Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
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Auxílio-moradia é exemplo da desigualdade brasileira

Verbas indenizatórias são subterfúgios para burlar o teto do funcionalismo

Pouco importa se o magistrado exerce ou não sua atividade no mesmo município onde vivia antes de prestar concurso ou onde vive sua família. Se não tem moradia própria ou se é proprietário de um, de dez ou de 60 imóveis. Se a esposa e o marido gozam ou não das mesmas prerrogativas.

São questões irrelevantes frente ao principal: nada justifica que qualquer servidor, com altos salários, estabilidade de emprego e aposentadoria integral, receba R$ 4.378 de auxílio-moradia como um acréscimo à sua remuneração mensal.

Essa e outras inúmeras verbas indenizatórias (sobre as quais não incidem impostos nem encargos previdenciários) são meros subterfúgios formais e semânticos para burlar o teto salarial dos servidores públicos, fixado em R$ 33,8 mil. São, portanto, inconstitucionais e precisam ser abolidas integralmente.

O teto, fixado no artigo 37, inciso 11, da Constituição, é suficiente para uma família viver e morar bem, obviamente sem a pornográfica ostentação da elite econômica brasileira. Permite alugar ou adquirir, com folga, uma moradia digna, mesmo nos municípios onde os imóveis são mais caros.

Apenas a escandalosa desigualdade da sociedade brasileira, uma das maiores do mundo, explica a existência desse subsídio habitacional, permanente e vitalício, para os membros de uma categoria de renda elevada. Benefício que custará ao contribuinte, neste ano, nada menos que R$ 831 milhões.

No Brasil, as necessidades habitacionais estão concentradas na baixa renda. Como mostrou o PlanHab (Plano Nacional de Habitação), cerca de 7,9 milhões de famílias coabitam a mesma casa de parentes ou vivem em moradias imprestáveis, enquanto que 3,2 milhões moram em assentamentos precários e 9,8 milhões têm deficiência de infraestrutura urbana.

O PlanHab propôs orientar o subsídio habitacional para esses segmentos, que constituem a faixa um do Programa Minha Casa Minha Vida. Entre 2009 e 2014, foram contratadas uma média de 268 mil unidades por ano, mas, desde 2015, o ajuste fiscal tem reduzido drasticamente esse subsídio.

Em 2017, cerca de R$ 4 bilhões dos recursos previstos para a faixa 1 (56%) foram contingenciados e quase nada foi contratado para os mais necessitados. Os R$ 831 milhões anuais do auxílio-moradia não resolveriam a escassez de recursos para habitação, mas contribuiriam para um novo equacionamento do problema.

Combater a desigualdade de renda e os privilégios presentes no Brasil é uma tese que quase todos defendem na teoria, mas que poucos colocam em prática. Extinguir o auxílio-moradia é uma oportunidade para dar um pequeno passo nesse sentido, que exige iniciativas muito mais expressivas, como uma efetiva reforma tributária.

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