Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

O desafio urbano de São Paulo é reduzir as desigualdades

De pouco adiantará alterar o modelo urbanístico da cidade sem mudar sua segregação social

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Por uma feliz coincidência, após um período como professor visitante na Universidade da Califórnia em Berkeley, volto a escrever regularmente na Folha no dia em que se comemora cinco anos de aprovação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE).

Como relator desse projeto no legislativo, onde coordenei o processo participativo e a redação do texto final, fui indagado inúmeras vezes sobre as mudanças que o paulistano veria na cidade imediatamente. Meu primeiro impulso era dizer: “Nenhuma! Vai demorar 15 anos (seu horizonte temporal) para os cidadãos sentirem alguma alteração significativa”.

Os resultados de planos urbanísticos apenas são visíveis no longo prazo. E ainda dependem do plano “pegar”, ou seja, da sociedade se apropriar e apoiar suas diretrizes e dos governos implementarem seus instrumentos, programas e projetos. De virar política de Estado, adotado por sucessivas administrações.

O Plano de Avenidas, esboçado em 1924 por Prestes Maia e Ulhôa Cintra, “orientou” o avassalador crescimento de São Paulo ao longo do século 20. E depois de décadas gerou muitos dos seus atuais problemas, decorrente de opções adotadas nos anos 1920 e, ainda, no zoneamento de 1972.

Decisões equivocadas como: a prioridade para o transporte individual em detrimento do sistema sobre trilhos; a ocupação dos fundos de vale por avenidas e a canalização de córregos e dos rios Tietê e Pinheiros; o desleixo na preservação das áreas verdes; a verticalização dispersa em condomínios murados unifuncionais; a segregação da moradia popular na periferia e o abandono da zona rural como reserva para a expansão urbana.

A manchete da análise de Raul Juste Lores sobre o Plano Diretor, publicada na Folha em 01/07/2014, foi precisa: “Lei desfaz erros cometidos no século 20, mas não bastam boas intenções no papel”. De fato, de nada adiantaria adotar diretrizes corretas, ganhar prêmios internacionais, como o recebido da ONU-Habitat, se não gerasse resultados.

Sem um otimismo exagerado, pode-se dizer que o PDE não ficou no papel. E gradativamente, ele vem ganhando apoio da sociedade e maior consenso entre os gestores públicos como um instrumento indispensável para o futuro da cidade.

O espaço público vem sendo tomado pelas pessoas, em detrimento dos automóveis, um dos objetivos do PDE, com se vê na Paulista Aberta, no Minhocão sem carros em 61% do tempo e nos eventos culturais que tomam as praças e ruas.

O uso residencial das áreas centrais, aproximando a moradia do emprego, está crescendo. Para dar função social a imóveis ociosos, cerca de 1.400 proprietários já recebem alíquotas progressivas de IPTU. O número de apartamentos lançados na subprefeitura da Sé cresceu 105% entre 2012 e 2017, de 2.473 a 5.048 unidades.

Parte desses lançamentos não tem garagem, barateando o empreendimento e estimulando o transporte coletivo e a mobilidade ativa. A média de vagas por apartamento, que era de 1,6 entre 1990 e 2012, caiu para 0,8 em 2017. Quase metade das unidades não tem vaga ou tem apenas uma.

Nos eixos de transporte coletivo de massa vêm surgindo um novo modelo imobiliário, com edifícios de uso misto, permeabilidade no térreo, calçadas mais largas e fachadas ativas. A transferência do direito de construir está contribuindo para a aquisição de novos parques, caso do Parque Augusta.

Após cinco anos, há sinais que a São Paulo do século 21 poderá alterar o modelo urbanístico equivocado que adotou no século 20. Mas falta priorizar a habitação para os mais pobres nas áreas consolidadas e qualificar e gerar trabalho e oportunidades as áreas periféricas e vulneráveis.

O grande desafio para cumprir os objetivos do PDE é reduzir a desigualdade socioterritorial. De pouco adiantará alterar o modelo urbanístico da cidade sem mudar sua segregação social.

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