Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nabil Bonduki

A concessão do parque Ibirapuera precisa ser revista

Plano Diretor para a área verde foi elaborado após a definição da concessionária

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Se o Judiciário não interferir em favor do interesse público, em breve a Prefeitura de São Paulo entregará a uma empresa privada, por 35 anos, o parque Ibirapuera, incluindo o maior conjunto cultural da cidade, sem que as regras para sua utilização futura estejam claramente definidas.

A tentativa de evitar esse desenlace foi inócua. Só poderia ser fake a elaboração de um plano diretor para o parque (condição exigida pelo Ministério Público para a assinatura do contrato) depois de já ter sido realizado o certame licitatório e estar definida a futura concessionária. Isso porque qualquer mudança significativa nas vagas condições estabelecidas no edital geraria contestação e a anulação de toda a concorrência.

Perder a oportunidade de abocanhar os R$ 70 milhões que irá receber imediatamente para entregar o parque e, ainda, economizar seu custo de manutenção, é um risco que a gestão Bruno Covas não quer correr. Como a Folha mostrou, no sábado (5), reforçar o caixa municipal para gastar em ano eleitoral é a estratégia do prefeito para tentar se reeleger.

É por isso que o plano diretor apresentado é genérico, sem estabelecer com a necessária precisão o que será feito em um período tão longo, motivo que gerou sua rejeição pelo Conselho Gestor do parque Ibirapuera. E, ainda, por isso que a concessionária atuou ostensivamente para influenciar a elaboração do instrumento.

Esse é o vício original: o Plano Diretor do Ibirapuera deveria ter sido elaborado antes da licitação, como elemento orientador do edital, e nunca após a definição do concessionário. Ao inverter essa lógica elementar, a prefeitura cometeu uma irregularidade que deveria gerar a anulação do certame licitatório.

A presença de um grande número de funcionários da empresa vencedora nas audiências públicas, calculada em 45% pelo vereador Gilberto Natalini, que denunciou a fraude, é resultado dessa anomalia.

Isso, por si só, não significa que a participação dos demais foi tolhida, mas um constrangimento que nunca deveria ocorrer. Mais grave foi o curto prazo para a elaboração e debate do plano, assim como a falta de explicitação das fontes de receita do concessionário, que afetarão o uso do parque ou a ausência da Secretaria da Cultura nos debates públicos, entre outras deficiências.

Como relator do Plano Diretor de São Paulo, apresentei propostas para compatibilizar o parque com as diretrizes de planejamento da cidade como, por exemplo, a restrição a entrada de automóveis no parque e sua melhor conexão com o transporte coletivo, aspectos que não foram considerados.

Também mostrei os projetos desenvolvidos pela Secretaria de Cultura, no período em que fui secretário. Mas, assim como no edital de concessão, foi desconsiderado o projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha para reabilitar o acesso principal do parque, segundo a concepção original de Niemeyer, criando uma praça de articulação do setor cultural, entre a Oca, o Auditório e a entrada de marquise.

O projeto original do Museu das Culturas Brasileiras está comprometido, pois foi reservado apenas 4.000 dos 11 mil metros quadrados do pavilhão para esse uso. Esse aliás, foi o único aspecto que foi contestado pelo Ministério Público, que exigiu a ampliação dessa área.

O plano diretor não especifica o uso do restante do pavilhão, assim como da Oca e do Auditório, espaços que deveriam ser integralmente destinado a cultura, mas que, provavelmente, serão explorados comercialmente.

Inovar a gestão dos parques e de outros equipamentos, com mais agilidade e eficiência, é necessário. A concessão pode ser uma alternativa, desde que não contrarie o interesse público, o que não está garantido nesse conturbado processo.

Para não comprometer o próprio instrumento, essa licitação deveria ser cancelada e pactuado um plano diretor que definisse o futuro do parque e seu modelo de governança, antes da realização de uma nova licitação.

É o que se espera da juíza Cyntia Thomé que irá dar o veredicto final.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.