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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Os personagens são muito melhores do que a gente', diz Marcos Palmeira

De volta à novela 'Pantanal' 30 anos depois, ator lembra dos bastidores da primeira versão da trama

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O ator Marcos Palmeira

O ator Marcos Palmeira Rogério Faissal/Divulgação

Nascido e criado em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, Marcos Palmeira, 58, não ganhou fácil o papel do peão pantaneiro Tadeu, da primeira versão de "Pantanal", de 1990, da TV Manchete. "Eu lembro que o Jayme [Monjardim, diretor da novela] me disse: Marquinho, com esse sotaque [carioca]?", recorda o ator.

"E eu falei: deixa eu tentar, deixa eu tentar", diz. Após a insistência, ele fez o teste e o resto é conhecido: Tadeu se tornou um dos personagens mais importantes de sua carreira.

Assim que soube que a Globo faria o remake de "Pantanal", mais de 30 anos depois, Palmeira afirma ter tido o mesmo desejo de querer muito participar da trama. Desta vez não precisou insistir. Foi convidado para dar vida a Zê Leôncio, pai de Tadeu, interpretado por Cláudio Marzo (1940-2015) na primeira versão.

O ator Marcos Palmeira
O ator Marcos Palmeira - Rogério Faissal

"É como se eu estivesse hoje com uma experiência a mais, mas sigo com o mesmo espírito amador, no sentido de poder me jogar dentro dessa história sem estar preocupado com coisas externas", diz ele em conversa com a coluna via Zoom.

Das diferenças do passado, compara as estruturas entre as duas emissoras —ou a falta dela, no caso da Manchete. "Pô, éramos sete homens dormindo num quarto", relembra o ator, aos risos. E água quente era artigo de luxo. "Agora tem a produção Globo por trás, o que dá um tamanho maior. A gente ganha muito em qualidade, mas às vezes perde esse lugar de improviso", observa.

Outra mudança é o próprio Pantanal que, na visão de Palmeira, é o grande protagonista da história. Ainda que a novela mostre imagens impressionantes, ele afirma que é possível ver como a região pantaneira sofreu nas últimas três décadas.

"É mostrado um Pantanal como ele está: desmatado, sofrendo. Mas ainda com beleza, ainda precisando de turismo e do apoio das pessoas", diz.

"A gente não acordou. Infelizmente, não aprendemos a lição. A gente ainda tem uma visão desenvolvimentista, de latifúndio, de monocultura. O discurso é 'vamos acabar com a fome', mas a fome só aumenta, a distribuição de renda só piora", lamenta ele, que é também produtor de alimentos orgânicos.

Questões comportamentais também foram atualizadas, mas a história segue a mesma. Por isso, apesar dos pedidos que já surgiram e podem ainda surgir dos telespectadores para que desfechos de alguns dos personagens possam ser alterados, isso não deve acontecer, antecipa ele.

"Seria complicado, porque não seria uma adaptação, mas uma nova trama inspirada em 'Pantanal'", diz. O remake é escrito por Bruno Luperi, neto de Benedito Ruy Barbosa, autor do folhetim original. Para os atores, afirma ele, poder já saber desde o início a trajetória dos personagens é um ganho em profundidade.

Palmeira diz que tem aprendido muito com Zê Leôncio, especialmente a questionar seus próprios hábitos de consumo. "Ele é um cara extremamente rico, e ele consome o que ele precisa. Ele gasta para preservar o Pantanal. Ele enriquece para manter aquela fazenda pantaneira", exemplifica.

"Isso tudo é quase um toque para mim de que a vida é muito mais simples. Às vezes, no ritmo do dia a dia, quando a gente vê, temos necessidades de coisas que não precisamos", explica.

Há 32 anos, quando interpretou Tadeu no estrondoso sucesso que foi a primeira versão da história, Palmeira afirma que a novela ampliou o seu leque de oportunidades na carreira para além do tipo no qual ele era encaixado, do "playboy urbano" da zona sul carioca.

"Ouvir que as pessoas acharam que eu era um pantaneiro mesmo foi muito bom para a minha autoestima, me deu muita segurança como ator", relembra. "Me deu a chance de ir fundo na alma desse brasileiro, porque eu adoro fazer esse homem do campo. Depois de 'Pantanal', veio 'Renascer' (1993), 'Irmãos Coragem' (1995), o Guma de 'Porto dos Milagres' (2001), personagens nesta linha que eu talvez não teria feito."

Ao mesmo tempo, ele salienta que conseguiu manter papéis urbanos como Mandrake, o advogado que dá nome à série da HBO (2005-2007), e pelo qual ele foi indicado ao Emmy. "O ator às vezes acredita muito no que estão dizendo que ele é. E a gente é mais do que isso. Esse, talvez, tenha sido um grande ganho meu ao fazer a novela", reflete.

Após "Pantanal", Marcos Palmeira seguiu na Manchete, onde logo na sequência protagonizou pela primeira vez uma novela, "Amazônia" (1991-1992), um fracasso. Viver as duas situações, na visão dele, foi um aprendizado e o ajudou a não se deslumbrar com a profissão.

"Valeu muito como experiência, até por essa vivência de um grande sucesso seguido de um fracasso para entender que os dois se equilibram, um não se sobrepõe ao outro. Tudo faz parte", analisa. "Você não é o máximo ao fazer sucesso, e você não é um m... —desculpe a palavra— ao fazer um fracasso. É a vida, né, são ciclos", diz.

"Os personagens são muito melhores do que a gente, o sucesso está muito mais ligado a um conjunto de fatores", analisa.

Com pouco mais de um mês de exibição, a nova versão de "Pantanal" tem batido recordes de audiência no Ibope, além de ficar constantemente entre os assuntos mais comentados nas redes sociais.

Para Palmeira, o mais importante é que a novela seja um momento de lazer para as pessoas, um "refresco" para o momento difícil que o Brasil enfrenta. "A gente está precisando ter mais entretenimento, a gente está precisando ter imagens bonitas, ver o tuiuiú voando de novo, acreditar que nós podemos dar aquele voo. Ver a anta, ver a paca, ver o veado-campeiro, o lobo-guará, ver a onça, mesmo que seja com a patinha queimada, ver a arara, mesmo que ela não tenha tanta árvore para pousar, mas ela segue ali tentando se reconstruir", diz.

O ator afirma que a campanha eleitoral de 2022 será muito dura, mas que ainda é "muito cedo para cair na polarização". Ele acrescenta que não definiu o seu voto para presidente, embora não hesite em dizer que "qualquer um" é melhor que o atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

"A gente tem um governo que conseguiu implementar o projeto dele, que é a destruição das instituições mesmo. Ele está conseguindo desmoralizar a Funai, a Polícia Federal, a cultura. Está muito difícil", opina.

"A gente está vivendo a falta de educação. De repente, aquele cara que ultrapassou você pela direita, ele está comandando o país. O cara que sempre teve um jeitinho, que resolve na bala. Não tem lei. A lei é dele. Esse espírito miliciano é muito deprimente", completa.

Marcos Palmeira afirma não ver até agora entre os candidatos ao cargo um "projeto para o Brasil". "Eu vejo todo o mundo de Seu Boneco [personagem da Escolinha do Professor Raimundo], só 'indo para a galera'."

"A gente está vivendo pontos extremos dos dois lados. Se você é contra um, você é naturalmente considerado a favor do outro. Há pouca escuta. Ninguém está interessado em propor algo realmente", acrescenta.

Sem citar o nome do ex-presidente Lula e do PT, o ator afirma que falta autocrítica "ao outro lado". "Se você não reconhece seus erros, como é que você avança? Eu não vejo o reconhecimento de erros, a possibilidade de um novo Brasil, de uma nova cara, não vejo isso", diz.

Na visão dele, é preciso mudar. "Mas agora o cara que está propondo a mudança é a volta para o que a gente estava. A gente não vai para frente nem constrói algo novo."

A coluna o questiona: Voltar para o que estava é o Lula ser eleito? "É...e ele também não se reconhece naquele lugar. Vem como salvador da pátria. Mais uma vez a gente vai acreditar nesse salvador da pátria? Quer dizer, somos nós, a culpa é nossa", analisa.

O ator Marcos Palmeira
O ator Marcos Palmeira - Rogério Faissal/Divulgação

Palmeira cita Marina Silva, candidata que ele apoiou nas eleições presidenciais de 2018. "Por que ela incomoda? Porque ela faz você pensar, porque ela te coloca no centro da questão. Ele não vem trazendo a solução. Ela propõe: 'Eu resolvo, se você mudar e vier junto comigo'. E ninguém faz isso, todo mundo fica só jogando para a torcida".

"No meu governo, ela seria ministra da Economia", prossegue. Indagado se gostaria de entrar na política, o ator afirma que a própria Marina já o sondou sobre o assunto, mas ele não quis. "Eu não conseguiria, não tenho diplomacia para discutir com um cara tão, tão...enfim, do nível que temos aí."

"Acho que posso ajudar mais no meu trabalho, me comunicando com as pessoas como me comunico, tentando levar um pensamento diferente. Sair dessa coisa da verdade absoluta. Isso me incomoda muito nos dois lados que estão aí."

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