Talvez mais estranho do que qualquer fenômeno de objeto voador não identificado é o anúncio do Congresso norte-americano de que esse assunto passa a entrar agora em pauta pública e oficial por parte de agências de contraterrorismo e segurança nacional.
Durante muitas décadas foi notório o esforço das grandes potências mundiais em negar plausibilidade às hipóteses de que houvesse algo de extraordinário no ar além dos aviões de carreira e das sondas atmosféricas. Razões não faltavam: se uma simples ficção radiofônica sobre a invasão da Terra por aliens, como a realizada por Orson Welles, foi capaz de provocar pânico de massa com consequências desastrosas, imagina-se o que poderia acontecer com um relato factual.
A imaginação é naturalmente incontrolável. Uma vez sugerido, o fenômeno extraordinário não tem rédeas. O imaginário coletivo é um acervo inesgotável de projeções que reduplicam as fantasias e os medos não raro organizados em arquétipos de irradiação universal.
Assim, se houvesse extraterrestres, eles deveriam ser réplicas mentais dos terráqueos, com as mesmas pulsões agressivas e desejos de conquistas, logo, fontes de temores. Daí toda uma mitologia de abduções, maldades e bondades. E toda uma população de crentes universais, contrapostos a céticos absolutos. De um modo geral, falar em disco voador sempre foi descambar para o ridículo.
Mas oficialmente a coisa nunca foi tão simples. Negava-se o que se tornara esporádico e visível aos olhos de pilotos e, eventualmente, de pessoas bastante razoáveis. Jimmy Carter era presidente dos EUA quando declarou ter tido um avistamento e nunca parece ter realmente aplacado a curiosidade. Foram muitas as autoridades que deram crédito ao tema, sem que este jamais deixasse, entretanto, o que se poderia chamar de zona de desconforto da credibilidade.
O que agora parece evidente com o anúncio da sessão especial do Congresso é que o público mundial tinha estado sujeito a oblíquas estratégias de desinformação. Ninguém está vindo a público para confirmar a presença de aliens na Terra, mas também não está fazendo nenhuma negação categórica.
Na realidade, o que de fato se está fazendo é jornalismo, isto é, está sendo retirada uma cortina de desinformação ao redor de fenômenos sobre os quais paira dúvida razoável.
Não se sabe, claro, por que isso ocorre precisamente neste momento conturbado da história, em meio a pandemia, guerra europeia e delírios nucleares. Mas o que se pode saber com certeza é que, sem clareza informativa, o ser humano perde de vista os limites do mundo e a segurança dos caminhos. E, ainda, que o real pode ser tão incerto e obscuro quanto um disco voador.
Muniz Sodré
Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”
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Pauta nova para ovnis
Congresso norte-americano realiza audiência sobre objetos voadores não identificados
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