Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Por que prender lideranças do movimento de moradia?

Sem-teto que nada têm a ver com crime organizado estão presos há 2 meses em SP

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O crime organizado tem crescentemente atuado na moradia popular. O negócio ilícito é variado: extorsão em ocupações de prédios abandonados, venda de lotes em áreas de proteção ambiental; comercialização informal de apartamentos em prédios construídos em favelas; expulsão de famílias em empreendimentos do Minha Casa Minha Vida para apropriação de unidades habitacionais.

Além de explorar famílias vulneráveis e de causar graves danos ambientais e urbanos, essas ações tem provocado tragédias como os desabamentos da Torre de Vidro no largo do Paissandu em São Paulo (Edifício Wilson Paes de Almeida) e de um prédio construído pela milícia na comunidade de Muzema, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Ao invés de se empenhar no desbaratamento dessas quadrilhas urbanas, a polícia e o Ministério Público desviaram-se desse foco para perseguir movimentos de moradia que tem lutado para transformar prédios ociosos em habitação social no centro de São Paulo, ou seja, garantir sua função social.

Há dois meses reconhecidas lideranças desses movimentos, que nada têm a ver com o crime organizado, estão presas, em um inquérito dirigido pelo promotor de Justiça, Cássio Roberto Conserino. Crimes cometidos pelos chefes da ocupação do edifício Wilson Paes de Almeida (que, aliás, estão foragidos) foram generalizados para atingir líderes dos movimentos, acusados de cobrar valores abusivos dos moradores.

Na Torre de Vidro que desabou, de fato, há fortes suspeitas de que os criminosos extorquiam os moradores, se apropriando uma mensalidade abusiva que não era utilizada na reabilitação, manutenção e segurança da edificação, uma das razões que geraram a tragédia. Podem existir outros casos semelhantes, mas essa não é a regra nos prédios ocupados por movimentos legítimos.

O principal objetivo dessas ocupações é pressionar o poder público a transformar prédios vazios e abandonados em projetos habitacionais. Desde meados dos anos 1990, devido aos movimentos, cerca de vinte prédios no centro viraram moradia social, com grande sucesso.

Mas, como o poder público tem sido moroso ou, a depender da gestão, desinteressado em promover a reabilitação dos edifícios, as ocupações tem se tornado uma alternativa temporária de moradia.

Por isso, as lideranças são obrigadas a organizar o funcionamento dos edifícios, o que exige pequenas obras de manutenção, limpeza, adaptações, organização de espaços coletivos e segurança, além de assessoria jurídica e técnica.

Como em qualquer condomínio, essas ações exigem recursos, que são rateados entre os moradores, gerando a cobrança de uma taxa. O Ministério Público, ao invés de propor a criminalização dos movimentos, deveria exigir das lideranças maior transparência e prestação de contas no uso desses recursos, como já é praticado em alguns edifícios.

Vistoria realizada em 2018 pela prefeitura em 51 prédios ocupados mostrou apenas três em péssimas condições, requerendo sua imediata interdição. Os demais apresentavam problemas, mas não exigiam desocupação, demonstrando a responsabilidade das lideranças em garantir condições mínimas de habitabilidade.

Além de se cometer uma injustiça, ao se ameaçar e aprisionar lideranças, está se colocando em xeque um importante ator que tem contribuído para enfrentar um dos principais desafios do Plano Diretor Estratégico (PDE): promover habitação social bem localizada e próxima ao emprego.

Nesse sentido, a prefeitura tem negligenciado seu papel. O PDE de 2014, além de elevar a arrecadação da outorga onerosa (que alcançou R$ 1,55 bilhões nesses cinco anos) vinculou 30% desses recursos para a aquisição de imóveis bem localizados para habitação social. Mas apenas uma ínfima parte desses recursos tem sido utilizados: no orçamento de 2019, dos R$ 356 milhões previstos para essa finalidade somente R$ 25 milhões foram liquidados até 16/8/2019.

Enquanto se aguarda a prefeitura implementar um programa massivo de habitação social em áreas bem localizadas, a cidade admira os belos exemplos de moradia, cidadania cultural e economia solidária que são visíveis em ocupações como a do Edifício 9 de Julho, organizada por lideranças, como Carmen Silva, que estão com prisão decretada pela Justiça.

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