Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

A elite está usando menos o automóvel, mas isso muda pouco a mobilidade em São Paulo

Políticas públicas têm levado à desejada mudança do transporte individual para o coletivo e para a mobilidade ativa

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Enquanto o Censo de 2020 está ameaçado pelos cortes que Bolsonaro pretende fazer no questionário que, há oitenta anos, o IBGE aplica e o precioso acervo cartográfico da Emplasa encontra-se em risco pela extinção do órgão determinada por Doria, o Metrô dá um exemplo de continuidade técnica ao divulgar essa semana os resultados da Pesquisa Origem e Destino (OD), realizado em 2017.

Levada a campo há meio século, sempre nos anos de “final 7”, a Pesquisa OD realiza um levantamento amostral que mostra o perfil da mobilidade na RMSP. Os dados de 2017 revelam tendências que, se forem estimuladas por políticas públicas adequadas, poderão gerar, a médio prazo, melhores condições de mobilidade e qualidade de vida.

Entre 2007 e 2017, não ocorreram alterações relevantes na distribuição das viagens: 36,5% são feitas por transporte coletivo, 29,5% por individual, 33,1% a pé e 0,9% por bicicleta (em 2007, eram, respectivamente, 36,4%, 30,9%, 31,8% e 0,8%). No entanto, o detalhamento revela tendências relevantes:

  1. Nos modais coletivos, verifica-se uma queda no uso dos ônibus, de 35,9% para 29,4%, enquanto que o uso do metrô e dos trens metropolitanos elevou-se de 12% para 16,4%. No período, o metrô cresceu de 61 km para 89 km, com a abertura de 15 novas estações, a maioria no centro expandido, habitado pela alta renda;
  2. A frota de automóveis expandiu 22,8% (enquanto a população cresceu apenas 6,6% e o número total de viagens 10,2%), alcançando 4,4 milhões de veículos, em um período em que se praticou uma política de isenção fiscais que tornou os veículos mais acessíveis;
  3. Em decorrência, nas faixas de renda familiar média baixa (entre R$ 3,8 mil e R$ 7,6 mil) ocorreu uma significativa elevação no uso do automóvel e redução do transporte coletivo. Já na renda superior a R$ 11,5 mil, que sempre teve automóvel, o uso do transporte coletivo subiu de 20,2% para 24,2%, e a adesão a mobilidade ativa (andar a pé ou de bicicleta) cresceu de 12,2% para 19,7%. Tendência semelhante ocorreu nos usuários de escolaridade superior;
  4. O uso de aplicativos gerou um crescimento de 0,4% para 1, 7% no uso de táxi.

Esses dados mostram políticas públicas e investimentos no centro expandido do município de São Paulo, como a expansão do metrô, a criação de ciclovias e o compartilhamento de carros, além de mudanças comportamentais e culturais, têm levado à desejada mudança do transporte individual para o coletivo e para a mobilidade ativa. 

No entanto, o peso dos moradores do centro expandido no conjunto da população é reduzido, o que restringe o impacto dessas intervenções. No restante da cidade, sem melhoria no transporte coletivo, a opção, para quem pode, foi comprar o automóvel. 

Uma mudança estrutural requer os investimentos em mobilidade melhor distribuídos pela cidade. Ao mesmo tempo, é necessário reduzir a distância entre a moradia e o emprego pois 93% dos que se deslocam a pé e 51% dos que usam a bicicleta optaram por esses modais em decorrência da curta distância a ser percorrida, que depende da relação entre uso do solo e mobilidade. 

A boa notícia que a OD revelou é que parece estar ocorrendo uma tendência de estancamento da periferização de moradia: o crescimento da população do município de São Paulo foi ligeiramente superior à taxa dos demais municípios das RMSP (6,7% a 6,5%), ao contrário do que ocorre desde os 1960.

Se essa tendência se confirmar no Censo de 2020, o impacto na mobilidade será muito positivo. Felizmente, a Pesquisa OD foi planejada e executada antes da atual onda de governantes que desprezam levantamentos e informações técnicas indispensáveis para planejar as políticas públicas.

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