Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'Me sinto vivendo uma angústia cívica', diz Paulo Betti

Aos 69 anos, ele prepara um livro autobiográfico, conta que luta há décadas para colocar a bandeira do Brasil no palanque de Lula (PT) e afirma preferir atuar a fazer campanha eleitoral

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O ator Paulo Betti posa para um retrato Sergio Zalis/Globo/Divulgação

Paulo Betti chegou aos 69 anos lançando mão de hábitos e passatempos peculiares. Um deles é o de apagar as luzes dos lugares por onde passa. "Apago a luz do camarim da Globo, do banheiro, do vestiário do clube que eu frequento. Se não tem ninguém, eu vou apagando. Às vezes alguém grita: ‘Ô, tem gente aqui’", conta, rindo.

Além da obsessão por interruptores de energia, recentemente o ator também se autopromoveu a uma espécie de regente em manifestações populares nas ruas. Basta ver uma marcha descoordenada para que ele sugira que as pessoas se desloquem mais para um lado ou para o outro. "Tem que caminhar sem deixar vazios. Isso é teatro básico. Tem que ter harmonia", diz ele, que em 2021 adotou a prática durante atos contra Jair Bolsonaro (PL).

O ator Paulo Betti posa para um retrato - Sergio Zalis/Globo/Divulgação

"Me coloco assim, como militante, e dou palpites", explica. Se engana, porém, quem pensa que seus pitacos se restringem a eventos pontuais. "Desde 1989 eu luto para botar a bandeira do Brasil no palanque do Lula [PT]. No comício final na Candelária [no Rio], em vez de descer a bandeira do PT e tocar ‘A Internacional Socialista’, eu queria a bandeira do Brasil e o Hino brasileiro."

"A última vez que me deu uma coceira para fazer isso foi na campanha do [Fernando] Haddad [à Presidência, em 2018]. Eu fiquei insistindo com a campanha, ligava, tentava influenciar as pessoas para botar uma bandeira do Brasil." Por insistência de Paulo Betti ou não, Haddad adotou as cores da bandeira no segundo turno.

Apesar do entusiasmo com a candidatura petista para este ano e de seguir defendendo que o PT una verde, amarelo, azul e branco ao vermelho, o ator diz que não pretende se engajar oficialmente na campanha de Lula. Reeditar o vídeo de artistas cantando "Lula Lá", como fez em 1989, nem passa por sua cabeça.

"Primeiro que eu teria que pedir licença para a televisão, porque não poderia continuar trabalhando. E depois que eu gosto mais de fazer novela do que de fazer isso", afirma. "Até tenho alguns contatos de pessoas [na esfera política] para quem passo ideias, ‘olha isso, olha aquilo’. Sou um informante no bastidor [risos]".

O ator Paulo Betti posa para um retrato - Sergio Zalis/Globo/Divulgação

Após mais de um ano recluso em razão da crise da Covid-19, o ator retornou aos estúdios da TV Globo no final do ano passado para dar início às gravações da novela "Além da Ilusão", atualmente exibida na faixa das seis pela emissora. "Eu entro no estúdio e sinto uma satisfação, uma alegria, sabe?", diz sobre a retomada. "Aquilo é a nossa Hollywood."

Na trama, Paulo Betti vive Constantino, dono de um cassino. Segundo o ator, o cenário da casa de jogos é o mais impressionante pelo qual já passou em mais de quatro décadas de carreira na televisão.

"Eu estou sorvendo a delícia que é ser ator. [É] como se para fazer qualquer personagem você agarrasse um fio desencapado. É um estado de entrega. Você entrega seu corpo, sua voz, tudo com aqueles detalhes que foram preparados por uma equipe maravilhosa."

"Esse comportamento de entrega quase religiosa tem um grau de insalubridade. Porque você tangencia de uma certa maneira algo que não é você, que você deseja e que você até exerce um certo poder com aquilo, mas não é você."

Paulo interrompe a celebração da arte de atuar para ponderar que a classe artística "vive sob tiroteio" atualmente. Na sua visão, determinados setores da sociedade se ressentem do prazer e da diversão proporcionados aos atores pelo exercício de sua profissão.

"As pessoas fizeram um critério de avaliação absolutamente absurdo e tomaram o que é um exercício nobre e, superficialmente, conseguiram botar pechas de ‘mamador da Lei Rouanet’, ‘a mamata vai acabar’, quando na realidade foi o contrário. Posso dizer, com muito orgulho, que eu dediquei 50% do meu trabalho para coisas públicas."

Para além das gravações de "Além da Ilusão", Paulo tem se ocupado de um diário no qual registra memórias, causos e recortes desde os anos 1980. O volume já serviu de inspiração para a peça "Autobiografia Autorizada", de sua autoria. Desta vez, ele revisita seus escritos com o objetivo de publicar um livro sobre a própria vida. "A memória parece que vai se incendiando, e pontos vão se preenchendo", diz sobre a leitura do caderno.

"Acho que tudo o que a gente é ou pretende ser ou pensa que é está relacionado à nossa infância", reflete. "É nesse lugar que eu estou mais focado. Ele é o que parece mais distante, mas é o que mais me aproxima de tudo hoje."

Nascido em Rafard, no interior paulista, Paulo Betti começou a trabalhar ainda cedo como ajudante de pedreiro de seu pai. Aos finais de semana, ele era pago para carregar carrinhos abastecidos com tijolos. Foi com essa função que garantiu seus primeiros ingressos em sessões de matinê do cinema de Sorocaba (SP), cidade onde cresceu.

O contraste entre uma infância pobre e a vida que leva atualmente ainda é um tema que leva para o divã. "É um choque porque você deixa a pobreza, mas a pobreza não deixa você. A gente carrega o que a gente é, no que tem de bom e no que tem de ruim também. Mas aí é trabalho, né? Já tem uns dez anos que eu faço análise e tento, de uma certa forma, destrinchar isso."

Seu caminho nas artes cênicas começou a ser desbravado para valer na década de 1970, aos 19 anos, quando deixou o interior paulista para frequentar a Escola de Arte Dramática na USP (Universidade de São Paulo), na capital. O desembarque na cidade grande se deu ao lado da atriz Eliane Giardini, sua então namorada e com quem ele teve duas filhas. "Eliane e eu nos apoiamos muito. É absolutamente uma sorte incrível ter na vida pessoas que sonham o que você sonha também."

O ator Paulo Betti posa para um retrato - Sergio Zalis/Globo/Divulgação

Não que os anos de USP tenham sido fáceis. Paulo alternava as aulas com o trabalho em bancos como o União Comercial e o banco de Boston. Foi entre as caixas registradoras que fez sua primeira tradução para o teatro: "Cerimônia para um Negro Assassinado", do espanhol Fernando Arrabal, que ele também viria a dirigir.

Pouco depois, Paulo Betti passou a se aventurar no mercado publicitário e também no da dublagem. "Tinha muita placa [nas cenas dos filmes]", relembra sobre seus primeiros trabalhos como dublador. "‘Arizona, 80 km’. Você só lê a placa [que está em inglês]. ‘Cuidado, explosivos’", diz, fazendo uma entonação típica de filmes.

Seu portfólio começou a mudar depois que foi contratado para fazer a novela "Como Salvar Meu Casamento", da extinta TV Tupi. A resposta para a pergunta, porém, Paulo não sabe até hoje. "A televisão acabou e a novela foi interrompida. Ninguém soube como salvar seu casamento", brinca.

O ator Paulo Betti posa para um retrato - Sergio Zalis/Globo/Divulgação

Apesar do desfecho trágico, o folhetim rendeu a Paulo Betti um público gabaritado. "O [sociólogo] Florestan Fernandes, o pai, me encontrou na feira e falou: ‘Assisto a tua novela’. Saí quase voando. Imagina o Florestan Fernandes me vendo na novela?", relembra.

No ano em que completará sete décadas de vida, Paulo reflete sobre o que chama de passagem violenta do tempo. "Até agora foi um sopro, né? Foi tão rápido que dá a impressão de que é um sopro", diz. "Acho que estou diante de um momento muito intenso e muito importante do ponto de vista estrutural e político", afirma.

"Temos um campo de luta que precisa da gente. Que precisa do nosso esforço, da nossa mais hábil, digna, patriótica, criativa e inspirada forma de frear a destruição e rapidamente iniciar um trabalho de reconstrução", segue. "Me sinto vivendo uma angústia cívica."

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.