Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Reforma do Estado

Mais do que extinguir municípios

Proposta de Bolsonaro não enfrenta a questão federativa

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A necessária revisão do pacto federativo, uma das agendas mais negligenciadas do país, está longe de ser contemplada através da PEC que Bolsonaro enviou ao Congresso, extinguindo municípios com menos de 5.000 habitantes que, até 2023, não arrecadem, através de impostos próprios, no mínimo 10% de suas despesas.

Ao colocar esse “bode” na sala, de forma improvisada, sem estudos consistentes e focando apenas o aspecto fiscal, o governo presta um desserviço ao necessário debate sobre o tema. Como a proposição é inviável politicamente e não prioritária para o governo, perde-se a oportunidade de se debater uma efetiva reformulação da inadequada, cara e ineficiente organização federativa brasileira.

A Constituição de 1988 concedeu ao município o status de ente federado e ele passou a integrar a estrutura federativa do Estado, ao lado da União, dos estados e do Distrito Federal. Foi instituída a autonomia administrativa, política e financeira do município, um avanço positivo por apontar para uma maior descentralização.

Mas a Carta facilitou a criação de novos municípios. Entre 1988 e 2000, surgiram 1.438 (26%) dos atuais 5.567 municípios brasileiros. Destes, 1.145 (79%) tinham menos de 10 mil habitantes e 765 (53%), menos de 5.000. Aparentemente, a descentralização poderia parecer democrática, mas não foi o que ocorreu.

Embora inexista estudo sistemático sobre as razões dessa proliferação, há indícios que se deu por fatores eleitorais regionais (reforçar as bases de deputados, considerando que emancipação devia ser aprovada pelas Assembleias), pelo desejo das elites exercerem o poder local, elegendo prefeitos, vereadores e nomeando funcionários, e pela intenção do município sede de se desfazer de distritos pobres que demandam recursos sem aportar receitas.

Sem generalizar, pois há casos bem-sucedidos de desmembramentos, essa farra municipalista nada teve de democrática nem significou melhor utilização dos recursos públicos. Ao contrário, criou uma nova camada de privilegiados que se apropriaram, como é a tradição do patrimonialismo, dos recursos públicos em prol de interesses privados dominantes.

Mas a questão não pode ser enfrentada com a mera extinção dos 769 pequenos municípios que não cumprem a meta estabelecida pela PEC. A proposta é simplista e observa a questão federativa unicamente pelo viés fiscal, quando existem outros aspectos relevantes.

O problema fiscal não é privilégio dos micromunicípios. Segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal, em 2018, quase 75% dos municípios estavam em situação fiscal difícil ou crítica, vivendo das transferências obrigatórias da União (FPM) e dos estados (cota-parte do ICMS). Isso ocorre porque as elites que dominam a política local praticam a renúncia fiscal dos impostos municipais, como o IPTU, ISS e ITBI, basicamente para benefício próprio, usando como argumento a pobreza das localidades.

Já o ITR (Imposto Territorial Rural), imposto federal com enorme potencial, que pode ser incorporado à receita do município caso eles firmem convênio com o governo federal (dispositivo aprovado durante o governo Lula), é desconsiderado, pois não há interesse em cobrar impostos dos proprietários rurais.

A revisão do sistema federativo brasileiro deve levar em conta que os municípios não podem ser tratados de forma uniforme. A diversidade da rede urbana brasileira é imensa, como mostrou a professora Tânia Bacelar, em estudo realizado para o finado Ministério da Cidades, que apontou para uma tipologia com 17 tipos de municípios, levando em conta tamanho, dinamismo demográfico e desenvolvimento econômico regional.

Mais do que extinguir municípios, tarefa politicamente difícil, é necessário diferenciar suas competências e estruturas administrativas e políticas, de acordo com sua dimensão e dinamismo.

O pequeno município, com menos de 20 mil habitantes, deve existir, mas não tem escala, pessoal qualificado e estrutura para se responsabilizar por parte significativa das políticas públicas que hoje lhe cabem e que poderiam ser exercidas por instâncias intermediárias entre o município e o estado, como consórcios ou autoridades regionais, com maior eficiência e economia.

Os vereadores são importantes para a democracia, mas em municípios pequenos deveriam exercer uma função honorífica, não remunerada. Hoje, o número mínimo de vereadores em municípios com até 15 mil habitantes é nove, que recebem até 20% do salário do deputado estadual, cerca de R$ 6.000 mensais.

A reformulação do pacto federativo é essencial na perspectiva de uma efetiva reforma de Estado, que tenha como objetivo, além de garantir um equilíbrio fiscal, prestar melhores serviços para o cidadão​. Mas, infelizmente, estamos longe disso.

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