Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Virada do ano em São Paulo

Crédito: Ricardo Bastos - 31.dez.17/Fotoarena/Folhapress Imagem da queima de fogos durante festa de Réveillon na avenida Paulista
Imagem da queima de fogos durante festa de Réveillon na avenida Paulista

A cidade está vazia! Nos bairros de classe média, a frase é recorrente. Ah, que delícia! Não tem trânsito! Não tem filas! Parece que todo paulistano passou a virada do ano nas praias, no Rio, no campo, em resorts murados.

Vale a pena enfrentar estradas intransitáveis, quilômetros de congestionamento, muitas horas em aviões apertados, pacotes caríssimos em hotéis. E ainda, a falta de água e as filas nos melhores ou nos mais baratos restaurantes do litoral. Afinal, ficar em São Paulo é o fim...

O êxodo é espantoso. Desde o Natal, estima-se que mais de 8 milhões de pessoas deixaram a região metropolitana de carro, ônibus ou avião.

Doria e seu vice não destoaram e se licenciaram sem dizer para onde iriam. Ninguém mais se importa com as viagens do prefeito, que abandonou a cidade 47 vezes em 2017.

O "gestor" em exercício, vereador Milton Leite (DEM), aproveitou para mostrar que não é pau mandado e irritar os tucanos em férias. Sancionou uma lei homenageando dona Marisa Letícia Lula da Silva com o nome de um viaduto.

Como a maioria dos moradores da periferia, Leite não viajou. Cerca de 40% da população saiu, mas 13 milhões, sobretudo os mais pobres, não tiveram a mesma sorte e ficaram na Pauliceia "vazia".

Salvo o Réveillon com Claudia Leitte na Paulista que, no trecho destinado ao show, pode receber no máximo 140 mil pessoas (1% dos que não viajaram), nenhuma atividade especial de recreação e cultura foi programada. Pelo contrário. Os equipamentos culturais da prefeitura, do Estado e do Sesc fecharam nos feriados, mesmo os da periferia.

As cidades litorâneas oferecem as praias, enorme espaço público. Já São Paulo conta com apenas 2,6 m²/habitante de área verde pública de lazer (praças e parques), um sexto do mínimo necessário.

Nunca se aproveitou adequadamente o potencial das represas, com dezenas de quilômetros de orla junto à água. E o prefeito ainda quer vender áreas públicas, como o Anhembi e Interlagos.

Sem cultura e recreação é normal que todos queiram viajar nesses dias. É um direito, mas não pode ser a única alternativa, pois a maioria não pode viajar. Políticas públicas focadas nessa preocupação precisam ser implantadas.

Além de atender os moradores, visitantes de outras regiões seriam atraídos, como ocorre com o Carnaval de rua, expressão de cidadania cultural que reverteu o esvaziamento naquele feriado. Os impactos positivos, com geração de trabalho e renda, são óbvios.

Cidades que funcionam bem para seus moradores atraem visitantes em qualquer época, como ocorre nas maiores metrópoles do mundo. Nada justifica que a cidade perca vitalidade no final do ano.

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