Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

O recado de Greta

Greve pelo clima nas cidades exige menos discurso e mais ações efetivas

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Vamos deixar de lado, por ora, os malucos negacionistas do governo Bolsonaro, pois deles nada pode se esperar. Vamos deixar de pensar, por alguns minutos, na Amazônia, apesar do enorme impacto ambiental causado pelos desmatamentos e queimadas.

Enfrentar a questão ambiental urbana é tão importante quanto manter as florestas em pé. No entanto, o tema não tem merecido atenção da sociedade nem ações efetivas do poder público.

As cidades consomem dois terços da energia mundial e respondem por mais de 70% das emissões de gases do efeito estufa. Em 1950, cerca de 700 milhões de pessoas viviam em cidades, 25% da população mundial. Em 2010, o número alcançou 3,5 bilhões de habitantes e estima-se que, em 2030,   ele chegue a quase 5 bilhões de pessoas.

Esse crescimento assustador está fortemente relacionado com as mudanças climáticas, sendo tão ou mais grave que o desmatamento, pois existe forte correlação entre urbanização e emissão de CO2.

Cumprir as metas do Acordo de Paris (no caso do Brasil, reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005 até 2025), requer políticas que revertam o equivocado modelo de desenvolvimento urbano do século 20, assim como alterar o modo de vida insustentável adotado nas cidades. E estamos longe de fazer isso.

São Paulo é exemplar da distância entre o discurso e a prática. O prefeito Bruno Covas busca protagonismo no tema, tanto para se diferenciar de Bolsonaro como para ganhar prestígio no eleitorado sensível à questão ambiental.

Em fóruns internacionais do C40 (grupo das 40 maiores cidades do mundo) ou em eventos de gestores municipais, como a conferência Catalisando Futuros Urbanos Sustentáveis, (promovido pela Rede de Cidades Sustentáveis), que ocorreu semana passada em São Paulo, o prefeito tem assumido o compromisso de enfrentar as mudanças climáticas. Isso é ótimo, sobretudo em um país onde o presidente nega o óbvio.

Mas como afirmou a jovem ativista sueca Greta Thunberg, que protagonizou a Greve pelo Clima, que reuniu milhões de pessoas em 130 países no dia 20/9, “é necessário superar as eternas discussões que não resultam em soluções objetivas”.São Paulo dispõe de instrumentos adequados, como o Plano Diretor (2014) e a Lei Municipal de Mudanças Climáticas (2009), que apontam diretrizes corretas e propõem ações eficazes nas áreas como energia, mobilidade, edificações e resíduos sólidos, principais fontes de emissões. No entanto, essas ações não tem sido implementadas com a urgência requerida.

Relatório apresentado na 73ª Reunião do Comitê de Mudança do Clima do Município de São Paulo mostra que emissões de gases de efeito estufa, ao invés de caírem, cresceram 17% entre 2010 a 2017. A fonte que mais contribui para as emissões, com 60%, é o transporte motorizado. E, nesse aspecto, o retrocesso é assustador.

A Lei de Mudanças Climáticas determinava que até 2018 todos os ônibus do sistema adotassem combustível renovável não fóssil. A meta não foi levada a sério pelos empresários e pelos quatro prefeitos do período e apenas 1,4% dos veículos cumpriram a exigência. A Câmara, com o aval da prefeitura, alterou a lei em 2018 e deu mais 20 anos para se proceder a troca, ou seja, até 2038. A regra foi utilizada na licitação da concessão do serviço, vencida pelo cartel que domina o setor.

Ações para estimular a mobilidade ativa estão paralisadas desde 2016. Nenhuma nova ciclovia nem faixa exclusiva de ônibus foi implantada. O anunciado Plano Cicloviário se arrasta, enquanto vereadores pressionam pela remoção de ciclovias existentes, muitas já apagadas pelo uso. E agora se pretende regulamentar os mototáxis que, além de perigosos, estimulam o uso de um modal poluidor. Nenhuma medida de restrição ao automóvel foi tomada.

A coleta seletiva de resíduos, que contribui para a redução das emissões, caiu 13% em 2018, segundo a Associação de Empresa de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Sem um programa de educação ambiental, a queda não surpreende. Resta ao prefeito, comemorar a implantação de cinco pátios de compostagem para receber os resíduos das feiras livres e das podas.

Boas intenções e discursos corretos são bem-vindos. Mas até as jovens da Greve do Clima sabem que são necessárias ações efetivas para evitar o desastre ambiental.

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