussões, as brigas, tudo é um reflexo do que acontece aqui fora. Pode ser vazio? Pode. Mas olha a importância desse reality show. Milhões de pessoas estão falando de pautas trans, de preconceito, de violência contra a mulher, de racismo.

Eu adoraria estar lá. Mas eu tenho receio de tomar um drinque a mais na festinha, e aí, meu amor, na carência, eu vou abraçar aqueles bonitões e vai rolar a festinha do edredom. Como fica com o noivo e a minha reputação de moça certinha aqui fora? [risos]

POLÍTICA

É muito chato ter que ser cobrada a todo momento. Às vezes eu não quero me pronunciar e ponto. Não quer dizer que eu sou a favor do governo, ou contra, não tem nada a ver.

Meu ganha-pão é a minha imagem e a minha voz. Os contratos publicitários que tenho me impedem de me posicionar. Não me sinto confortável nesse lugar, pelo contrário. Mas aí vou me posicionar, agradar a meia dúzia de pessoas e vou ganhar dinheiro como?

Tem blogueirinha de moda com 20 milhões de seguidores e ninguém cobra um posicionamento político dela. Agora, vão cobrar o ator com 100 mil seguidores. Os artistas foram umas das classes mais prejudicadas na pandemia. Tenho amigos que estão em novelas sendo reprisadas e que estão passando dificuldades.

Os atores estão sendo massacrados, e aí vem essa gente ignorante, esse gado, falando que artista vive de Lei Rouanet, e nem sabem o que isso é.

MULHER, SIM

Costumo dizer que ser trans é ser mulher ao cubo. Mais do que a vontade, você tem que provar a todo instante, para todo mundo, que você é mulher. Isso é o mais chato. Então muitas colocam silicone, cabelo, unha, fazem maquiagem, harmonização facial.

A gente quer tanto ser mulher que às vezes exagera nos procedimentos. Já me arrependi de muita coisa e hoje eu prefiro uma aparência mais natural, até pela minha idade, já sou uma senhora [risos].

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.