Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Eleições 2022

Flávio Bolsonaro merece troféu de burrice por censura, dizem assessores de presidente

Decisão judicial seria tiro no pé pois amplificaria escândalo e dificultaria missão da campanha de reavivar casos de corrupção da era Lula

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A iniciativa do senador Flávio Bolsonaro de pedir a censura de uma reportagem do UOL que revela o uso de dinheiro vivo para a compra de imóveis pelo clã Bolsonaro está sendo vista como um tiro no pé por assessores de Jair Bolsonaro (PL), que temem o reflexo da medida sobre a campanha do presidente pela reeleição.

De acordo com um deles, o filho do presidente da República mereceria um "troféu de burrice" por obter uma decisão judicial que contraria o discurso de Bolsonaro, de liberdade de expressão total e irrestrita.

O senador Flávio Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Adriano Machado - 2.fev.2022/Reuters

O "desastre", de acordo com o mesmo assessor, se agrava pelo fato de a censura ocorrer a oito dias do primeiro turno das eleições, marcado para 2 de outubro.

O escândalo dos imóveis, que já vinha sendo explorado por Lula (PT), ganharia agora uma repercussão ainda maior, dificultando a tarefa da campanha bolsonarista de reavivar casos de corrupção contra o petista para evitar que ele herde votos de Ciro Gomes (PDT) nos próximos dias e vença as eleições sem precisar disputar o segundo turno.

Flávio, ao lado do setor jurídico que o auxiliou na empreitada, estariam, portanto, ajudando a criar um fato político, e não apenas jurídico, desfavorável ao presidente.

Uma liminar concedida pelo desembargador Demetrius Gomes de Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, determinou que o UOL retirasse duas reportagens do ar, e também postagens em redes sociais com menção a elas.

O desembargador ainda ordena que conteúdo relacionado às publicações seja apagado das redes sociais da jornalista Juliana Dal Piva, que é autora das reportagens com o jornalista Thiago Herdy.

O UOL cumpriu a decisão, mas vai recorrer.

A advogada do portal, Mônica Filgueiras Galvão, diz que ela "viola precedentes estabelecidos no sistema jurídico brasileiro e pretende retirar do debate público, às vésperas da eleição, informações relevantes sobre o patrimônio de agentes públicos".

As reportagens mostravam que 51 de 107 imóveis adquiridos pela família de Bolsonaro foram pagos em dinheiro vivo.

O fato está sendo explorado pela campanha de Lula, que diz que o presidente tem que se explicar sobre as transações.

A primeira reportagem, publicada em 30 de agosto, informa o uso pelo clã Bolsonaro de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões atualizados pelo IPCA) em transações realizadas total ou parcialmente com dinheiro em espécie desde o início dos anos 90.

A segunda reportagem, publicada em 9 de setembro, detalha as evidências de uso de dinheiro vivo em cada uma das 51 transações relatadas pela reportagem, produzida durante sete meses e tendo como base informações colhidas em 1.105 páginas de 270 documentos requeridos em cartórios.

O desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti afirma que as reportagens usaram informações de investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o uso de dinheiro em espécie sobre compras realizadas pelos filhos do presidente. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou parte dos dados da investigação, oriundos de quebra de sigilo bancário e fiscal.

Segundo o pedido da defesa de Flávio, as reportagens "buscaram amparo em um vazamento ilegal de informações, promovido no âmbito de investigação sigilosa, elementos informativos estes que foram anulados pelo Superior Tribunal de Justiça".

"É sabido que tais fatos foram obtidos de forma ilícita, porquanto vazados de inquérito policial que foi anulado pelo Superior Tribunal de Justiça, pode-se concluir que a divulgação de tais dados mostra-se abusiva", disse o magistrado, ao decidir pela censura ao UOL.

Ele afirma que a decisão foi dada com urgência "haja vista a aproximação de pleito eleitoral, no qual concorre a cargo público, de notória expressividade, o pai do requerente, sendo que a continuidade na divulgação das referidas matérias trará, não só aos familiares, como ao candidato e ao Requerente, prejuízos em relação à sua imagem e honra perante a opinião pública, com potencial prejuízo à lisura do processo eleitoral".

Transações em espécie não são crime, mas podem ter como objetivo dificultar o rastreio de valores de fontes ilegais. Dados obtidos por órgãos de investigação e imprensa mostraram que a família Bolsonaro, em especial o senador Flávio Bolsonaro, movimentou R$ 3 milhões em dinheiro vivo.

Para o Ministério Público do RJ, o filho do presidente utilizou recursos provenientes do suposto esquema da "rachadinha" em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa para comprar imóveis e pagar despesas pessoais.

Dados da investigação mostraram que Bolsonaro também teve, quando deputado federal, transações e práticas semelhantes às que levantaram suspeita contra seu filho mais velho.

Após a decisão que determinou a remoção do conteúdo do UOL do ar, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ironizou o episódio nas redes sociais.

"Será que o Bolsonaro também vai querer colocar sigilo de 100 anos na matéria do UOL sobre compra de imóveis em dinheiro vivo?", disse Lula.

Segundo publicou o UOL, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) "vê com muita preocupação uma decisão judicial que manda retirar um conteúdo que é baseado em fatos, em documentos".

"Não há nenhuma inverdade nesse conteúdo. A gente acha que o Judiciário extrapola quando toma esse tipo de decisão porque cerceia o debate e impede que as pessoas tenham acesso a informações importantes. Inclusive a inicial, o pedido, é baseado no fato de que essas informações já são públicas", diz Katia Brembatti, presidente da associação.

Em nota, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) protestou contra a medida, que seria "mais um ato contra a liberdade de imprensa no Brasil" e estaria "privando os cidadãos do direito de serem livremente informados".

"A ANJ espera que a decisão seja revista o quanto antes, de modo que a população tenha restabelecido o seu direito de acesso à informação", afirmou a organização.

A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) também se manifestou e disse que a censura é inconstitucional e contraria decisões anteriores do STF (Supremo Tribunal Federal).

"Em nenhum momento o senador Flávio Bolsonaro provou a licitude do dinheiro utilizado ou mesmo que os dados apresentados pelo Ministério Público estavam incorretos", afirma a nota.

"A decisão de censurar a notícia, tomada pelo desembargador, deve ser revista imediatamente, seja por decisão de moto próprio ou pelos tribunais superiores. É preciso fazer valer o preceito constitucional de que a liberdade de imprensa é um direito de toda a sociedade."

Na segunda-feira (19), ainda segundo o UOL, o juiz Aimar Neres de Matos, da 4ª Vara Criminal de Brasília, havia rejeitado a censura à reportagem, solicitada pelos advogados de Flávio. Na ação, eles também alegavam que os jornalistas praticavam crimes de calúnia e difamação, hipótese negada liminarmente pelo juízo.

No caso de crimes contra a honra, a lei determina que a iniciativa de pedir a abertura de processo é da parte que alega ter sofrido a ofensa. O Ministério Público é chamado a se manifestar sobre o recebimento ou não da denúncia, cuja aceitação marca o início do processo.

Na última sexta (16), o promotor Marcos Juarez Caldas de Oliveira se manifestou pelo não recebimento da queixa-crime oferecida pelo senador por considerar que não havia indícios de crimes de calúnia e difamação nas reportagens publicadas pelo UOL.

"Após análise da matéria veiculada, verifica-se que não restou demonstrada a prática dos delitos de calúnia e difamação; o conteúdo jornalístico não apresentou ofensa à honra e à dignidade do querelante", escreveu o promotor.

"É cediço que para a configuração de crime de calúnia é imprescindível a imputação de fato criminoso falso, o que nitidamente não ocorreu no presente caso. No que concerne ao crime de difamação, observa-se que os jornalistas limitaram-se a noticiar fatos e a informar situações que foram objetos de investigação pelo Ministério Público", detalhou o representante do Ministério Público.

Com o UOL

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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