Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Não tenho nostalgia do tempo em que era aceitável fazer piada com gay, mulher e pobre', diz Adnet

Ator, humorista, roteirista, músico e carnavalesco lança filme em que vive pastor evangélico e diz que procura romper com as barreiras invisíveis da sociedade

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O humorista Marcelo Adnet durante a pré-estreia do filme “Nas Ondas da Fé”, no Cinemark do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo Gabriel Cabral/Folhapress

Começo de ano é uma época atribulada para o carioca Marcelo Adnet, de 41 anos. É que, além de seu trabalho mais conhecido como ator e comediante na TV Globo, onde está contratado há dez anos e em que apareceu recentemente fazendo imitações de Galvão Bueno na Copa do Mundo, que viralizaram, Adnet é apaixonado por samba. No Carnaval deste ano, ele terá sambas-enredo de sua autoria sendo defendido em quatro estados.

Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul têm escolas de samba que vão para as suas respectivas avenidas, nem todas em suas primeiras divisões, concorrer com sambas-enredo criados por este artista multitalentoso. Mas falaremos disso um pouco mais para frente.

Nesta semana, quando a coluna conversou por quase duas horas por Zoom com Adnet, que estava em sua casa no bairro de Itanhangá, no Rio de Janeiro, o assunto mais urgente era o lançamento do filme "Nas Ondas da Fé", que ocorrerá na próxima quinta-feira (12), em 600 salas de cinema espalhadas pelo Brasil.

"Tive a ideia em 2014, faz quase dez anos que estamos trabalhando nesse filme", afirma Adnet. "Naquela época, já estava acontecendo o que me parece ser uma petrificação de um muro imaginário, mas muito evidente, que separa as classes média e alta das classes baixas e dos pobres, e dos cristãos ou ateus e dos evangélicos", diz.

O humorista Marcelo Adnet durante a pré-estreia do filme “Nas Ondas da Fé”, no Cinemark do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo - Gabriel Cabral/Folhapress

"Isso me incomoda muito porque eu não tenho o menor interesse em viver trancado numa parte da cidade, só com pessoas parecidas comigo, que têm uma ideia preconcebida de como é a vida de quem mora do outro lado desse muro", completa. "E ficou cimentado na cabeça de muita gente que o que une a comunidade evangélica é um pastor canalha que rouba os otários", afirma. "A gente resumiu um fenômeno muito mais profundo nisso, como se todos os neopentecostais fossem um bando de idiotas."

Em "Nas Ondas da Fé", Adnet é Hickson, morador do subúrbio carioca que trabalha como técnico de informática e faz telegramas animados que nem sempre são bem recebidos. Casado com a cabeleireira e manicure Jéssika, papel de Letícia Lima, Hickson sonha em ser radialista, narrando jogos de futebol. Os dois são evangélicos, mas é Jéssika quem dá a ideia de apresentar Hickson ao pastor da igreja do bairro, o apóstolo Adriano, papel de Thelmo Fernandes, que tem um programa na rádio que dá nome ao filme.

O apóstolo marca uma reunião entre Hickson e o chefe da rádio, papel de Stepan Nercessian, e, no dia do encontro, o técnico de informática chega no estúdio bem na hora em que os programadores enfrentam uma dificuldade nos equipamentos de som —e se oferece para ajudar. Mexe nos computadores, faz alguns testes e, sem perceber que ligou o microfone e entrou no ar, faz uma brincadeira, como se fosse um pastor evangélico, e pede que os fiéis mandem as notas de R$ 2 mais velhas, sujas e rasgadas que tiverem na carteira para que ore por eles e transforme as suas vidas.

A transmissão acidental gera uma avalanche de doações e audiência, e Hickson ganha um programa fixo, passa a ser chamado de pastor e vai aprendendo na prática a como se transformar em um guia espiritual. Honesto e empenhado, Hickson se joga com tudo nessa empreitada e vai gostando cada vez mais da ideia de ter uma audiência, de fazer sucesso, de pregar a sua fé. E, claro, de melhorar de vida.

Mas, além de despertar a inveja do apóstolo que o apresentou ao diretor da rádio, Hickson também desperta a cobiça dos chefes da emissora e da igreja, e se depara com uma realidade que não o agrada.

"Tem pessoas horríveis entre os neopentecostais, mas tem pessoas ótimas também", diz Adnet. "Como tem no jornalismo, nas artes cênicas, em qualquer meio", afirma.

"O caso da [pastora e ex-deputada federal] Flordelis [acusada de ser mandante da morte do marido] é um exemplo de como uma liderança muito grande, ainda mais com o poder da igreja, pode ser uma coisa não muito saudável. Mas isso não é uma exclusividade da comunidade evangélica."

O filme tem momentos muito engraçados, mas não é uma comédia escrachada e não tira sarro dos evangélicos. Ao contrário. A religião é tratada com respeito neste longa-metragem, dirigido por Felipe Joffily e produzido por Augusto Casé, e que tem no elenco, além dos nomes já citados, Otavio Muller, Roberta Rodrigues e Elisa Lucinda, além de participações especiais de Gregorio Duvivier e Michel Melamed.

A produção teve o apoio do pastor José Barbosa, que leu o roteiro e, depois, assistiu ao filme para garantir que não tivesse nenhum erro de informação em relação ao vocabulário dos evangélicos. "A gente teve que dublar uma fala do Stepan Nercessian, acho que dá para perceber, mas ele falava ‘rezar’ em uma cena, e tivemos que mudar para ‘orar’."

O humorista Marcelo Adnet durante a pré-estreia do filme “Nas Ondas da Fé”, no Cinemark do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo - Gabriel Cabral/Folhapress

"Os evangélicos têm muito humor. Eles têm uma piada que eu adoro, um trocadilho maravilhoso que dá nome a um site de fofocas evangélicas, chamado ‘Pentecontei’. Mas não foi isso o que eu quis fazer, esse não é um filme de humor gospel. Seria muita cara de pau da minha parte", diz o humorista, que conta que já existe a possibilidade de fazer uma continuação de "Nas Ondas da Fé".

Marcelo Adnet é um cara sério, culto, que estuda muito os assuntos de que decide tratar. Mesmo quando a ideia é fazer rir, como em grande parte do seu trabalho. Imitador impecável, ele afirma que suas esquetes partem sempre de uma ideia, nunca de uma imitação que ele ensaiou. "Eu penso no que eu quero dizer, escrevo um roteiro, e aí me viro para construir o personagem, fazer a voz, a roupa, o cabelo. Nunca o caminho inverso", afirma.

Como humorista, segue as suas próprias regras do que acredita que seja engraçado e próprio para o momento. "É como a linha editorial de um jornal, que publica as notícias que considera relevantes, não tudo o que acontece no mundo. Não tenho a menor nostalgia pelo tempo em que era aceitável fazer piada com gay, com mulher, com pobre. Eu quero olhar para frente, não para trás. Quero ver o que vem por aí, não o que já passou".

Por falar em não olhar para trás, Adnet se mostra impaciente quando pergunto sobre um acontecimento de oito anos atrás, em que foi flagrado dando um beijo em uma mulher que não era aquela com quem estava casado na época, a humorista Dani Calabresa.

"Eu nunca prometi ser uma pessoa infalível", diz. "Errei, realmente dei aquele beijo oito anos atrás, o que machucou muito uma pessoa. Essa parte foi resolvida na minha intimidade, mas esse fato gerou uma reação desproporcional. Passei a ser perseguido, sair na rua era uma coisa traumática. Foi muito triste, me causou diversos problemas", diz.

"Depois disso saíram notícias completamente falsas sobre mim. Inventaram uma amante no Maranhão para quem eu pagaria passagens todos os finais de semana. Perdi uma campanha publicitária que estava filmada. E esse assunto ainda surge oito anos depois. Não cometi nenhum crime, não deixei de prestar socorro a ninguém. Já deveria ter o direito de não pensar mais nisso", desabafa.

O humorista Marcelo Adnet durante a pré-estreia do filme “Nas Ondas da Fé”, no Cinemark do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo - Gabriel Cabral/Folhapress

"Talvez, se no dia seguinte eu tivesse me vestido de branco e botado uma música do Coldplay e aparecesse chorando, arrependido, as pessoas teriam tido outra reação. Mas eu não quero mentir, essa é uma coisa que eu não sei fazer. Não tenho essa habilidade".

É a palavra habilidade que nos leva de volta ao começo desta conversa, mais especificamente a capacidade de criar sambas-enredo, como os quatro que emplacou em escolas de samba de diversos estados, entre outros muitos que ele compôs, mas que acabaram não sendo escolhidos.

"Eu adoro samba, adoro Carnaval. Passo seis meses por ano totalmente envolvido na escolha dos sambas das escolas para as quais componho. Valorizo muito isso. Não quero viver restrito, numa ilha, fazendo piada sobre shopping e só convivendo com gente que pensa igual a mim", afirma o botafoguense, que neste ano emplacou o samba-enredo da escola São Clemente, que faz parte do grupo de acesso no Rio de Janeiro.

"Também sou um dos carnavalescos da Botafogo Samba Clube, da terceira divisão aqui do Rio, que desfila pela vias da Intendente Magalhães. Em São Paulo, sou compositor vencedor da Dragões da Real e também embaixador do enredo da Estrela do Terceiro Milênio sobre humor, ambas escolas do grupo especial. No Rio Grande do Sul, sou compositor da Escola Realeza de Porto Alegre, que faz sua estreia na primeira divisão do Carnaval portalegrense com um samba sobre a Negalu, uma personagem fantástica", lista, cheio de entusiasmo.

"O Carnaval é um fenômeno maravilhoso, que promove uma inversão total na sociedade", explica o humorista.

O humorista Marcelo Adnet durante a pré-estreia do filme “Nas Ondas da Fé”, no Cinemark do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo - Gabriel Cabral/Folhapress

"É um sonho, uma ilusão, uma fantasia em que as desigualdades sociais são apagadas, a autoridade maior é a Rainha da Bateria ou um moleque da favela que samba pra caramba, e o rico é um imbecil que não sabe dançar e fica apontando os indicadores pro alto, assim", diz, se divertindo com a imitação de um branco da elite em um camarote vip.

Adnet é apaixonado pelo trabalho que faz e, apesar de acreditar que a televisão ainda precisa encontrar o lugar do humor em sua programação, comemora o fato de poder transitar por diferentes áreas da TV Globo.

"Eu gravo em todos os lugares, vou a estúdios de jornalismo, do esporte, vou a lugares onde os atores da Globo não têm acesso. Adoro essa mobilidade que tenho na TV Globo. Sou quase um nômade", afirma. "Mas acho que a gente está vivendo uma entressafra do humor na TV, ainda não encontramos o lugar ideal. Essa é uma grande busca."

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