Muniz Sodré

Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

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Faraós de bitcoins

Assistimos ao jogo da pirâmide invertida, que atraiu massas sem bússola e elites sem chão

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Experiência curiosa: equilibrar uma pirâmide em sua ponta e girá-la com força como se fosse um pião. O movimento é fascinante, embora acabe desabando, claro. Em princípio, um jogo inútil, mas boa metáfora para um fenômeno que tem frequentado negativamente páginas e redes noticiosas: o das pirâmides financeiras, privadas e oficiais.

Arrasta-se ainda a novela de vida real em que um indivíduo de origem modesta operou esse truque com bitcoins no Rio de Janeiro, amealhando uma fortuna colossal até ser preso. É incerto quantificar, mas a julgar pelo bilhão de reais com que sua companheira teria conseguido escapar, a façanha já tem lugar na história do calote.

No momento, bitcoin é a principal criptomoeda —entenda-se, dinheiro sem lastro oficial. O que aí haja de fictício não é nada novo: todo e qualquer dinheiro é uma ficção financeira. No passado, os bancos respondiam pelo poder de troca, hoje é o Estado. Garantido apenas pela própria lógica do sistema, o bitcoin é estrela de uma economia sem compromisso com crescimento e emprego. Logo, não é moeda de pobre, não se entra com ela num açougue para comprar um quilo de osso.

Diferente do dinheiro oficial, o virtual é coisa de especulação, como o dólar no câmbio ou qualquer outro produto no mercado. É também game, tipo aposta de cassino, com todas as trapaças da sorte. Da roleta à pirâmide é só um giro.

Pirâmide foi forma escolhida pelos faraós egípcios para ficar junto ao tesouro após a morte. Provavelmente supunha estabilidade, assim como se supõe de uma moeda confiável. Confiança é o verdadeiro lastro do dinheiro. Já o virtual, sustentado pela esperança em rede, é tão instável quanto um wifi ordinário. A depender da sorte e da moderação no vício (um efeito colateral), há quem faça fortuna.

Mas quando um notório banqueiro se gaba de seu poder nada republicano e deixa escapar que investir em bitcoins é um modo de proteção financeira, a escuta avisada logo suspeita que o dinheiro oficial pode estar ameaçado. De fato, se os juros sobem sem que desçam a inflação e o dólar, acende-se a luz vermelha da incerteza fiscal. Ou começa a soar o alarme da desconfiança na condução do país.

Temos assistido a um enorme jogo nacional da pirâmide invertida, que atraiu massas sem bússola e elites sem chão. Só que o rodopio sobre a precariedade política, econômica e moral prenuncia o desabamento do todo, qualquer que seja o seu nome: inflação, insolvência, estrutura piramidal de disseminação de boatos. Não se sabe quem vai ser punido, se for. Mas os responsáveis, aqueles que colhem a instabilidade que plantaram, mandatários e sabujos, são faraós de bitcoins.​

O empresário Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como "faraó dos bitcoins', aparece de terno, se gravata, sentado com os braços apoiados em uma mesa.
O empresário Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como "faraó dos bitcoins', - Reprodução

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