Muniz Sodré

Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

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O nome da manada

Entre o fake das redes e os grotões da ignorância, ergue-se, bem financiada, uma escola de terrorismo fascista

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Alarmado com o vandalismo inqualificável em Brasília, um colega francês pergunta ao telefone se era golpe de Estado ou um "jusqauboutisme". Em francês, "jusqu’au bout" significa "até o fim". A expressão daí derivada é coloquialismo para designar comportamento que conduz a um fim com finalidade insana. Vale para o fanático com uma bomba amarrada ao corpo, assim como para o badernaço sem limites, em que se desrespeita e se arrebenta.

Grupo de pessoas com roupas verdes e amarelas e bandeiras brasileiras andam por uma grande praça pisando em destroços de barreiras de segurança
Durante invasão da praça dos Três Poderes em Brasília, extremistas bolsonaristas que pediam golpe de Estado caminham entre destroços de barreiras de contenção na frente do Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 8.jan.23/Folhapress

A imprensa respondeu diversamente à questão, classificando os agentes da anarquia como terroristas, golpistas, invasores. Nomear não é jamais um ato trivial, porque o nominado é simbolicamente capturado pela linguagem: fale-se do diabo, e ele aparece, diz o povo. Por isso se exnomina, ou seja, dá-se outro nome, por medo ou por hipocrisia. A ditadura civil-militar brasileira costumava ser exnominada como "revolução". Agora, por aversão, vinha-se chamando o tosco Mór de "inominável". Exnomina-se quando se diz que aplicação da lei é revanchismo.

Esse temor do nome próprio equivale à falta de reflexão sobre as cicatrizes nacionais, mas também à presença de um culto subterrâneo à ditadura, que aflorou no bolsonarismo com louvação de violência e religiosidade regressiva. O nome de Deus tornou-se álibi para o terror num padrão mental alucinatório, viralizado pela droga-rede eletrônica. A princípio caricaturais, os fanáticos passaram do êxtase ao ato extremista. Vazios por dentro, absorvem uma miragem "democrática": jovens e idosos parecem iguais ("cidadãos de bens", autodefiniram-se) na comunidade do caos criminoso. São de fato almas mortas, que tentam devorar, como zumbis, a alma da nação.

Entre o fake das redes e os grotões da ignorância, ergue-se, bem financiada, uma escola sem muros de terrorismo fascista. Eis o nome da pedagogia embrutecida da aversão à ciência e à cultura, sistematizada em quatro anos nefastos e sintomatizada, no golpe falho, nos atos de depredação de obras de arte e de arquitetura. A defecação sobre uma mesa do Supremo materializou a obsessão anal do Inominável.

A prévia leniência do governo com as aglomerações, aquarteladas à imagem de rêmoras parasitando tubarões, deve muito à hesitação em nomeá-las: "manifestações democráticas", clara exnominação. Há déficit jurídico-político de nome certo. Igualmente, "inteligência" desafina com informação de Estado: não carecia de gênio criptográfico para inferir que a anunciada "Festa da Selma" seria código terrorista para "Selva", conhecida incitação à força. Basta trocar o "m" de mané pelo "v" de violência. Nome é destino. "Dar um nome ao que nos destrói ajuda a nos defendermos" (Manoel Vásquez Montalban, novelista espanhol).

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