Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo
Descrição de chapéu LGBTQIA+

'Tenho total consciência dos meus privilégios, e quero usá-los para ajudar quem não teve nenhum', diz Marco Pigossi

Ator fala sobre a nova temporada da série 'Cidade Invisível', diz querer levar pretos, trans e pobres para a frente das câmeras e reflete sobre o seu lugar dentro da comunidade LGBTQIA+

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O ator Marco Pigossi, que se prepara para estrear a segunda temporada da série "Cidade Invisível", da Netflix Gérson Lopes/Divulgação

Em 2017, Marco Pigossi surpreendeu seus fãs, seus colegas e a imprensa em geral. Depois de mais de uma década na Globo, o ator decidiu não renovar contrato com a emissora. Preferiu trocar a segurança dos papéis de protagonista de novela, que começavam a se repetir, pela incerteza de uma carreira mais livre, sem estar preso a nenhum canal ou plataforma de streaming.

Quase seis anos depois, ele admite que sua aposta foi bem-sucedida. Nesse período, participou de três séries da Netflix, cada uma delas rodada num país diferente: "Tidelands", na Austrália, "Alto Mar", na Espanha, e "Cidade Invisível", no Brasil. Também está no elenco de "Gen-V", série derivada de "The Boys", que chega ainda este ano à Amazon Prime Video. E tem vários outros projetos engatilhados, como ator e como produtor, no Brasil e nos EUA. Atualmente, mora em Los Angeles.

O ator Marco Pigossi, que se prepara para estrear a segunda temporada da série "Cidade Invisível", da Netflix - Gérson Lopes/Divulgação

A segunda temporada de "Cidade Invisível", da qual é o protagonista, estreia na próxima quarta (22) na Netflix. A série mostra criaturas do folclore nacional como a Cuca, o Saci-Pererê e a Mula-Sem-Cabeça vivendo entre os humanos, escondidas por identidades secretas. Foi criada por Carlos Saldanha, diretor, produtor e animador brasileiro que se destacou nos EUA com os longas em animação das franquias "A Era do Gelo" e "Rio".

O Rio de Janeiro era o cenário da primeira fase, mas a segunda se passa em Belém do Pará. "São várias cidades invisíveis, porque são vários Brasis", diz Pigossi, em entrevista por videoconferência. "Temos tanta cultura, tantas histórias, que, nesse sentido, a série pode ser infinita."

Apesar de falar de lendas que só circulam no Brasil, "Cidade Invisível" ficou entre as dez séries mais assistidas da Netflix em vários países do mundo. "Já fui reconhecido na rua na Europa, as pessoas vêm falar comigo", acrescenta o ator. "Os seres mitológicos da série são 100% brasileiros, mas suas histórias são muito humanas e, portanto, universais."

Ex-colegas da Globo participam do programa. Alessandra Negrini faz uma Cuca sensual, muito diferente do monstro parecido com um jacaré que aparecia na série infantil "Sítio do Picapau Amarelo". E Leticia Spiller, uma novidade no elenco, surge como Matinta Perera, uma feiticeira que traz mau agouro.

"Antes da série, eu só conhecia o folclore brasileiro através dos livros de Monteiro Lobato", conta. "Mas agora nós fomos além. A segunda temporada mergulha nas crenças dos povos indígenas. Também temos atores indígenas no elenco e uma diretora indígena. Ninguém saberia contar essa história melhor do que eles."

Pela primeira vez em sua carreira, Pigossi volta a interpretar um mesmo personagem depois de um hiato de quase três anos. "Tive que rever a primeira temporada antes de começar a gravar a segunda, no primeiro semestre do ano passado. E foi incrível reencontrar a Manu Dieguez, que faz a minha filha na série. Ela tinha 12 anos quando nós nos conhecemos. Agora está com 15, e tem quase a minha altura."

Ele interpreta Eric em "Cidade Invisível", um policial ambiental que, buscando elucidar a misteriosa morte de sua mulher, acaba descobrindo todo um universo de criaturas fantásticas em pleno Rio de Janeiro. Pergunto qual delas ele gostaria de encarnar, já que Eric é um dos poucos personagens da série que, a princípio, não possui nenhum poder mágico. "Na verdade, eu gostaria de ser o Eric da segunda temporada. Quando você assistir, vai entender por quê", adianta ele, sem dar spoilers.

O ator Marco Pigossi, que se prepara para estrear a segunda temporada da série "Cidade Invisível", da Netflix - Gérson Lopes/Divulgação

Pigossi agora integra a pequena comunidade de atores brasileiros que se transferiu para o exterior. Dela também fazem parte Rodrigo Santoro, Wagner Moura, Alice Braga e Bianca Comparato. "Eles são todos uma grande inspiração. E durante a pandemia a gente se aproximou muito, porque não podíamos circular por todos os lugares. Acabamos virando uma panelinha. Mas eu nunca quis ter uma carreira internacional. Meu objetivo é fazer bons personagens, contar boas histórias."

Pigossi revelou ser homossexual em novembro de 2021, quando postou no Instagram uma foto em que aparece de mãos dadas com seu companheiro, o diretor e roteirista italiano Marco Calvani. "Feliz Dia de Ação de Graças. P. S.: Chocando zero pessoas", dizia a legenda.

A reação nas redes sociais foi surpreendentemente positiva. A imensa maioria dos comentários desejava felicidades ao casal. Mas também houve quem minimizasse a luta do ator pela autoaceitação, por ser branco, cisgênero e oriundo da classe média alta.

"Não tenho como não concordar com isso. Realmente, foi bem mais fácil para mim. Eu tenho total noção de que sou superprivilegiado. Tive, inclusive, o privilégio de não ser afeminado. O privilégio do armário, porque você consegue passar despercebido. Mesmo assim, não foi fácil. Mas agora eu quero usar esses meus privilégios para ajudar quem não teve nenhum. Para quem nasceu preto, trans, na favela. Meu objetivo é realmente dar a mão para esses corpos que sofrem tanto preconceito e tentar trazê-los para a frente da câmera. Mostrar o quanto de beleza tem neles, e que são perfeitos do jeito que são."

O ator Marco Pigossi, que se prepara para estrear a segunda temporada da série "Cidade Invisível", da Netflix - Gérson Lopes/Divulgação

O ator já começou a colocar esse plano em prática. Produziu —e bancou do próprio bolso— o documentário "Corpolítica", que acompanha quatro candidatos LGBTQIA+ nas eleições municipais de 2020. Entre eles, duas se elegeram vereadoras, ambas mulheres e pelo PSOL: a transexual Erika Hilton, em São Paulo, e Monica Benício, viúva de Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Dirigido por Pedro Henrique França, o filme já passou por vários festivais e deve estrear nos cinemas em junho.

"‘Corpolítica’ é uma resposta à onda conservadora que a gente estava vivendo. Eu tenho muito orgulho desse projeto. De trazer um pouquinho da minha voz para representar a nossa comunidade."

Pigossi estreou na Globo em 2004, na minissérie "Um Só Coração". Mas seu primeiro papel de destaque na emissora só veio em 2009, na novela "Caras e Bocas", de Walcyr Carrasco: ele era Cássio Amaral, um gay espalhafatoso que repetia sempre o bordão "tô rosa chiclete!". Na mesma época, o ator lutava para manter escondida sua orientação sexual.

"A vida é irônica com a gente, não é? Meu primeiro grande personagem não foi um galã, mas um gay afeminado. E ele agradou muito mais do que muitos personagens héteros que fiz. Para mim, fez parte do processo que me levou a estar aqui hoje falando abertamente, naturalmente. Eu tenho muito carinho pelo Cássio."

Na primeira semana de março, o ator Rodrigo Simas revelou ao jornal "Extra" que é bissexual. Foi o que bastou para internautas reviverem o boato de que Simas e Pigossi viveram um romance nos bastidores da novela "Fina Estampa", de que ambos participaram em 2011.

O ator Marco Pigossi, que se prepara para estrear a segunda temporada da série "Cidade Invisível", da Netflix - Gérson Lopes/Divulgação

"Eu sou um livro aberto", desabafa Pigossi. "Já contei tudo o que tinha que ser contado da minha vida. Essa história não faz o menor sentido, não tem pé nem cabeça. Mas é uma loucura pensar que tem mais gente interessada nessa fofoca do que em ver duas atrizes indígenas falando tukano em ‘Cidade Invisível’."

A segunda temporada da série tem duas atrizes da etnia tukano no elenco: Kay Sara, que atuou na série "Aruanas", da Globo, e sua mãe, Ermelinda Yepario. "Nós fizemos muitas cenas juntos", conta Pigossi. "No primeiro ensaio, já me emocionei muito com a musicalidade da língua delas, que foi praticamente dizimada", diz.

"A gente cresce no Brasil sem dar muita atenção à causa dos povos originários. Quando eu estive na Austrália, percebi que a questão dos aborígenes é muito presente por lá. Eu espero que ‘Cidade Invisível’ traga um pouco mais de visibilidade para este assunto. Mais atenção, mais discussão."

"Tive muita sorte na minha trajetória", acrescenta. "Só o trabalho em si, a dedicação, não é suficiente. É preciso ter talento, vocação, mas também é preciso ter sorte."

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.