Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

A fonte luminosa de Bruno Covas

Prefeito gasta R$ 100 milhões de fundo municipal para revitalizar vale do Anhangabaú

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São Paulo está dando uma admirável demonstração de como, mesmo em tempos de crise e de ajuste fiscal, pode-se usar mal os recursos públicos.

É espantoso o prefeito gastar cerca de R$ 100 milhões do Fundurb (Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano) para remodelar integralmente o parque do Anhangabaú, que, embora tivesse alguns problemas, estava urbanizado e sendo utilizado pela população, em um momento que a cidade requer investimentos urgentes em outras áreas. Utilizar o Fundurb nessa obra contraria seus objetivos.

Criado pelo Plano Diretor, ele é alimentado pela outorga onerosa, paga pelos promotores de edifícios situados em regiões melhor urbanizadas, visando investir em obras que contribuam para reduzir a desigualdade urbana.

Obra de revitalização do Vale do Anhangabaú, na região central da cidade de São Paulo
Obra de revitalização do Vale do Anhangabaú, na região central da cidade de São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

Por lei, no mínimo 30% do fundo deve ser aplicado na aquisição de imóveis bem localizados para a produção de habitação social e outros 30% para os sistemas de transporte coletivo, cicloviário e circulação de pedestres, ou seja, para aproximar a moradia do emprego e alterar o modelo de mobilidade.

Os demais 40% devem ser usados em urbanização, infraestrutura, saneamento e implantação de equipamentos, espaços públicos e áreas verdes nas regiões vulneráveis e carentes, visando reduzir a desigualdade.

Quem passa pelo Anhangabaú e assiste, perplexo, à acelerada destruição de um espaço público que estava em uso se dá conta que não foi para isso que o Fundurb foi criado.

Nos bairros periféricos falta saneamento, parques e áreas públicas. Já no centro, a população em situação de rua cresce exponencialmente e dezenas de edifícios, ocupados precariamente por famílias sem-teto, precisam ser reabilitados e transformados em moradia digna.

A prefeitura alega que a arrecadação do Fundurb cresceu inesperadamente em 2019 (R$ 313 milhões no 1º semestre, enquanto a média anual desde 2014 foi R$ 242 milhões). Essa bem-vinda elevação, prevista no Plano Diretor, não justifica o desperdício.

Talvez a gestão Doria/Covas, mais preocupada em conceder bens municipais, não tenha se preparado elaborando projetos mais necessários.

Outra justificativa é que o projeto foi elaborado na gestão Haddad, demonstrando continuidade administrativa. Aqui cabe uma reflexão mais aprofundada.

O polêmico projeto do Anhangabaú inseria-se em um programa da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, o Centro Aberto, que visava qualificar espaços públicos.

Algumas intervenções de baixo custo desse programa foram realizadas, como a qualificação dos largos São Francisco, São Bento e Paissandú, assim como parklets em diferentes regiões.

Ao mesmo tempo, a secretaria propôs 16 territórios CEUs em regiões periféricas, que articulavam a qualificação urbanística e a criação de novas centralidades com a implantação de um equipamento multifuncional (educação, cultura e esportes).

Dessas iniciativas, apenas o Anhangabaú não foi iniciado, devido ao seu alto custo e menor prioridade. Ter sido feito na gestão Haddad não isenta o projeto de críticas.

A criação de uma lâmina d’água, com 850 pontos de jatos no piso, além de exagerada e elevado custo, é de difícil e cara manutenção.

Falta de manutenção e conservação é recorrente na cidade, sobretudo, no centro.

Não seria pessimismo prever que, passada a euforia da inauguração, o sistema corre o risco de não funcionar, como a maioria das antigas fontes.

Com o estrago feito e o parque dos arquitetos Jorge Wilheim e Rosa Kliass destruído, a única alternativa sensata seria dar um freio de arrumação e eliminar a implantação esses jatinhos, mantendo o restante do projeto.

Se gastaria menos e se evitaria futuros custos e problemas. As três reformas anteriores do Anhangabaú mudaram estruturalmente sua função.

Em 1910, a chácara privada virou um parque público. Em 1945, o parque foi destruído e virou via expressa. Em 1992, a via expressa foi enterrada e a cidade ganhou o parque de volta.

A atual reforma, ao contrário, não altera a função do espaço. Mais se parece com as famosas obras de prefeitos do interior, que marcam sua gestão construindo uma fonte luminosa.

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