Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

O meio ambiente precisa ser tratado como política de Estado

Quem sabe a comoção dessa semana contribua para conter o retrocesso

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O país vai tirar algo de positivo da enorme comoção que o desmatamento e as queimadas amazônicas causaram no país? Esta é a questão que mais importa a partir de agora.

Até semana passada, as declarações do presidente e as ações do ministro do (desmonte do) Meio Ambiente não haviam produzido reações significativas fora da “bolha ambiental”. Vejam o que escreveu o professor do Insper Fernando Schuller em sua coluna na Folha (22/8): “não é porque alguém discorda de algum item da política ambiental ou educacional do governo que nossa democracia foi pelo brejo”.

Foi necessário o dia virar noite em São Paulo e o presidente Macron e autoridades europeias ameaçarem com sanções econômicas para o país acordar para a importância do meio ambiente, em meio ao fenômeno global de mudanças climáticas.

O governo Bolsonaro tem por objetivo destruir uma política ambiental consistente construída a partir do regime militar e que, de uma maneira geral, vinha sendo implementada por sucessivos governos, de diferentes vertentes. Isso não é aceitável!

O retrocesso vem sendo arquitetado de forma sistemática. O ministro desestruturou órgãos como o Ibama e ICMBio; afastou técnicos experientes; deslocou ou eliminou setores essenciais como o Serviço Florestal e a educação ambiental.

Para reduzir o controle social, alterou a participação da sociedade no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Acusou e afastou ONGs que contribuem para implementar a política ambiental. Entrou em choque com os financiadores internacionais do Fundo Amazonas. Junto como o presidente, contestou dados científicos e estimulou ilegalidades, cancelando multas e declarando implicitamente que “liberou geral”.

Isso irá mudar ou o desmatamento será simplesmente tratado como uma ação emergencial para conter queimadas com o apoio do exército através de uma operação de Garantia da Lei da Ordem, mantendo-se uma política que visa acabar com os órgãos e a legislação ambiental no país?

As manifestações de sexta-feira (23/8) mostraram uma forte mobilização popular, especialmente da juventude, em defesa do meio ambiente e contra a política do governo. Os meios de comunicação, a opinião pública e o Congresso parecem ter despertado para a gravidade da situação e para a necessidade de iniciativas concretas frente ao papel do pais na estratégia global de contenção às mudanças climáticas. Antes que o calor das queimadas arrefeça, é essencial que provoque mudanças tanto do ponto de vista institucional como como comportamento dos brasileiros.

Institucionalmente, é necessário que se discuta a transformação da questão ambiental em uma política de Estado, com independência em relação aos governos. Desta forma, ela poderia ficar imune das pressões de poderosos setores econômicos, do crime organizado (como os grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais e as milícias) e das conjunções políticas. Evidentemente, atuando no âmbito de uma legislação amplamente debatida pelo Congresso e consagrada pela sociedade.

Isso deveria valer para todos os níveis de governo. As barbaridades na Amazônia ganham visibilidade internacional e são monitoradas a tempo real, o que possibilita reações como as que ocorreram essa semana. Mas muitas outras devastações ocorrem diariamente em nossas cidades e em biomas menos monitorados.

Em São Paulo, por exemplo, ocupações e loteamentos ilegais, muitos deles promovidos pelo crime organizado, já desmataram cerca de trezentos hectares nos últimos anos na área de proteção de mananciais, sem que o estado e a prefeitura tenham tomado qualquer providência. E, há 15 dias, sem grande divulgação, uma área de Mata Atlântica de 12 hectares no Parque do Carmo ardeu por quinze horas.

Para que o meio ambiente seja tratado com mais seriedade, é fundamental a sociedade se conscientizar de que, se não cuidarmos das florestas, das águas, do solo, dos resíduos sólidos, do ar, das áreas verdes e dos oceanos, não só o futuro do planeta e da vida humana estarão ameaçados a médio e longo prazo, como as próprias atividades econômicas serão afetadas a curto prazo.

Quem sabe a comoção dessa semana possa contribuir essa mudança e para conter o retrocesso da gestão ambiental do governo federal.

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