Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Me pediram para tocar com uma moça chamada Anitta, você conhece esse nome?', diz Jon Batiste

Cantor e pianista vem ao Brasil em maio se apresentar em São Paulo e no Rio no festival C6 Fest

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O cantor Jon Batiste Divulgação

"Uuuuhuuuu!" grita Jon Batiste, se apresentando, quando finalmente nos encontramos por Zoom, numa entrevista que estava marcada para começar três horas e meia antes. Ele estava em Los Angeles gravando uma campanha publicitária mundial para um produto que não podia revelar.

Não pediu desculpas, não deu explicações nem fez menção ao atraso, mas compensou qualquer mal-estar com uma entrevista animadíssima, com muitas declarações inéditas, momentos de muita energia, várias gargalhadas e alguns trechos sérios, profundos.

O cantor Jon Batiste - David Needleman/Divulgação

Foram 40 minutos, até o Zoom cortar o encontro e deletar a gravação. Como a reunião foi criada por um não assinante do aplicativo que ficou conhecido na pandemia, 40 minutos era a duração máxima. Para poder conversar por mais tempo, alguém teria que pagar alguma coisa.

Não foi preciso, apesar de Jon Batiste mandar avisar que estava lá, no mesmo lugar, disposto a continuar a conversa depois da conexão ser interrompida. Durante todo o tempo em que conversamos, Jon segurava o celular na frente do rosto e andava sem parar, contornando o que parecia ser um quarto de hotel bem espaçoso, desses em que Hollywood costuma hospedar suas estrelas.

A distorção que a câmera do celular muito perto do rosto provocava o fazia ficar muito mais parecido com o personagem Joe, protagonista da animação "Soul", da Pixar, que foi mesmo baseado em Jon Batiste. Eram deles, aliás, os dedos no piano do personagem, um músico de jazz de Nova York que tem, digamos, um contratempo que o impede de se apresentar num show que poderia mudar sua vida.

Joe fica preso em um lugar não nomeado entre o mundo real e o além, e tenta convencer a personagem 22, uma alma que não tem o menor interesse na vida terrestre, a finalmente dar uma chance à existência humana.

Lançado pela Pixar em 2020, "Soul" faturou mais de US$ 120 milhões de bilheteria no mundo, ganhou dois Oscar, de melhor animação e de melhor trilha sonora original, criada por Jon Batiste e Trent Reznor, da banda Nine Inch Nails, e o compositor inglês Atticus Ross. Agora, está disponível na Netflix.

E fez de Jon, que já era conhecido do público americano como o líder da banda Stay Human, que acompanhava o apresentador Stephen Colbert no seu programa de entrevistas "The Late Show", no canal CBS, de 2015 até o ano passado, uma estrela internacional.

Jon Batiste tem 36 anos. Nasceu em uma família católica e de músicos muito conhecida de New Orleans, os Batiste, que inclui Lionel Batiste (1931-2012), tio de Jon e vocalista e baterista da banda Treme Brass Band, que serviu como inspiração para a série "Treme" (2010-2013), da HBO, criada por David Simon, da lendária "The Wire".

"Eu nem pensava em música como uma profissão, era apenas uma coisa que todo mundo fazia na minha família", conta. "Só comecei a pensar que meu interesse por música podia virar uma carreira quando montei minha primeira banda, aos 18 anos, depois de me formar em Juilliard. Acho que eu nem cheguei a escolher a música, a música que me escolheu".

Juilliard é uma das escolas de arte mais criteriosas e prestigiosas dos Estados Unidos, para onde só vão os jovens cujo talento para a música, a atuação ou a dança são evidentes e muito testados até eles conseguirem uma vaga. Fica em Nova York, e tem entre seus ex-alunos nomes como Nina Simone, Yo-Yo Ma, Jessica Chastain, Robin Williams, Christopher Reeve e Viola Davis.

Antes de ingressar em Juilliard, Jon Batiste participou de um acampamento de verão para adolescentes interessados em música, quando tinha 15 anos, em 2014. Lá, conheceu a também adolescente Suleika Jaouad, 13, uma nova-iorquina filha de um tunisiano com uma suíça que tocava contrabaixo.

Os dois se apaixonaram, mantiveram contato por telefone, emails e mensagens de texto até que Jon se mudou para Nova York, quando retomaram o relacionamento. Se casaram em 2022, na casa em que já moravam juntos, no Brooklyn, com apenas quatro amigos como convidados.

O casamento aconteceu de maneira discreta porque Suleika sofre de um tipo raro de leucemia, já tinha feito um transplante de medula alguns anos antes e, em 2022, soube que o tratamento não tinha dado certo e que ela teria que passar por outro transplante, e não podia se expor ao risco de contrair alguma doença.

Os médicos estipularam que ela tinha 35% de chance de sobreviver ao segundo procedimento. No dia seguinte em que receberam essa notícia, Jon e Suleika se casaram.

Suleika não seguiu a carreira de musicista. Virou professora de escrita criativa, escritora, palestrante e colunista do jornal The New York Times. Sua coluna se chama "Life, Interrupted". Em 2021 lançou um livro contando sobre o impacto do câncer em sua vida chamado "Between Two Kingdoms", que virou best-seller nos EUA.

Nesse momento, Suleika está com o cabelo começando a nascer, depois de cair pela segunda vez por causa do tratamento. Está, aos poucos, retomando sua rotina. "Faz um ano desde o segundo transplante e ela está começando a se sentir bem melhor agora. Quero muito que ela venha comigo para o Brasil, mas vamos ter que esperar para ver como ela vai estar até lá", disse Jon.

Ele vem ao Brasil em maio como a principal atração do primeiro C6 Fest, a nova versão do Free Jazz, criado há 40 anos pela produtora Dueto, de Monique Gardenberg. O C6 Fest acontece no Rio e em São Paulo entre os dias 18 e 21 de maio. Jon Batiste toca na capital fluminense no dia 19 e na capital paulista na noite seguinte. E tem muitos planos para sua segunda visita ao país.

O cantor e pianista Jon Batiste
O cantor e pianista Jon Batiste - Louis Browne

"Fui ao Brasil pela primeira vez em 2009, quando tocava com a Cassandra Wilson. Eu era um garoto, tinha 23 anos, mas tenho grandes lembranças dessa viagem", diz. Pergunto o que foi mais marcante para ele, e Jon Batiste me conta que foi uma entrevista para o programa de TV de Jô Soares. "Esse cara é incrível, entende muito de música, é inteligente, engraçado, adoraria encontrá-lo de novo", afirma.

Conto para ele que Jô Soares morreu em agosto de 2022, e Jon Batiste fica um tempo em silêncio, pensativo, olhando para baixo. Depois volta a olhar para a tela e diz que não sabia disso, e que sente muito.

Ele parece genuinamente triste com a notícia, e o contraste de vê-lo de uma maneira tão diferente de como estava até então, mesmo enquanto falava do câncer de sua mulher, assunto no qual faz questão de imprimir a convicção que tem de que ela vai se curar, me deixa bastante constrangida.

A solução que encontro é perguntar quem mais ele gostaria de se encontrar na passagem pelo Brasil. Ele responde sem hesitar: "Hermeto Pascoal". Mas infelizmente o multi-instrumentista brasileiro de 86 anos vai estar justamente em Nova York enquanto Jon Batiste passar pelo Brasil.

"A gente vive se desencontrando! Temos vontade de tocar juntos há anos, desde que conheci a música dele e me apaixonei, então procurei contatá-lo e descobri que ele também estava tentando me encontrar, foi mágico. Mas aí, aconteceu a pandemia e nunca conseguimos estar no mesmo lugar ao mesmo tempo".

Jon Batiste conhece muito de música brasileira por causa da percussionista de sua banda, a Stay Human, uma paulistana chamada Nêgah Santos.

"Estavam tentando marcar um encontro para eu tocar com uma menina chamada Anitta, você conhece esse nome?", pergunta ele. Sim, conheço, respondo. Você gostaria de tocar com ela, pergunto? "O que eu queria mesmo era tocar com a Lia de Itamaracá", diz Jon sobre a cirandeira, cantora e compositora pernambucana de 79 anos.

Então, não resisto à tentação de saber alguma coisa sobre um de meus grandes ídolos, Prince (1958-2016), com quem Jon Batiste tocou em uma de suas últimas turnês. "Bom, primeiro preciso contar como foi receber um telefonema com um convite para tocar com o Prince, até hoje me parece um sonho", afirma.

"Ele tinha uma energia muito intensa, era uma presença impossível de se ignorar, não sei nem explicar direito", diz Jon, tentando lembrar alguma particularidade ou alguma história impactante para me contar.

"Até hoje, quando músicos jovens me pedem conselhos, eu lembro do Prince e digo para eles tentarem conviver com as pessoas que admiram. Isso aconteceu comigo e eu vivo com a esperança de que o quer que seja que ele tivesse, tenha passado para mim de alguma maneira".

Tela preta. Acaba o Zoom. Há uma tensão no ar, os assessores do festival e de Jon Batiste tentam de várias maneiras fazer com que a conversa dure um pouco mais, mas chego à conclusão de que o encontro virtual foi tão bom que preciso ter a sabedoria de não ultrapassar as boas-vindas, e encerro a entrevista, ainda com muitas perguntas anotadas para serem feitas.

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